Fernanda Castellane:Entro no quarto do hospital sentindo o coração derreter com a cena diante dos meus olhos. Olívia está sentada na cama, o pequeno Oliver enrolado em uma manta azul-claro nos seus braços, e Mike ao lado dela, com um sorriso tão babão que parece que vai se desmanchar a qualquer momento.— Parabéns, Oli — digo, aproximando-me com cuidado, meu olhar grudado naquele pacotinho minúsculo.Olívia sorri, e é um sorriso tão cheio de amor que faz meus olhos arderem.— Obrigada, Nanda — ela responde, a voz baixa, como se não quisesse acordar o bebê.Sigo o olhar dela, que vai do rosto de Mike para o do filho, e meu peito se aquece. Isso me faz lembrar do nascimento dos gêmeos.De toda a luta da minha cunhada, interromper o tratamento contra um câncer de mama no estágio 3 para ter os bebês foi uma decisão que exige uma coragem imensa. Eu não sei se teria a mesma força, especialmente com o risco tão alto de os bebês não sobreviverem por causa da exposição ao tratamento no início
Mike Silva:Seguro o braço dela com firmeza — não com brutalidade, mas o suficiente para deixar claro que ela não tem escolha — e a arrasto pelo corredor do hospital.Cada passo que damos ecoa como um tambor de guerra nos meus ouvidos, ressoando junto ao baque surdo da minha raiva.Meu peito é um campo minado, cada explosão abafada por anos de silêncio, de mágoa engolida a seco.Ela tenta resistir, puxando o braço, bufando indignada como se fosse a vítima da históriaA mesma velha encenação que eu conheço de cor.— Me solta, moleque! — ela rosna, a voz impregnada daquela velha fúria amarga que sempre me direcionou.— Cala a boca. — sibilo entre os dentes, sem sequer olhar para ela. — Você não vai fazer cena aqui.Não hoje.Não comigo.Chegamos à entrada principal do hospital.Largo o braço dela sem a menor cerimônia, como quem se livra de um peso velho e incômodo.Ela tropeça dois passos para trás, ajeitando a bolsa no ombro com movimentos irritados, o rosto dividido entre raiva e uma
Pietro Castellane:O ar no tribunal está pesado, carregado da eletricidade silenciosa que precede uma tempestade. A promotora, com seu terno impecável e postura afiada, desfia as acusações contra mim com a precisão cirúrgica de quem acredita ter a vitória nas mãos. Cada palavra dela é uma faca, cuidadosamente afiada para o golpe final.Mas meus olhos não estão nela.Eles estão fixos em Adélia, sentada do outro lado da sala, aninhada entre seus advogados como uma rainha em seu conselho de guerra. Seu sorriso é fino, quase imperceptível, mas eu o vejo — aquele brilho de triunfo nos olhos, a postura relaxada de quem já conta os troféus antes da batalha. Ela cruza as pernas, ajusta a pulseira de ouro no pulso e me encara, desafiante. "Você já perdeu", seu olhar diz.E então, a promotora termina.O silêncio que se instala é quebrado pelo som de uma cadeira arrastando-se lentamente contra o piso de mármore. Meu advogado — um homem de cabelos grisalhos, pele marcada pelo tempo e olhos que já
Fernanda Castellane:O silêncio do banheiro é tão denso que parece ter peso próprio — um véu sufocante que amplifica cada batida do meu coração, cada tremor das minhas mãos. O ar está parado, impregnado com o cheiro de limpeza.Sento sobre a tampa do vaso sanitário, o plástico gelado chegando a minha pele, atravessando o tecido fino do meu short. Não me importo. O frio é real, concreto — algo que posso sentir além do turbilhão dentro de mim.Na pia, o teste de gravidez repousa como uma sentença.Dois minutos.Dois minutos desde que o tirei da embalagem, desde que segurei sob o fluxo, desde que o coloquei ali, virado para baixo—covardemente escondido, como se isso pudesse adiar o inevitável.Não olho.Não ainda.Cruzo os dedos, meus pensamentos voam para Pietro. Nesse momento, a audiência já está acontecendo. Queria estar lá com ele, demonstrando o meu apoio, mas achamos melhor eu ficar aqui com Gabriel, que neste exato momento está dormindo no bercinho. Mas me acalma o fato de que meu
