O sol mal começava a aparecer no horizonte quando Alicia acordou. O pesadelo da noite anterior ainda a assombrava, as palavras de Kael reverberando em sua mente, como uma melodia sombria que ela não podia tirar da cabeça. Eu vou esperar. Você vai ceder.
Ela se levantou da cama, sentindo o peso de cada movimento, como se as forças de seu próprio corpo estivessem contra ela. O cheiro da terra molhada entrava pela janela, trazendo consigo um leve alívio. Mas isso não foi o suficiente para dissipar o tormento que se instalava em seu peito. A marca dourada no seu ombro parecia pulsar a cada batida de seu coração, e embora tivesse tentado ignorá-la, não podia negar que algo em seu interior começava a responder a isso — como se a marca tivesse vida própria.
Ela desceu as escadas, os pensamentos tumultuados. Não queria aceitar, não queria ceder. Mas algo dentro dela sabia que era uma luta que estava fadada ao fracasso. O destino... o sangue... a matilha...
A casa estava vazia, mas o ar pesado da noite anterior parecia ter deixado sua marca por toda parte. Alicia se permitiu um momento de silêncio, tentando organizar os pensamentos, mas o som da porta sendo aberta a fez saltar. Ela se virou bruscamente.
Kael entrou, sem pedir permissão, como se fosse dono daquele lugar. Ele estava imponente, sua presença engolindo o espaço ao redor. Ele não parecia surpreso por vê-la tão agitada — como se já soubesse exatamente o que estava acontecendo dentro dela.
— Você não vai fugir disso, Alicia. — A voz dele, baixa e cheia de uma autoridade que ela começava a entender, cortou o silêncio da casa.
Ela cruzou os braços, tentando se manter firme diante dele, mas sabia que ele a estava observando de um jeito que tornava difícil qualquer resistência.
— O que você quer de mim, Kael? — Ela forçou sua voz a sair com mais força do que se sentia. — Eu já disse que não sou parte da sua maldita matilha. Não sou como você, não sou como eles.
Ele a observou em silêncio por um momento, os olhos penetrantes como lâminas afiadas. O silêncio se estendeu, mas Alicia não recuou. Não dessa vez. Mesmo que o calor em seu corpo a traísse, mesmo que o desejo de ceder a ele se arrastasse em seu sangue, ela se recusava a ser submissa a esse destino que ele parecia querer impor.
— Não é uma questão de escolha. — Kael finalmente falou, sua voz tão calma quanto a noite. — Não é sobre o que você quer, Alicia. É sobre o que você é.
Ela o encarou, desafiando-o com os olhos, tentando esconder a agitação interna. Ele estava certo em uma coisa — ela não tinha escolha. Mas isso não significava que ela teria que gostar disso.
— Você acha que pode me controlar, Kael? — Ela avançou um passo em direção a ele, o coração acelerado, a raiva crescendo. — Você acha que me intimidando vai fazer com que eu aceite essa... essa marca?
Kael não se moveu, mas o olhar dele foi como uma tempestade prestes a desabar. Ele não a tocou, mas a intensidade de sua presença foi o suficiente para paralisar a respiração de Alicia.
— Não estou tentando te controlar. — Ele disse com um tom quase ameno. — Mas você não pode lutar contra o que está em seu sangue. Contra o que você é. O que eu sou.
O ar ao redor deles parecia vibrar com a tensão, e Alicia sentiu a marca pulsar em seu ombro com uma intensidade que a fazia querer gritar. A atração, o desejo, a necessidade de estar perto dele... Tudo isso começava a se misturar com algo mais profundo, algo que ela não conseguia mais ignorar.
Ela sabia o que ele queria dela. Ele queria que ela se entregasse, que aceitasse o vínculo. Mas algo dentro dela, algo de muito mais forte, se recusava a ser engolido por essa ideia. Ela não queria ser a parceira dele, não queria ser marcada por ele.
Mas o que Kael disse era impossível de negar. Ela não estava apenas resistindo a ele, estava resistindo ao próprio destino. E, de alguma forma, aquilo parecia mais aterrorizante do que qualquer coisa que Kael pudesse fazer.
Ele se aproximou mais, a presença dele agora quase opressiva, e Alicia sentiu o impulso de recuar, mas não o fez. Kael estava perto demais, e, no entanto, ela sabia que, de algum modo, isso também fazia parte do jogo dele. Cada movimento dele parecia calculado para testá-la, para quebrar suas defesas, para fazer com que ela se rendesse.
— Eu não vou deixar você fugir. — Kael murmurou, a voz grave e profunda. — E você vai entender, Alicia. Vai entender que somos mais do que apenas duas pessoas. Somos... algo muito mais antigo, muito mais poderoso.
Alicia sentiu a frustração crescer dentro dela, o desejo de gritar, de se rebelar, de sair correndo pela porta. Mas, no fundo, ela sabia que não poderia fugir. Ele estava certo sobre isso também. Ela tinha visto os sinais — o brilho dourado nos olhos dele, a forma como seus corpos pareciam se atrair magneticamente. O vínculo entre eles não era algo que ela pudesse simplesmente ignorar.
