CAPÍTULO TRÊS

Indeciso, fechou o livro-caderno-diário e o colocou de volta na prateleira. Continuou a mexer nos livros já tão conhecidos e até já lidos por ele. Mas o pensamento continuava no caderno-livro-diário, pois ele sabia que seu avô jamais esconderia qualquer leitura dele, porém aquele parecia especial e talvez por isso, Ícaro nunca o havia apresentado ao neto.

Transcorrera já mais uma hora enquanto o rapaz folheava os livros, quando realmente apreensivo com a demora do avô, ou talvez movido pela curiosidade, resolveu que iria folhear sim o livro-caderno-diário, ou o que quer que fosse, afinal, bem poderia ser um romance que seu avô estivesse há anos escrevendo. E também, quem mandou ele se atrasar para o compromisso dos dois? Resolveu ligar para a mãe, que àquela hora já estaria de volta do trabalho.

− Alô, mãe?

− Sim, filho, tudo bem por aí?

−Tudo ótimo, exceto que hoje vovô não vai me vencer no xadrez e nem no pôquer! Já peguei as manhas do blefe dele, você se importa que eu durma aqui e vá amanhã cedo para casa? - Se sentiu mal ao mentir para a mãe, mas se sentiria pior se a preocupasse e seu avô chegasse à maior tranquilidade, isso aumentou ainda mais a vontade de ler o tal caderno-livro-diário!

− Está tudo bem com o papai, filho? - Perguntou a mãe com uma pitada de preocupação na voz.

− Está tudo ótimo, pelo menos por enquanto, porque dessa vez, eu o vencerei. Ele está tomando banho.

− Ok, mas seja gentil com ele, por favor. - Deixe-o ganhar pelo menos algumas vezes, afinal, ele faz isso por você às  vezes... Ops

− Ahá! Eu sabia!  Desculpe- me mãe, sem piedade dessa vez.

− Boa noite então, te amo, você sabia?

− Acontece que te amo ao infinito! - Era uma brincadeira que os dois tinham desde que o filho se lembrava.

− Dê um abraço em seu avô por mim, meu anjo.

− Darei, mãe, até amanhã.

Ele se recostou na cama confortavelmente e iniciou a leitura. Não era uma leitura com começo meio e fim, como um livro e nem tampouco um diário; eram mais como algumas anotações esporádicas mesmo, e datavam de mais de quatro décadas. Algumas sublinhadas várias vezes e pelo visto já fora lida e relida inúmeras vezes, como a se lembrar do que precisava ser lembrado.

Em uma página aleatória, datava o casamento de sua mãe e seu pai, e entre parênteses estava escrito que sua mãe não esperava um bebê ao se casar. Siro achou estranho.  O que havia de importante nisso?

Passando mais adiante, havia notícias de que haviam se passado dois anos e que sua mãe esperava um bebê e que todos estavam felizes e ansiosos. Havia até ali colado àquela página, uma foto em sépia, daquelas tiradas por fotógrafos quando se está jantando fora. A barriga de sua mãe ainda não estava visível mostrando uma gravidez adiantada, pelo jeito havia sido tirada logo após a descoberta da gravidez e talvez fosse uma comemoração.

Seu pai , Gerars, abraçava a esposa de um lado, o avô do outro lado encostado em sua avó; porém era visível que seu avô era o mais feliz dos quatro, e o único a apoiar a mão na barriga ainda inexistente da filha.

Siro nunca soube dessa foto, e calculava que seus pais também não se lembrassem, pois nunca haviam comentado. Haviam sim, comentado quão felizes seus avós ficaram com o primeiro neto, em especial seu avô, que sempre os levava para comemorar, e que na primeira semana da gestação da filha, já começou a preparar o berço e praticamente se mudou para a casa da filha e do genro para organizar o quarto do bebê. Sempre comentaram que quando soube que seria menino o bebê, seu avô agiu muito estranho. Ele se ajoelhara á frente da filha e abraçou sua barriga. Todos ficaram perplexos com tal demonstração de alegria; ele ficara ali abraçado á barriga da filha por alguns segundos e depois seus ombros chacoalhavam num choro sem fala.  Apenas se chacoalhava. Feliz e agradecido, sem conseguir se controlar. Depois se recompôs e tentando controlar a euforia, disse que iriam todos jantar fora para comemorar.

Áurea, sua esposa até comentara que nem com a chegada de Maggie, Ícaro demonstrara tamanha felicidade. Hanna também fizera a alegria do avô três anos depois, mas tampouco deixara seu avô tão exageradamente feliz. Maggie tivera uma infância maravilhosa com os pais, nunca tivera reclamações ou falta de atenção do pai. Sua mãe gostaria de ter tido mais filhos, mas não foi possível e naquela época, não se tinha uma medicina avançada para saber qual o problema de não terem mais filhos; Ficaram felizes com a única filha.

O nascimento de Hanna, foi uma alegria também. Gerars e Maggie tinham agora um casal de filhos, e a neta nunca se sentiu menos amada pelo avô, nem sentia que o irmão fosse o preferido do avô. Crescera cercada de amigas, bonecas, vestidos e frufrus no cabelo. Amava o avô, mas não participava tanto quanto o irmão de brincadeiras como jogar bola ou pescar. Mas por escolha própria. O avô sempre gostava de incluí-la nas aventuras dos dois.

Folheando continuadamente, ele agora foi para folhas anteriores, também aleatoriamente. Não chegou ao casamento de seu avô, mas imaginou que chegaria. Novamente ele percebia que não se tratava de um diário, mas anotações. Chegou à parte em que Maggie nasceu e a alegria em que ambos ficaram. Também havia diversas fotos de sua filha única, a mãe de Siro, sem dúvida, porém não se comparava a alegria que ele sentiu com a chegada do neto.

Via nas páginas agora anotadas, o nascimento de Hanna.  Ali havia alegria estampada em cada letra, a letra tão conhecida já por ele, à caligrafia meticulosa e cursiva de seu avô. Ele tinha orgulho de ter feito o curso de caligrafia e datilografia, e era conhecida pelo neto, a letra do avô, como se fosse mesmo a sua própria letra.

Ali havia alegria da princesinha Hanna, que era como o avô a chamava. Havia fotos dela. Inúmeras. Apesar de odiar posar para fotos, Hanna era fotogênica. Havia uma foto dela de janelinha, faltando dois dentes da frente, emburrada como sempre. Mas não havia como discutir que a plena alegria não era a mesma de quando Siro nascera . Isso o encabulou. Ele percebia no olhar a adoração do avô por ele, mesmo nas fotos, e só agora percebia que sim, ele sempre fora o mais querido pelo avô, mesmo que subconscientemente.

Mas o que lhe subiu um gelo pela espinha, e ele não conseguia bem explicar o porquê, era a página que ele estava agora que dizia:

Áurea hoje se foi, estou despedaçado. Sei que fiz minha parte, e creio que fiz bem!  Procurei ser um bom pai, bom marido, avô e fiz o prometido.  Fiquei ao seu lado enquanto pude. Fiz de tudo para nunca a magoar e nunca me arrependi. Eu a amei de verdade. Posso agora ficar do outro lado, caso eu queira e Sanvay me aceite;   Não preciso ficar indo e voltando mais. Claro que tenho minha filha que amo, meu genro que pra mim é como um filho e sempre cuidou e cuidará dela e de Hanna. Superarão quando eu resolver ficar do outro lado. Tenho ainda que falar com Siro, mas o conheço melhor que ele mesmo, e entenderá que como eu, também pode fazer as passagens. Sei com certeza desde que o vi pela primeira vez, que ele fará o que também fiz. Eu o esperei por anos, espero e acredito que ele já esteja pronto para ...

− O que você está fazendo?! - Vociferou seu avô, assustando tanto o neto que esse derrubou o livro-diário-apontamentos, jogando o para o alto, tão absorvido estava na leitura. Mas não lhe passou despercebido, que o avô saíra do banheiro ... Mas ...

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