Pietra Santini
Acordei com o corpo pesado, a sensação de exaustão me consumindo. Ontem as meninas no balé pareciam ter uma fonte infinita de energia, enquanto a minha já estava no limite. Ainda assim, eu não tinha escolha. A vida, com todas as suas exigências, não me dava tempo para parar. — Bom dia, Malena — digo, entrando na cozinha e me sentando à mesa. — Bom dia, querida. Sente-se e tome seu café — ela responde, já colocando um prato à minha frente. Enquanto pegava uma tigela de iogurte com granola e morangos, decidi perguntar algo que já sabia a resposta. — Meu pai está em casa? Malena suspira, o rosto expressando o mesmo pesar de sempre. — Não, meu amor. Ele viajou ontem, pouco depois de você chegar. — Certo — respondo, tentando soar indiferente, mas a sensação familiar de abandono lateja no fundo. Terminei meu café sem pressa. Não estava com muita fome, para variar. Hoje era dia de aula de alemão, e eu mal conseguia reunir energia para me arrastar até lá. Caminhei até o carro, preparada para encontrar o senhor Alberto como sempre, mas a visão que me esperava era outra. Um homem alto, de feições marcantes e cabelos escuros, estava sentado ao volante. Ele me encarou pelo retrovisor com um olhar avaliador, quase desafiador. — Bom dia, senhor Alber... — parei ao perceber que não era ele. — Bom dia, senhorita Pietra. Sou Adônis Hart, seu novo motorista e segurança pessoal — ele se apresentou, a voz grave e formal. Fiquei alguns segundos em silêncio, surpresa. — Nesse caso, bom dia, Adônis. O que aconteceu com o senhor Alberto? — perguntei, tentando disfarçar minha confusão. Ele arqueou uma sobrancelha, como se a pergunta fosse absurda. — Seu pai requisitou os serviços dele como segurança pessoal. Como eu estava em treinamento, assumi o posto — explicou, o tom seco. Foi então que tudo fez sentido. — Claro, você é o filho da Malena e do Alberto. Vivemos na mesma casa praticamente, e nunca nos vimos — comentei, tentando descontrair. O sorriso que ele lançou foi tudo menos amigável. — A casa grande é longe da senzala, princesa — respondeu com ironia. As palavras dele me atingiram como um tapa. Antes que pudesse responder, percebi que qualquer tentativa de rebater seria inútil. Respirei fundo, engoli o orgulho e entrei no carro sem dizer mais nada. [...] A aula de alemão foi um martírio. Minha cabeça estava em outro lugar, e o cansaço tornava impossível me concentrar. Quando finalmente acabou, senti um alívio imediato ao sair da sala e encontrar minha amiga Alana me esperando. — Uau, quem é aquele Deus grego encostado no seu carro? — ela perguntou, apontando para Adônis, que estava casualmente escorado na lateral do veículo. — Adônis — respondi simplesmente, já antecipando sua reação. — O nome combina perfeitamente. Cadê o senhor Alberto? — perguntou, ainda encarando Adônis. — Viajando com papai. Agora Adônis ocupa o lugar dele — expliquei, sem ânimo. Chegamos ao carro, e antes que Alana pudesse fazer mais comentários, dei as próximas instruções. — Adônis, não iremos para casa agora. Vou almoçar em um restaurante e depois ao tênis. Ele me lançou um olhar de desdém pelo retrovisor, acompanhado de um tom carregado de sarcasmo. — Como a senhorita quiser. Bufei, irritada. Qual era o problema desse homem? Ele mal havia começado a trabalhar comigo e já parecia empenhado em me provocar. — Ele é meio sério, não? — Alana comentou, tentando amenizar o clima. — Sério demais. E irritante também — murmurei, cruzando os braços. O trajeto até o restaurante foi silencioso, o que, considerando o humor de Adônis, foi quase um alívio. Quando chegamos, Alana e eu nos acomodamos em uma mesa perto da janela, mas Adônis se dirigiu a um canto mais afastado, onde sentou sozinho. — Eu vou estar ali, caso precise de algo — avisou, o tom impessoal. Antes que pudesse dizer algo, Alana, sendo Alana, abriu um sorriso convidativo. — Ah, para com isso! Senta aqui com a gente. Não tem por que ficar isolado. — Não tenho essas... necessidades, mas obrigado pela oferta — ele respondeu, ríspido, antes de se afastar. — Esse cara é osso duro de roer — Alana brincou, rindo. — Nem me fale. Hoje é só o primeiro dia, e eu já estou farta — respondi, suspirando. Enquanto aguardávamos nosso pedido, meu olhar vagava involuntariamente até a mesa de Adônis. Ele estava alternando entre o celular e rápidas olhadas em minha direção. Em algumas ocasiões, nossos olhares se encontraram, e ele parecia quase se divertir com minha reação. — Ele está olhando para cá de novo — Alana sussurrou, rindo. — Deve estar garantindo que eu não fuja ou algo assim — retruquei, fingindo indiferença. — Claro, porque ser sua segurança pessoal é a coisa mais emocionante do mundo — ela brincou, revirando os olhos. Eu ri, mas no fundo sabia que a presença dele mexia comigo de uma forma inesperada. Havia algo naquele homem — na maneira como me olhava, como falava — que despertava uma mistura desconfortável de irritação e curiosidade. O almoço transcorreu tranquilamente, embora a tensão entre Adônis e eu fosse quase palpável. Quando saímos, ele já estava posicionado ao lado do carro, abrindo a porta para mim sem dizer uma palavra. — Obrigada — murmurei, mais por hábito do que por gratidão genuína. — Sempre às ordens, senhorita Pietra — respondeu, com um leve tom sarcástico. A relação entre nós prometia ser tudo, menos fácil. E, de alguma forma, essa perspectiva me deixava estranhamente ansiosa pelo que estava por vir.