Capitulo 02

Sammy — Um mês depois.

Eu estava sentindo um puta desejo de jogar meu notebook escada a baixo e depois colocar fogo nele. Eu realmente não conseguia entender porque ele precisava dar prego logo em uma sexta à noite. Caramba, eu precisava dele pra fazer um trabalho de química e falar com a Branna. Eu não tinha mais celular, já que quebrei ele em pedacinhos ao jogar várias e várias vezes contra a parede. Foi uma semana atrás e minha mãe estava me irritando de novo com o assunto convento. Minha mãe conseguia me tirar do sério 99% do tempo. Papai dizia que eu tinha que ter paciência com ela, mas era impossível.

Sempre odiei o fato dela tentar controlar cada passo meu. Eu não tinha ideia de quando meu anti-mãe começou, mas isso não me importava. Eu não perdia tempo pensando sobre isso. Tudo o que eu conseguia pensar era que tinha quase um mês que não falava com Marcus e isso estava me enlouquendo. Eu pensava nele o tempo todo. No banho, no café da manhã, na aula e eu sonhava sempre com ele. Sonhava com seu rosto, seus olhos azuis, seus beijos, seu corpo sob o meu, suas mãos pegando em mim e...

Parei de pensar nisso e saí do meu quarto. Parei na porta de Sean que estava trancada e ouvi o som do rock pesado sair por ela. Sean estava tendo mais um de seus “episódios escuros” há uma semana e vivia trancado no quarto sem falar com ninguém além de mim. Bati na porta duas vezes e chamei por ele. Sean abriu a porta alguns minutos depois e entrei em seu quarto escuro. As cortinas estavam todas fechadas e o som ligado no baixo. Sean vestia um moletom verde escuro e tinha o capuz puxado pra cima escondendo seu rosto vermelho de mim. Ele se sentou na cama de costas pra mim e se balançou um pouco esperando eu sair. Ele não gostava de falar muito quando estava assim e eu não insistia. Peguei seu notebook da escrivaninha e lhe beijei delicadamente na cabeça antes de sair.

Fechei minha porta e me deitei na cama quando desliguei as luzes do quarto. Liguei ele e fiz algumas pesquisas sobre o assunto de química, mas meu espírito estudioso raro se foi e eu não conseguia entender nada. Chamei Branna e esperei ela me responder. Minha melhor amiga estava tendo sua vida totalmente virada de ponta à cabeça com a descoberta da gravidez e eu estava pulando de felicidade. Branna merecia ser a pessoa mais feliz do mundo e John era um partidão. Ele a amava tanto e ela a ele. O filho deles seria a criança mais amada do mundo. E seria meu afilhado, ou afilhada, então seria muito mimado.

Branna ainda não havia decidido quem seria o padrinho, mas eu sabia que seria Dylan. Ela amava ele e essa seria uma oportunidade para prendê-lo ainda mais a família que ela estava construindo com John. Branna sentia que precisava de algo para segurar Dylan ou então ele iria sumir. Eu não poderia culpá-la. Gostaria de ter algo para prender Branna a mim para a vida toda e agora eu teria. Um bebê!

Branna me respondeu e começamos a conversar. Ela falou brevemente sobre Marcus. Ele havia ido jantar com eles três vezes e depois nada. Havia perguntado a Dylan sobre ele e ele disse que Marcus passava o dia ou na academia ou na sua oficina. As noites era na boate subterrânea de um cara chamado Peter Evans. Eu sabia que isso significava que ele estava tansando e Branna também sabia, mas não tocamos nesse assunto. 

Branna me contou que havia conhecido seus irmãos mais novos e que os amou logo de cara. Eram crianças lindas e gentis, brincalhões. Ela e Brianne estavam cada vez mais próximas e eu adorei saber disso. Tiago ainda procurava por Belisa, mas tinha poucas pistas com que trabalhar. A vadia da Rachel não disse nada a Joel quando ele lhe perguntou sobre a adoção de Belisa. John havia falado com ela apenas quando foi em seu quarto de hotel para brigar sobre o maldito bilhete que ela havia enviado pra Branna. Eu senti vontade de fazer Rachel engolir uma bola de tênis e depois mijo de vaca, mas ela estava em Chicago fingindo se preocupar com Ciara.

