Eu, sinceramente, não sei o que significava "estou seguindo em frente" para Kalid Clarkson.
Destruir sua casa inteira, deixar móveis quebrados, e desaparecer por mais de cinco meses era seguir em frente?
Bom, então eu precisava voltar a me situar no vocabulário da mulher.
Seguir em frente deveria ser, no caso dela, aceitar ajuda profissional e também a minha.
Sabia que não tinha moral alguma com ela, principalmente porque Carter morreu em meus braços, mas estava disposto a ajudá-la.
Eu deveria tê-lo salvado de alguma maneira, mas, não consegui.
O Afeganistão é um lugar complicado.
Em todo caso, Kalid não podia ser tão mais complicada do que a guerra.
Ela teria que aceitar um ombro amigo – nem tão amigo assim.
Meus olhos se voltaram para o chão do quarto quando, de mansinho, a diarista que contratei saiu para fora dele.
A poeira podia ser vista pairando no ar, mas nada era mais assustador do que o sangue que encontrei nos lençóis da cama que pertencia aos dois.
Ela havia se cortado?
A ideia me deixava ainda mais ansioso e instável.
É… um caralho!
Só Kalid conseguia me deixar assim… instável.
Nem mesmo as bombas me fizeram ter tantos receios.
Nem mesmo o cenário caótico me deixava tão inconstante.
Já ela... ela tinha a merda desse poder de me desestabilizar em níveis assustadores.
— Senhor Logan, posso jogar fora tudo o que foi quebrado?
Olhei para a senhora parada na porta com cara de cansaço e balancei a cabeça em confirmação.
— Tudo. Tente deixar o mais… normal, possível.
Entendendo minhas ordens, ela se retirou do cômodo e mais uma vez estava eu sozinho ali.
Ainda conseguia sentir o perfume deles. Era estranho, mas me era algo tão familiar que não tinha como não reconhecer.
Carter era meu amigo desde a infância, e Kalid, bom, a garota apareceu nas nossas vidas logo depois. E, por mais que eu e ela fôssemos quase que inimigos declarados, agora havia uma promessa que eu precisava cumprir.
Ele me fez jurar que cuidaria dela, e eu teria que fazer isso, visto que até o general me tirou de campo para que me encarregasse de encontrar a fujona.
Me manter distante, por mais que fosse tentador dada as circunstâncias do passado, era impossível no momento.
— Vamos lá! Você tem que ter deixado alguma pista. — Me abaixei, tentando encontrar algo no meio das coisas jogadas no chão.
E então, dentro de uma caixa de madeira rústica e pesada, achei alguns álbuns de fotos.
Não era o momento para isso, mas capturei um qualquer e, quando o abri, recebi uma enxurrada de lembranças da nossa adolescência.
A maioria das fotografias entregavam uma juventude regada a sorrisos frouxos e festas que quase nunca tinham fim.
Eu e Carter éramos uma dupla e tanto, e Kalid sempre estava atenta com as lentes de sua câmera para flagrar nossos momentos mais insanos.
A luz surgiu em minha mente no mesmo instante em que bati os olhos na casa do lago.
Ela não amava tanto aquele lugar porque a fazia lembrar de seu pai, mas se a mulher estava buscando formas de se sabotar, era óbvio que iria para lá.
Era mais do que óbvio, pois sabia que de todos os lugares no mundo, aquele era o último em que eu pensaria em pisar os pés.
Porém, dessa vez, eu precisava ir até ela.
Tinha que, pelo menos, saber se a teimosia em pessoa estava bem.
Tirei meu celular do bolso quando cheguei a conclusão de que ela estava na nossa cidade natal e, sem esperar, disquei o número de Rhodes, seu parceiro de trabalho.
— Encontrou ela? — Nem um cumprimento saiu de sua boca.
— Acho que sim. Só preciso que você tente rastrear a moto do Carter. Ela deixou o carro, mas a Ducati não está na garagem.
— Esqueça, Logan! — Riu. — Somos operadores de drones militares. A Kalid sabe muito bem como se esconder das minhas lentes. Posso tentar alguma coisa, mas devo dizer que vai ser complicado.
— Há alguma coisa que não seja complicado com ela? — Pressionei a têmpora, andando até a janela do quarto onde um vidro estava quebrado.
Provavelmente, resultado de sua fúria.
— Olha, eu não sei como você queria que ela reagisse depois de ver tudo aquilo, mas o que eu posso dizer é que, vê-la se refugiando do mundo é o mínimo.
Sim, era o mínimo, eu entendia.
Kalid só tinha Carter, enquanto ele tinha seus amigos e uma família repleta de irmãos.
Claro que ela não ia correr para os braços dos pais dele porque, no fim, infelizmente, ainda tinha quem a culpava por uma escolha que foi exclusiva e completamente de Carter.
A de ser um fuzileiro naval.
— Certo. Eu vou até ela. Vou tentar fazer o máximo para trazê-la de volta, mas se a teimosa se recusar, não vou insistir.
— Fale isso para o comandante, Logan — resmungou. — Ele a quer aqui, e a responsabilidade de fazer ela estar aqui é só sua. Então, dê o seu melhor e não esqueça de me manter atualizado.
Sem mais, Rhodes desligou na minha cara e eu bufei, voltando a olhar para as fotografias espalhadas pelo chão.
— É, vamos ao que interessa… Hora de bater de frente, teimosinha. — Me abaixando, capturei uma foto avulsa que podia ser considerada bem rara.
Nela, Kalid era quem tinha sido flagrada por alguém, sorrindo ao olhar para o palco improvisado onde eu e Carter cantávamos algum country.
Ela nunca tinha sorrido para mim.
Nunca, exceto aquela noite, após ouvir minha voz mais desafinada que o normal.
A bem da verdade, acho que foi o único sorriso sincero que ela me lançou.
E eu ainda me recordava.
Eu ainda me lembrava daquele exato repuxar de lábios, e do que aconteceu no fim daquela noite.
Achei que não tinha como sermos ainda mais insuportáveis um com o outro, mas havia me enganado.
Éramos bons em sabotar coisas, principalmente coisas que já não eram sólidas e inteiras.