— O que você vai fazer, Kael? — Ela perguntou, a voz quase desmoronando com a exaustão emocional. — Me forçar a aceitar isso?
Kael não respondeu de imediato, mas seus olhos nunca deixaram os dela. Por um momento, Alicia acreditou que ele estivesse medindo suas palavras, avaliando algo mais.
— Eu não vou forçar nada. — Ele disse finalmente, a voz mais suave do que ela esperava. — Mas não vou deixar você escapar de quem você é, Alicia. E você vai entender isso, eventualmente. Não importa o quanto lute contra isso.
Ele a observou por mais um longo momento, os olhos intensos, como se pudesse ver tudo o que ela estava tentando esconder. Depois, sem mais palavras, ele se virou e saiu pela porta, deixando-a sozinha mais uma vez com os pensamentos tumultuados.
Mas desta vez, Alicia não tinha mais certeza de nada.
Ela estava começando a entender que, talvez, Kael tivesse razão em algumas coisas. E isso era o mais aterrorizante de tudo.
Ela não sabia como fugir dessa marca, desse vínculo, desse destino. Mas uma coisa era certa: o jogo entre ela e Kael estava apenas começando.
Alicia não sabia mais se estava correndo ou apenas vagando sem rumo. As sombras da floresta à sua volta pareciam se esticar e se mover com ela, como se estivessem vivas, pulsando ao ritmo de seu coração descompassado. O vento cortava sua pele, trazendo consigo o cheiro da terra molhada e o sussurro de algo distante. Algo que a chamava.Ela havia se afastado da casa, sem um destino claro, mas não conseguiu ignorar o impulso crescente de seguir para o coração da floresta. Havia algo lá. Algo que ela não podia mais evitar. E, apesar de toda a confusão que a consumia, algo em seu interior a guiava, como um fio invisível puxando-a para longe da segurança do familiar e em direção ao desconhecido.A marca dourada em seu ombro ardia com cada passo, e ela apertou a mão sobre o local, tentando aliviar a sensação incômoda. Mas era como se a marca estivesse viva, pulsando com a energia de algo mais antigo, mais poderoso.Ela sabia que Kael estava em algum lugar por perto, sentindo sua presença, m
O amanhecer chegou tímido, com a luz da lua ainda pintando a floresta de um tom prateado, mas já era possível ver o contorno das árvores que se estendiam ao longe, como sentinelas silentes. Alicia estava ali, sozinha no campo, com o peso da noite ainda pressionando sua mente. O lobo, Kael, a floresta… tudo parecia uma dança fora de controle, onde ela era forçada a dar passos que não queria.Ela se afastou da clareira onde havia enfrentado o lobo, suas pernas ainda pesadas pela experiência. A marca no ombro pulsava de forma constante, como um lembrete cruel do que ela não podia ignorar, mesmo que quisesse. Algo dentro dela, talvez o sangue que agora fluía com uma força que não conhecia, gritava para que ela aceitasse. Mas ela se recusava. Não seria uma peça no jogo dele, não seria parte da matilha de Kael Draven.Ainda assim, o silêncio ao seu redor a incomodava. A floresta, que antes parecia cheia de mistério e vida, agora parecia observá-la, esperando por algo que ela ainda não enten
O silêncio pairava pesado sobre a clareira, quebrado apenas pelo som abafado das folhas sob os pés de Kael.Alicia ainda sentia a pele quente, onde a marca dourada agora repousava, quase adormecida, sob o tecido de sua blusa. Ela se afastou dele com um passo hesitante, como se cada centímetro de distância fosse uma pequena vitória sobre o turbilhão que se formava dentro de si.— Isso não significa nada — ela sussurrou, com a voz mais firme do que esperava. — Eu não te conheço. Não conheço esse lugar. Essa marca… não muda quem eu sou.Kael não respondeu de imediato. O olhar dele a atravessava, escuro, intenso. Como se pudesse vê-la além da carne, além da teimosia.— Ainda não. — A voz dele era baixa, mas carregada de uma certeza perigosa. — Mas vai mudar.Alicia cruzou os braços. Era um gesto defensivo, mas também desafiador. Algo nela se recusava a ceder. Mesmo quando tudo gritava para que ela se entregasse.— Me leve de volta. Quero ir embora.Kael a observou por mais um momento ante
