Virei as costas e saí de lá com passos firmes, como se a sola do meu sapato queimassem só por estar pisando naquele maldito lugar.
—Quem ele pensa que é? Não existe só essa empresa para eu trabalhar...- Resmunguei percebendo alguns olhares sobre mim. E então, respirei fundo e continuei a andar, mantendo a Charlie em meu colo.
Antes que eu chegasse nas enormes portas de vidro da entrada principal do prédio, ouvi meu nome ser chamado.
—Ellie! – Chamou Félix com um pouco de desespero em seu tom de voz. —Por favor, espere! Preciso falar com você.
Me virei lentamente, vendo-o junto ao chefe do RH me alcançarem.
—Ellie, não vai ainda. Escute o que temos a te falar! – Disse Félix, com um tom um pouco eufórico e então, o homem ao seu lado, agora com um crachá pendurado no pescoço, me estendeu a mão.
—Ellie, nós pedimos que nos dê ao menos cinco minutos do seu precioso tempo para nos ouvir. – Disse Augusto, apoiando as mãos nos joelhos.
—Por favor, desconsidere tudo o que aconteceu antes e faça essa entrevista. Você precisa do emprego e nós precisamos de uma pessoa com as suas qualificações. – Disse Félix, tentando ser convincente.
E antes que ele buscasse por mais palavras, Augusto o completou:
—Você me pediu por essa oportunidade. Disse que precisava dela e eu me compadeci com a sua história e te dei essa chance. Acredito que você não vai encontrar nenhuma empresa que pague melhor do que nós. E me parece que você está precisando de dinheiro agora, não é mesmo?
Eles têm razão.
—Tudo bem eu farei, mas com uma condição...Se ele maltratar a minha filha de novo, eu não vou precisar desse emprego.
—Sem problemas! – Disse Félix ajeitando a postura, esticando o braço para os elevadores, deixando com que um breve sorriso aparecesse no canto dos lábios. —Eu cuido dessa princesa enquanto vocês conversam. Não se preocupe!
Assenti e olhei para Charlie, exibindo meu sorriso.
Entramos todos no elevador e assim que as portas metálicas se abriram, saímos e eu me abaixei até ela a acariciando no rosto.
—Querida, por favor, fique quietinha. Eu preciso que se comporte dessa vez.
Assim que falei, Charlie me olhou com um semblante de medo.
—Mamãe, você vai demorar? E o meu sorvete?
—Prometo que não demoro. Assim que saímos, eu te comprarei um bem grande de chocolate, combinado? – Perguntei a vendo assentir com um balanço de cabeça, exibindo seus lindos olhos grandes, brilhantes.
—Tá bom! – Disse ela, segurando a mão de Félix, mostrando ainda um pouco de receio.
Sorri para ela tentando passar um pouco de confiança e segui Augusto até o final do corredor.
Ele me deixou na porta, deu duas batidas e se retirou.
Em seguida, a voz soou com um timbre grave, mas dessa vez, a arrogância parecia ter desaparecido como mágica.
—Entre! – Disse David.
Abri a porta vagarosamente, dando espaço para que eu entrasse.
A sala era idêntica ao humor dele; paredes cinzas, o vidro com a vista aos prédios altos do lado era fumê e o clima tão pesado quando um caminhão de concreto.
—Com licença! – Falei indo até ele o vendo apontar para a cadeira.
—Por favor, sente-se! – Disse ele, sem nenhum esquivo de culpa ou remorso.
E como eu precisava dessa oportunidade e do salário, decidi engolir o que passou e tentar dar o meu melhor naquela entrevista.
—E então...Senhorita...Devo te chamar de Senhora ou senhorita? A final, aqui diz que foi casada e...
—Me chame só de Ellie. Ou de como preferir, senhor! – Falei engolindo o orgulho.
—Certo, Ellie...Suas informações diz que estudou na UW, em Seattle? – Perguntou ele, lendo a última parte mais vagarosamente, vincando uma sobrancelha.
—Algum problema? – Perguntei o vendo se ajeitar na cadeira e respirar forte.
—Sou eu o entrevistador aqui. – Disse ele, tentando controlar seu tom de voz, que soava arrogante até quando ele não queria.
Homem insuportável!
—Vi que esteve em primeiro lugar nas eletivas de cálculos e também no concurso para as licitações de finanças...Por acaso ainda sabe fazer contas?
—Sim, senhor! – Falei tentando manter a paciência.
Eu já sabia que ele não seria delicado e não pegaria leve comigo.
Um breve intervalo de tempo de alguns segundos, que parecia mais denso do que pedra e ele logo continuou...
—Por acaso consegue trabalhar tendo uma filha? Isso não vai prejudicar a sua saúde ou te deixar mais cansada, impedindo que mantenha o ritmo no trabalho?
—Não se preocupe senhor. Farei sempre o meu melhor.
—Tem certeza? – Perguntou ele como se duvidasse da minha capacidade. Era quase uma ofensa, mas o que eu poderia fazer?
Era eu quem estava precisando daquela vaga.
—Eu garanto que não o trarei problema algum, senhor Miller.
—Senhor Miller...- Ele repetiu com sarcasmo, me encarando em seguida. —Tudo bem, te darei uma semana para me provar do que é capaz. Caso passe, seu salário será de 50 mil ao mês, por causa das suas qualificações.
Assim que ele falou, algo em mim se acendeu.
Talvez a felicidade de saber que, com aquele dinheiro eu iria conseguir dar uma vida tranquila para Charlie e recomeçar de cabeça erguida, sem precisar atrapalhar ninguém.
Antes que eu concordasse, David se levantou e caminhou até a porta. Eu me levantei no mesmo instante e o segui.
—Pode começar amanhã mesmo. – Disse ele, me estendendo a mão.
Eu o olhei nos olhos e apertei a mão dele firmemente. Confesso que foi como se meu corpo tivesse sido tomado por uma sensação estranha. – Um Déjà vu.
O perfume, a voz, o calor. – Foi como se meu corpo quisesse me dar algum sinal.
E antes que eu pudesse questionar algo que me fizesse entender o que estava acontecendo ali, a porta se abriu bruscamente e uma voz pegajosa ecoou por todo o lugar.
—Amor, de onde saiu aquela criança toda imunda?