Fernanda Castellane:— Não entra aí! — grito, sem pensar, correndo pelo quarto como se minha vida dependesse disso.O grito rasga minha garganta antes que eu possa pensar, um reflexo puro de pânico. Meu corpo se lança em direção ao banheiro como se estivesse disputando uma corrida contra a morte — pés descalços batendo no chão frio, quase escorregando no tapete, mas me mantenho de pé.Pietro está quase dentro do banheiro, com a luz acesa. Meu coração bate ainda mais rápido, ele para, seus olhos fixos em mim, aproveito e bloqueio a porta com o meu corpo.Pietro recua um passo, surpreso, me encarando com as sobrancelhas erguidas. O olhar dele se estreita com uma mistura de confusão e algo mais… desconfiança.— Por que não? — ele pergunta, a voz baixa, controlada, mas carregada de alerta.— Eu... eu… — minha voz falha.Minhas mãos se fecham em punhos tão apertados que as unhas cavam sulcos na palma. O ar queima nos pulmões, uma onda de medo adentrando meu corpo. Meu peito sobe e desce
Fernanda Mendonça:Concentre-se Fernanda. Você já passou por várias simulações na faculdade, respire fundo e ajude! — Pressão arterial subindo! — A voz da enfermeira corta o ar, carregada de tensão.— Precisamos acelerar — a obstetra declara, sua postura rígida transparecendo a gravidade da situação. Ela se volta para o anestesista. — Ela está estabilizada o suficiente?— Podemos começar — o anestesista responde com um breve aceno, embora o nervosismo esteja evidente em sua voz.Meu coração parece pular do peito quando o bisturi na mão da doutora reluz sob a luz fria da sala. O ambiente ao meu redor parece diminuir, cada som ampliado como se estivesse dentro de uma bolha prestes a estourar.Droga! A simulação nunca é como a vida real.A obstetra começa a incisão, suas mãos rápidas e precisas. O sangue surge na pele pálida da paciente, e o som dos instrumentos sendo passados de mão em mão enche a sala, um ritmo quase hipnótico.— Chegando na cavidade uterina — informa a Dra.Sinto o s
Pietro Castellane:— Sei que o momento é delicado para o senhor — minha secretaria começa. — Mas os novos estagiários chegaram ontem, você ainda não se apresentou a...A frase dela é interrompida pelo som agudo do meu celular vibrando em meu bolso.— Um momento, Emile — tiro o aparelho do bolso e vejo o nome da médica da minha esposa na tela. Meu coração acelera. — O que aconteceu? — Atendo imediatamente, minha voz soando mais firme do que me sinto por dentro.O silêncio do outro lado dura uma fração de segundo, mas é longo o suficiente para que meu estômago se contraia em um nó.— Senhor Castellane, o estado da sua esposa piorou. A pressão dela está perigosamente alta. Precisamos fazer o parto de emergência agora. Não há tempo, ou perderemos os dois.O peso das palavras atravessa o meu peito como um soco. A sala ao meu redor desaparece em um turbilhão de vozes abafadas e formas indistintas, como se o mundo tivesse perdido o foco. A única coisa que ouço, clara como um trovão, é o som
Pietro Castellane:Ela está pálida, o rosto marcado por uma expressão que mistura cansaço, nervosismo e algo mais... culpa? Por um instante, fico paralisado pela surpresa de vê-la ali, mas a preocupação com Marina e o bebê rapidamente me tira do transe.— Minha esposa... — meus olhos caem para suas mãos cheias de sangue.Ela respira fundo, os lábios se comprimindo como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. O silêncio dela é ensurdecedor.— Seu filho... — ela começa, a voz baixa e hesitante. — Ele nasceu. Está na UTI neonatal agora. Mas...Meu mundo gira. A palavra "mas" ecoa na minha mente como uma sentença. Minha garganta aperta, e preciso reunir todas as forças para perguntar:— E Marina? Ela está bem?Fernanda desvia o olhar, os olhos brilhando com lágrimas não derramadas. Meu coração para. Cada músculo do meu corpo fica tenso, esperando pelo golpe.— Eu sinto muito, Pietro. Fizemos tudo o que pudemos... — ela diz, e sua voz falha no final.As palavras me atingem como um