Capítulo 2

Lara

Ainda moro com meus pais. Acredita nisso?

Pois é. Tenho 25 anos, curso superior , um emprego que amo… 

E antes que alguém venha dizer que “ah, mas morar com os pais é conforto, comida na mesa, roupa lavada” — deixa eu cortar logo essa ilusão: isso aqui é o próprio inferno com nome de família.

Não pense que eu moro aqui de graça, não. Nada é de graça nessa casa, principalmente pra mim. Eu pago água, luz, internet, gás e ainda tenho que lidar com a minha mãe, dona Lauren — a comandante suprema das regras absurdas.

Sabe qual é uma das regras mais ridículas que ela inventou? “Nada de homem dormindo em casa.”

Parece justo, né? Igual pra todo mundo. Só que não é.

Porque a minha irmã, Leila — a queridinha da mamãe — pode trazer o namorado quando quiser. E não só pode como traz. Quase todo fim de semana. E, claro, o quarto dele fica colado no meu. Isso mesmo, parede com parede, meus amigos.

Resultado? Eu escuto tudo. Tudo mesmo.

Eles acham que moram sozinhos, que estão num hotel cinco estrelas à prova de som. Mas não. Eu escuto os gemidos, a cama batendo na parede e até ele sussurrando coisas que eu preferia continuar ignorando. Já bati na parede, já gritei, já mandei mensagem, já pedi de joelhos... e nada. Dura cinco minutos e depois tudo volta ao caos habitual.

E a minha mãe? Finge que não ouve nada. Ou melhor, só ouve o que é conveniente.

Porque se eu boto um pé fora de casa com um vestido justo, ela já me chama de tudo que é nome — vadia é pouco na boca dela. Agora, Leila sai de short curto e top colado e ela diz: “Olha que linda a minha filha, tão moderna!”

Aí você pensa: “mas será que a Leila ajuda com as contas da casa?” — claro que não. Ela vive de maquiagem, fotos no I*******m, freelas que duram dois dias e o resto quem paga? Eu.

E, sim, eu sei o que você vai dizer: "mas é sua obrigação ajudar em casa!" E eu respondo: sim, talvez fosse, se a casa precisasse de ajuda. Meus pais têm um mercado próprio, vivem muito bem, obrigada, viajam duas vezes por ano e têm dinheiro guardado no cofre. Mas mesmo assim, se eu atraso um centavo na conta de luz, é discurso até a próxima encarnação.

Eles cobram centavos de mim. Literalmente. Uma vez eu dei 49,90 em vez de 50 reais pra internet e minha mãe me olhou como se eu tivesse roubado a casa.

Aí vem a pergunta de um milhão de dólares:

“Por que você ainda mora aí?”

E eu te digo: porque morar sozinha custa caro pra caramba.

Sim, eu ajudo nas contas, mas não consigo bancar aluguel, comida, transporte, remédio, roupa, segurança, paz mental e ainda manter um pouco de vida social. Eu quero sair, eu sonho em sair, mas enquanto a vida não colabora... vou pagando esse preço.

Mas sabe o que me irrita mais?

Não é nem o fato de morar com os meus pais. É o tratamento desigual. Porque, sinceramente, se fosse justo, tudo bem. Mas não é. Leila é a filha perfeita, a santa imaculada. Eu sou a rebelde, a ingrata, a que “não deu certo”.

E sabe o que é pior? Essa imagem de ovelha negra colou. Não importa o que eu faça. Se eu tirar nota boa: “Leila tirava melhor.” Se eu lavar a louça: “Mas você deixou o copo sujo na pia ontem.” Se eu ajudar meu pai no mercado: “Você tem que fazer mais como sua irmã.” MAS O QUE MINHA IRMÃ FAZ, MEU DEUS? Tira selfie e vai dormir!

É frustrante.

E a minha vida amorosa? Inexistente. Porque como eu vou namorar alguém se:

Não posso trazer ninguém pra dormir em casa.

Se eu chego tarde, minha mãe me olha como se eu tivesse passado a noite em um prostíbulo.

E qualquer homem que me liga, ela quer saber CPF, CNPJ e se já tem ficha criminal.

É cansativo. E é por isso que eu comecei a escrever.

Não porque eu ache que alguém vai ler isso, mas porque se eu não colocar tudo pra fora, eu explodo. Essa casa parece cada vez menor, e eu cada vez mais presa. Eu quero liberdade. Quero minha casa. Minha cama. Meus horários. Meus erros e acertos.

Mas por enquanto… sigo aqui.

Presa entre paredes que ouvem demais, pessoas que me julgam demais e regras que só servem pra mim.

Mas se tem uma coisa que eu prometi pra mim mesma é que essa história ainda vai mudar.

E quando eu sair dessa casa, não vai ser só pra ter um endereço diferente.

Vai ser pra ter uma vida nova.

E que eles se virem com a santa Leila.

 Quer saber?

Chega de pensar em coisa ruim.

Hoje eu quero gatinhos, música alta, luzes piscando e muitos beijos na boca.