Ciara era outro assunto delicado. A garota era minha fonte se inspiração desde os dez anos e eu a amava. Ela e Elle sempre foram rebeldes, donas de si, lindas e divertidas. Eu havia amado elas por me aceitar como parte da família sem nenhum questionamento. Elas entendiam o que era ter uma mãe maluca. Não gostava de pensar que ela poderia nunca acordar. Isso me dava arrepios. Elle havia voltado pra Manassas já que ela tinha faculdade e da última vez que nos falamos ela estava tendo problema com Josef, futuro ex de Ciara pelo que Elle dizia.

Já que Ciara estava impossibilitada de terminar o relacionamento, Elle tomou para si essa função e o proibiu de ir vê-la em Chicago. Josef não havia ficado feliz com isso e esperou Elle voltar para começar uma guerra silenciosa com ela. Elle dizia que o odiava com todas as suas forças e suas palavras pra ele eram sempre pesadas demais, até pra mim.

Branna disse que estava na hora de dormir já que John estava lhe importunando sobre isso há meia hora. Revirei os olhos, mas sorri feliz por ela ter alguém que cuidasse tão bem dela. O amor deles me deixava esperançosa sobre o mundo e sobre as pessoas. Talvez não esteja tudo realmente perdido, pensei ao fechar o notebook e me deitar na cama para dormir. Assim que fechei meus olhos a imagem de Marcus surgiu e eu suspirei. Boa noite, Mar.

* * *   * * *

— Mamãe, cheguei. — avisei jogando minha bolsa no chão e colocando minhas chaves na mesa de centro.

Tirei meu casaco e comecei a desfazer minhas tranças. Mamãe me disse olá da cozinha e subi pro meu quarto. Estava tirando a saia quando senti a familiar vontade de vomitar. Fui pro banheiro e me agachei no vaso, vomitando todo o meu café da manhã. Suspirei cansada. Eu andava enjoada há mais de duas semanas e ainda não fui ao médico. Tinha quase certeza que o que estava me fazendo mal era a pizza da Melanie, uma mulher  enjoada que havia aberto uma pizzaria recentemente. Mamãe havia insistido para comer a pizza dela, já que as duas eram “amigas”.

Até as amizades da minha mãe me fazem mal, pensei ao vomitar de novo. Sean entrou no banheiro comigo e passou a mão nas minhas costas. Ele continuava no seu episódio escuro, mas estava ali para me ajudar e era algo que me fazia amar ele um pouco mais. Terminei de fazer meu “episodio” e me levantei, Sean saiu e deve ter voltado pro seu quarto. Escovei os dentes e aproveitei pra tomar banho. Depois de me arrumar deitei na cama e dormi por um tempo.

Acordei com os gritos da minha mãe do outro lado do corredor. Me levantei sabendo que os gritos eram dirigidos ao Sean. Abria porta e pulei no corredor. Papai estava ao lado dela, gritando com ela e a mandando parar. Ela batia na porta dele com raiva, o rock pesado havia sido desligado e eu sabia que ele estava escutando tudo com os olhos fechados e a depressão batendo lá em cima.

— Eu estou farta! — minha mãe gritava para o meu pai. — Eu não consigo mais acordar com esse som e ir dormir com esse som. Por quê? Por que ele não pode ser normal? Sei que Deus está me punindo, mas eu não suporto mais. Odeio isso, odei...

— Chega! — gritei me aproximando dela e a tirando do caminho. Fiquei com as costas colada na porta em uma atitude protetora, como se eu conseguisse impedir que suas palavras chegassem até ele. — Será que você não pode ser um pouco mais normal também? Sean está passando por um momento difícil. É seu dever como mãe cuidar dele...

— Estou cansada, Sammy. Cansada!

— Chega, Lauren...

— Não! — mamãe se esquivou do toque do meu pai. — É sua culpa.

