Eu nunca acreditei muito no supernatural, cresci aprendendo que a gente deve acreditar naquilo que a gente vê, naquilo que faz sentido e tudo que não tem sentido tem uma explicação logica por trás, mas o que eu estou fazendo no corpo da vilã do meu próprio livro?
Me olho no espelho sem acreditar. Há apenas algumas horas eu havia acabado de escrever o último capítulo da minha história e logo depois o que aconteceu? Acho que comecei a sentir uma leve dor no peito, cansaço, não era isso?
Para terminar a história mais rapidamente, eu estava tomando bastante remédios para ficar acordada… Meu Deus, será que morri e possui o corpo da minha vilã?
Me olho no espelho mais uma vez, ainda sem acreditar que eu agora sou a Beatrice Montrose. Seus cabelos são negros e ondulados que chegam a cintura, seus olhos têm uma tonalidade de verde musgo, um nariz empinado e uma boca carnuda de dar inveja. Seu corpo é escultural. Claro, a criei para ser uma obra de arte, mas uma obra de arte que será morta por conta da sua própria cobiça.
- Eu estou lascada… Muito lascada! - começo a andar de um lado a outro em sua habitação.
Olho para todo o quarto tentando encontrar algo que possa me ajudar e me perco na beleza que é esse cômodo. Parece um santuário de elegância e recato. As cortinas são de veludo claro e pendem em enormes janelas, deixando entrar um leve vento e a luz do luar. A cama da lady Beatrice é enorme, esculpida em madeira nobre e adornada com lençóis de linho branco que caem gentilmente sobre ela. E tem o espelho que passei horas me olhando, enorme e oval de moldura dourada, ouro, provavelmente. Me lembro bem que sua família é cheia da grana. Tudo aqui exala luxuria, o quarto perfeito para uma dama que toda sua vida foi criada para encantar a sociedade.
Eu não estaria tão desesperada para viver nesse lugar, se não fosse o simples fato de que planejei uma morte trágica e dolorosa para a lady Beatrice. E agora eu sou ela.
A porta enorme do seu quarto começa a se abrir.
- Lady Beatrice… Teu pai te convida para se juntar a ele na mesa do jantar. - diz uma empregada pessoal minha.
Olho para ela, seus cabelos castanhos presos em um coque, um ar de indiferença em sua cara, mas que mantém certo respeito, roupas modestas e limpas e nenhum acessório evidente. Claro, ela não é a nobreza aqui. Mas qual é o seu nome?
Penso um pouco e chego a conclusão de que eu nem sequer havia dado nome a ela, e nem uma história.
- Lady Beatrice… a senhorita está bem? Parece aérea… - diz ela parecendo um pouco impaciente.
Caminho até a porta.
- Estou bem… obrigada. - como eu deveria perguntar o nome dela? Seria estranho?
Tecnicamente na história eu cresci com essa empregada pessoal, ela é uns 5 anos mais velha que eu, não posso simplesmente perguntar o nome dela do nada, ou podem achar estranho e eu acabar morrendo mais rápido do que o planejado por acharem que estou endemoniada.
Ela me olha estranho, mas não diz nada. Apenas começa a caminhar e eu vou atrás dela, que logo para.
- A senhorita quer me dizer alguma coisa? - me pergunta meio receosa.
- Não.. Por quê? Eu deveria te perguntar alguma coisa? - vejo ela começar a transpirar de medo.
- N-Não! Mas a senhorita não para de me seguir… - ela se curva - Me perdoe se te ofendi…
Entao ela não vai para o mesmo caminho que eu? Aonde eu devo ir? Não escrevi muito sobre a casa de Lady Beatrice, só que é uma mansão e alguns detalhes e outros sobre seu quarto e o salão principal. Mas quem imaginaria que os meus personagens secundários viveriam suas vidas? Ainda nem acredito que eu estou no corpo de Beatrice, mas já me belisquei várias e várias vezes tentando me acordar desse pesadelo.
- Não me ofendeu… Me pergunto se você poderia me levar até meu pai… Ele anda meio bravo comigo, então talvez se eu chegasse com você… ele não gritaria comigo… - é a desculpa mais esfarrapada que eu já dei.
Ela me olha como se eu estivesse falando loucuras e com razão, eu devo estar parecendo louca mesmo. Suspiro. Tudo que eu sei sobre a Lady Beatrice e sua família é uns 15% de toda a história que criei. E se eu tentar fugir?
- Ele não vai brigar com a senhorita… Vocês tem visitas. - ela me olha mais um pouco e diz - Com licença, agora eu me retiro.
E assim a vejo seguir seu rumo. No momento estou parada no meio de um corredor enorme, então decido seguir para o lado oposto. Me perco uma e outra vez, também paro algumas para admirar o lugar e suas obras de arte e dez minutos depois eu finalmente acho onde as pessoas dessa casa se reúnem para comer. Já irritada por ter pedido ajuda três vezes e as empregadas da casa terem me dado as costas em todas elas. Aparentemente Lady Beatrice não é querida nem pelas suas próprias empregadas.
- Minha filha! Pensei que não virias mais… - disse o Senhor Montrose, agora o meu pai - Sente-se.
Ele aponta para uma cadeira a seu lado, começo a caminhar até ele, mas paro bruscamente quando olho para nossos visitantes. A minha frente está Duque Thomas Ashford e ao seu lado o Conde James Cavenley, cujas mãos de ambos são justamente as que vão tirar a minha vida.