Acordar naquela manhã foi como emergir de um sonho que ainda agarrava sua pele. Alicia sentia o corpo dolorido, os músculos tensos, como se tivesse corrido por horas — ou lutado com algo que ainda não compreendia.A marca em seu ombro latejava. Pulsava como um segundo coração.Ela se vestiu com roupas que haviam deixado para ela — calça de tecido grosso, uma blusa justa de mangas compridas e botas reforçadas. Roupas de treino, aparentemente. E quando desceu as escadas da casa, encontrou uma mulher à porta, esperando-a com os braços cruzados e um sorriso enviesado no rosto.— Bom dia, princesa da lua. — A voz era irônica, mas não hostil. — Eu sou Thalia. Beta da matilha. E hoje a gente vai descobrir se você serve pra mais do que carregar uma marca bonita.Alicia arqueou a sobrancelha.— Sempre tão acolhedores por aqui?Thalia soltou uma risada baixa.— Você não faz ideia.A clareira de treino ficava num platô elevado, cercado por árvores grossas e o som constante da floresta viva. Vári
O cheiro de sangue cortava o ar.Alicia corria atrás de Kael, os galhos batendo em seus braços como chicotes, mas ela mal sentia. Seu corpo estava alerta, os sentidos aguçados como se uma parte dela — uma parte antiga, selvagem — tivesse despertado.Eles chegaram à clareira e a cena diante deles fez seu estômago revirar.Três lobos estavam caídos. Dois guerreiros da matilha e um outro… um invasor. O pelo dele era negro como a noite, os olhos vidrados, arregalados em ódio mesmo depois da morte. O símbolo dos renegados estava cravado em seu peito — um X cortando a marca da própria linhagem. Um juramento de exílio. E de vingança.— Renegados? — Alicia murmurou, tentando entender o que estava acontecendo.Kael já estava ajoelhado ao lado de um dos lobos feridos. Seus olhos estreitos, os punhos cerrados. — Eles não atravessavam nossas fronteiras há meses. Isso foi um recado.— Um recado pra quem?Ele se virou para ela. O olhar afiado como lâmina.— Pra você.O silêncio caiu como uma senten
O som dos uivos rasgou a madrugada.Alicia despertou ofegante, os lençóis colados à pele pelo suor. O quarto estava escuro, mas o brilho da lua atravessava as frestas da janela, banhando o chão com um feixe prateado. O mesmo brilho que agora pulsava em sua marca, queimando com uma intensidade que ela nunca havia sentido.Ela se levantou com pressa. Algo estava errado.Do lado de fora, vozes se misturavam aos rosnados. Lobos em alerta. Passos apressados ecoavam pelo vilarejo. Alicia correu, vestindo às pressas a calça e a jaqueta que estavam sobre a cadeira. Assim que abriu a porta, Thalia apareceu à frente, os olhos arregalados.— Eles voltaram. Mais lobos renegados. Vieram em maior número desta vez.— Onde está Kael? — Alicia perguntou, já descendo os degraus.— No limite da floresta. Ele ordenou evacuar os jovens e os idosos. Vamos segurá-los até que todos estejam seguros.Alicia assentiu, mas algo dentro dela se rebelava. Ela não queria apenas fugir. Não queria apenas se esconder.
O calor da lareira não alcançava a tempestade dentro de Alicia.Mesmo envolta em cobertores, com uma xícara fumegante nas mãos, ela não conseguia se aquecer. O corpo ainda pulsava com a lembrança da transformação — da força crua, da fúria em sua carne, do instinto que havia tomado o controle.Ela havia matado.Mas, mais do que isso, havia despertado algo que não compreendia. Algo que não era totalmente lobo… nem humano.— Ainda está tremendo? — Thalia sentou-se ao lado dela, oferecendo um segundo cobertor. — Sua energia está instável. O despertar mexe com tudo — mente, corpo… alma.Alicia balançou a cabeça, os olhos fixos nas chamas.— Eu me vi de fora, sabe? Por um momento. Como se eu não fosse eu.Thalia suspirou. — Isso acontece com os que carregam o sangue da Lua. Seu poder não é comum. Nem deveria estar adormecido por tanto tempo. Quando despertou… veio como uma avalanche.— E minha mãe? — Alicia perguntou, sem rodeios. — Ela também era assim?Thalia hesitou. Olhou em direção à p
O som do impacto ecoou pela clareira.Alicia caiu de joelhos na terra úmida, o peito arfando. As palmas das mãos estavam sujas de barro e pequenas folhas secas grudavam em seu cabelo. O gosto metálico de sangue enchia sua boca. De novo.— Levanta. — A voz de Kael soou firme, cortante.Ela apertou os punhos, tremendo.— Você não está pegando leve — cuspiu, entre os dentes.— Não posso. — Ele deu um passo à frente, o olhar impassível. — Seus inimigos também não vão.Ela o odiava naquele momento. Odiava a calma com que ele falava, a frieza dos olhos, a forma como seus músculos se moviam sob a pele bronzeada, impecável, como se aquilo tudo fosse fácil demais pra ele. Como se ela fosse apenas uma novata quebrada tentando sobreviver.Mas também… parte dela o admirava. E talvez fosse isso que doía mais.Alicia se levantou, os músculos gritando em protesto. O treinamento havia começado ao amanhecer, e o sol já se escondia entre as árvores. Kael não poupava esforços — e ela também não aceitava