Meu pai se afastou um pouco com as palavras dela e eu desejei que ele pudesse ficar surdo por um tempo para não ouvir o que ela tinha a dizer. Minha mãe passou as mãos pelo cebelo e fechou os olhos com força.

— Você me obrigou e ele nasceu... — ela chorou.

Suas palavras me atacaram e os sentidos delas me fizeram arquejar. Obrigou? O quê? Papai parecia que tinha levado um tapa forte no rosto.

— Obriguei? — sua voz saiu incrédula. — Eu nunca obriguei você a nada, Lauren. Nós nos casamos. Sexo é algo que os casados fazem...

— Você me obrigou. — ela repetiu desta vez com os olhos colados nele. — Ao me pedir em casamento, você me obrigou a pecar e Deus não gostou disso... ele nos puniu com filhos defeituosos. — ela chorou.

Meu olhos estavam arregalados sem saber o que falar. Minha mãe estava totalmente fora de si.

— Para! — meu pai gritou com ela e eu me encolhi.

Ele não era de gritar, nunca se estressava, era calmo. Mas estava gritando agora e isso me deixava extremamente assustada. Ele olhava para minha mãe com raiva.

— Estou cansado disso. De você me culpar pelo que aconteceu, por toda vez dizer que foi castigo de Deus. Meus filhos são normais! — ele gritou. — São amados e são boas pessoas. Eu os criei para amar, para lutar e se impor as suas loucuras, e é isso que eles fazem...

— Benjamin! — mamãe gritou e eu me encolhi mais ainda.

Minha respiração estava acelerada e eu queria correr pra me esconder. Eles nunca haviam brigado daquele jeito. Meu pai sempre foi paciente e gentil, ela era a louca. Mas agora estavam os dois gritando um com o outro e eu estava no meio sem saber o que fazer. Meu pai se calou ao ouvir o nome do meu irmão mais velho.

— Benjamin é louco. — ela continuou. — Ele mora em um hospital para doentes mentais por causa do nosso pecado. Meu menino de olhos azuis se foi quando tinha só dez anos. Agora Sean está ficando como ele e não posso fazer nada.

Meu irmão mais velho, Benjamin, não era bipolar como Sean. Ele tinha a Síndrome de Asperger, que era considerado o Autismo mais brando. Por alguma razão que eu não entendia, quando ele tinha dez anos diagnosticaram ele com Esquizofrenia, mas mudaram o diagnóstico há um ano. Porém ele continuava lá, sozinho. Mamãe não queria ele em casa mesmo com os médicos dizendo que era seguro. Era a primeira vez em seis anos que eu ouvia ela dizer o nome dele.

— Ele... — meu pai falou e vi lágrimas descerem por seu rosto. — Ele não é louco. É sensível, tem alguns problemas, mas quem não tem? Você é desiquilibrada e fanática por Cristo, mas não sabe entender o que ele diz. Deus disse: ame o teu próximo. Você não consegue nem amar seus próprios filhos!

— Deus nos castigou. Nosso pecado trouxe vergonha para nossa casa. Nossos filhos são loucos porque eu me casei com você e fizemos juntos o pecado carnal. — minha mãe continou dizendo isso e eu fechei os olhos sentindo as lágrimas brotarem.

Aos poucos a música no quarto de Sean aumentou até ficar insuportável e mamãe gritou brava. Ela saiu correndo e se trancou no quarto. Meu pai e eu ficamos sozinhos no corredor olhando um pro outro. Meu velho parecia tão desolado. Ter dois filhos “defeituosos” e uma bem maluca estava deixando ele mais cansado do que deveria estar. Eu me aproximei dele e o abracei. Meu pai passou os braços por mim e me apertou. Ele chorou nos meus braços e eu também.

— Seus irmãos são presentes de Deus. — ele sussurrou para mim. — Ame-os Samantha, pois acho que poucas pessoas o farão.

— Eu os amo. — disse pra ele. — Eu amo eles, papai e amo o senhor também.

— Amo você, pequena granada.

Fechei os olhos e me apertei mais a ele.

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