Depois que eu sair do meu trabalho que eu amo a  clínica odontológica — onde sorrir é obrigatório e o salário é ótimo — vou direto pra casa da Hadiya. Minha missão? Arrastar essa criatura pra boate nova da cidade.

Ela vai, nem que seja amarrada.

Hadiya é doce, mas carrega uma tristeza funda nos olhos. Daquelas que machucam só de olhar. Às vezes, eu me pergunto como alguém tão boa sobreviveu a tanta coisa ruim.

Uma mãe que entrega a filha aos onze anos pra trabalhar como babá de três crianças. Três. E detalhe: uma delas era especial, e foi justamente essa que tocou o coração da Hadiya.

Mas não foi só isso.

A escola foi um inferno.

Ela chegou na minha sala como um passarinho assustado — mais velha que todo mundo, calada, cheia de marcas invisíveis. As crianças zombavam dela, os professores fingiam não ver. Um dia, uma menina chamou ela de “negra horrorosa” e eu, que nunca fui santa, dei logo um soco. Desde então, viramos inseparáveis.

Ela me contou tudo. Sobre o abandono. Sobre a casa que mais parecia um cativeiro. Sobre Kevin — o único garoto que a tratava com humanidade. O menino de olhos verdes e cabelos cor de fogo.

Ele desapareceu.

E ela nunca se curou disso.

Se eu pudesse, explodia a casa daquela família podre com todo mundo dentro — menos o Kevin, é claro.

Mas enfim...

Deixa eu parar de pensar e ligar pra minha amiga.

Ligação on:

— A que devo a honra dessa ligação, dona folgada? — ela atendeu com aquela voz arrastada.

— Hoje tem inauguração de boate e eu não aceito não como resposta.

— Ah, Lara…

— Sem drama. Ou eu vou te buscar vestida de pijama de unicórnio.

— Tá bom, tá bom. Preciso mesmo me distrair.

— Isso! Agora me conta: e o novo patrão?

— É o homem mais lindo que já vi.

— Opa! A tímida achando alguém bonito? Isso eu quero ver de perto!

Desligamos rindo. Meu coração ficou mais leve. Ela precisava daquela noite.

No fim do expediente, fui direto pra minha casa. Tomei um banho demorado, me maquiei caprichado e deixei meus olhos azuis mais azuis ainda com uma sombra clara. Me vesti pra matar.

Quando me olhei no espelho, pensei:

“Mamãe está pronta pra caçar.”

Desci, entrei no meu carro — meu bebê, meu xodó — e fui buscar Hadiya. Chegando lá, buzinei como se estivesse chamando pra guerra. Uma vizinha escrota veio reclamar do barulho.

— Reclama com o diabo, sua infeliz! — eu disse, com aquele sorriso cínico que só eu sei dar.

Hadiya saiu linda, mas nervosa.

— Pronta pra noite?

— Com certeza.

A boate era coisa de cinema. Fila quilométrica, fachada chique, gente bonita até onde os olhos podiam alcançar. Entramos e fomos direto pro bar. Pedi um drink forte, ela ficou no suco — como sempre.

— Vou pra pista! — falei, empolgada.

Ela riu e ficou ali, sentada, como quem observa o mundo de fora.

Dançar é minha terapia. Requebrei até o chão. Um gato colou em mim e logo estávamos trocando beijos quentes. Nem sei o nome, nem quero. Aquela noite era minha.

Mas algo aconteceu.

Voltei pro bar pra ver Hadiya. Ela estava com os olhos vidrados num ponto fixo. Segui o olhar dela...

Dois homens. Um branco elegante.

E o outro…

Meu. Deus. Do. Céu.

Um negro de terno, pele reluzente, olhar de comando. O homem exalava poder. Era como ver um lobo em meio a cordeiros.

Meu corpo inteiro respondeu àquela visão.

A vagina? Já piscando, doida pra dar boas-vindas.

— Quem é aquele? — perguntei.

— Meu chefe… — ela respondeu, quase num sussurro.

— Amiga… você tá MUITO ferrada.

Voltei pra pista tentando esquecer, mas não conseguia.

O negro  gostoso beijava uma mulher lindíssima… mas os olhos dele?

Estavam em mim.

Tarados. Escuros. Famintos.

O cara que eu tava beijando tentou continuar a pegação, mas minha mente já estava no outro. Um perigo vivo de terno e olhos de jabuticaba.

Em poucos minutos, Hadiya sumiu com o tal chefe. Eu fiquei. Fiquei e deixei o outro gato me levar pro apartamento dele.

O AP era bonito, o cara era cheiroso, parecia promissor.

Mas gente…

Que decepção.

Cinco minutos.

Sem oral. Sem carinho. Só uma metida triste e um gozo precoce.

Eu saí dali me sentindo lesada.

Nem foda ruim esse homem sabia dar.

E o pior: meu pensamento voltou pro negro gato.

Aquele homem me marcou com um olhar.

E eu?

Tô aqui, pensando na p**** dele como se fosse minha salvação.

Eduardo, vou te dar mais uma chance.

Mas se você não souber meter…

Tá dispensado, amor.

Já o negro gato…

Esse eu ainda vou provar.

E sei que ele também quer me provar.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP

Capítulos relacionados

Último capítulo

Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP