CAPÍTULO DOIS

                                                QUINZE ANOS ATRÁS

Ele tinha um ótimo relacionamento com seus pais, seu avô e sua irmã. Ultimamente nem era preciso que o lembrassem de visitar seu avô. Chegava da faculdade e já corria para lá. Pescavam e se divertiam muito juntos; Seu avô o estava ensinando a jogar pôquer e xadrez.

Em um sábado, Siro havia combinado com o avô uma partida de xadrez e lá chegando, não o encontrou.

Para não preocupar os pais, e a mãe, que com certeza chamaria a polícia, ficou por ali sozinho a espera que logo ele retornasse.

A casa de seu avô era aconchegante, de dois andares apesar de que o avô já não mais subia para o segundo andar, preferindo mudar seu quarto para o térreo desde a perda de sua esposa.

Ícaro, apesar da idade e da artrose, não era um avô típico. Não aquele idoso lento e reclamão a queixar se de dores e agruras da idade. Isso unia os dois, avô e neto, mais agora que se tornara viúvo. Ícaro se casou aos 29 dois anos e teve um casamento feliz e uma filha da qual se orgulhara muito.

 Perambulou pela casa vendo fotos penduradas e no aparador. Havia tantas e de tantas épocas. Sua avó mais nova, magrinha, com vestidos de épocas passadas. Algumas fotos de sua avó grávida com a barriga distendida, outras de sua mãe bebê,  rechonchuda e com chupeta na boca.

As fotos se sucediam e o rapaz reparou que tinha um sorriso nos lábios ao notar que em todas as fotos, seus avós sorriam para câmera ou indiferentes á ela. Na maioria gargalhavam. Não havia uma foto em que eles não sorriam.

Foi acometido de uma nostalgia a lembrar-se  de sua avó, sua risada gostosa, o cheiro de sua comida, os fins de ano que passavam todos juntos na mesa enorme de sua avó.  Dos tapas de mentira que ela lhe dava quando ele pensando que ela não estava olhando, beliscava algum quitute, mas sempre o deixava lamber a colher ou as panelas do preparo das delícias que ela lhes preparava, lhe dando uma piscadela.

Ele percebeu que já passava quase uma hora a olhar fotos e vagar pelos cômodos enquanto esperava o avô, não ficou preocupado, apesar de o avô nunca se esquecer do combinado e estar sempre ansioso á sua espera.

Naquela época, Siro com apenas 20 anos, foi transportado no tempo. Subiu para o segundo andar e nas escadas também se sucediam diversas fotos na parede que levava ao primeiro andar. Sua irmã, bochechuda sendo empurrada pela avó no balanço que agora estava enferrujado no quintal. O rapaz pensou que seu avô era um homem forte por conviver em meio áquelas lembranças.

Havia um quarto, que precedia ao que os avós dormiam, e lá ele viu a máquina de costura, ainda de pedal que sua avó gostava de manejar á moda antiga; lembrou-se de que há alguns anos, ela fizera uma roupa de papai Noel para seu marido se passar pelo velhinho natalino e que seu pai insistira em colocá-la também, para a alegria de todos. A roupa ficara tão tradicional em seu avô, apesar de ele não ter a comum barriga do personagem real, mas em seu pai, ficara absurdamente cômica. Seus ho ho hos não enganaram ninguém, pois sua empolgação fora exagerada; além da mudança repentina de troca de personagem.

Ao entrar no quarto do avô, ele ficou meio sem entender… As janelas estavam abertas e só agora ele havia percebido que o rádio estava tocando, coisa incomum ao seu avô; sair e deixar algo ligado. O rapaz só agora notava também, que não havia precisado esperar o avô abrir a porta quando ele chegou. Pois estava só encostada e ele nem usara sua chave para entrar, outro fato incomum.

Por mais estranho que isso lhe parecesse, ele não se abalou ou ficou preocupado.

Continuou sua exploração pelo quarto, a cama que antes seu avô partilhava com sua avó não era antiga ou da época de seu casamento, visto que seu avô adorava mexer com madeiras, estava sempre a fabricar novos móveis, e a cama fora fabricada por ele há alguns anos.

Ele usava também o banheiro de baixo, mas ao adentrar esse cômodo, notou que estava quente e úmido, como se alguém houvesse tomado banho ali há pouco tempo. Ainda havia água respingada no box e o espelho estava embaçado.

Resolveu esperar o avô ali em cima, deitou-se na cama e ligou a tv para passar o tempo prometendo-se que hoje jogaria para valer e não deixaria o avô o deixasse ganhar como ele sabia que ele o sempre fazia acreditar. Ele sempre soube que o avô fingia indignação quando perdia uma partida para o neto.

Siro adormeceu por mais de 1 hora, e já era começo da noite quando despertou e desligou a TV. Ainda não estava preocupado, pelo menos não a ponto de ligar para seus pais.

Pensou sim, em dar uma bronca no avô assim que esse chegasse. Pois achou inaceitável que o houvesse esquecido e à seus planos. Resolveu se entreter mexendo nos livros do avô, coisa que fazia desde a infância motivado pelo avô e pela avó, que diziam que ler, era a maneira mais barata de se viajar.Se lembrava de que em quase todas as datas especiais, era presenteado por ambos os avós pelos mais diversos livros e se deleitava com os presentes.

Em uma prateleira, estilo biblioteca, ele foi passando o dedo indicador pelas lombadas dos livros e lendo em voz baixa as pérolas de leituras de seu avô; observando o quão eclético ele era com a leitura. Ali havia desde fantasia, ficção, até romances e terror. Siro já conhecia o pequeno acervo do avô, mas desde o falecimento da avó, pouco havia subido ao primeiro andar.

Ficou surpreso com um livro de capa dura, cor esverdeada que lhe pareceu novo; não na aparência, pois parecia bastante manuseado, mas para o rapaz, aquele era um livro até então desconhecido.

Seu avô adorava coleções, mas sempre dividia com o neto seus achados. Levou o livro até a escrivaninha do avô que ficava próxima a cama mais próxima ao abajur. Acendeu-o e abriu o livro.

Percebeu que não era de fato um livro, mas parecia na verdade um caderno de apontamentos de capa dura. Ao abrir a primeira página, percebeu que era a letra de seu avô e por um momento se sentiu mal por estar invadindo a privacidade do avô, pois parecia ser um diário.

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