Durante cinco anos, meu companheiro predestinado, o Alfa Kaelen, e eu passamos por noventa e oito cerimônias de marcação. E, em todas elas, seus dentes paravam a um fio da minha pele. Tudo porque a Ômega que ele dizia ser “como uma irmã” sempre conseguia desmaiar no momento exato. Na nonagésima nona cerimônia, essa mesma Ômega se “feriu” mais uma vez. — Eu juro que, da próxima vez, vou completar a marcação. — Disse Kaelen, enquanto carregava a outra loba nos braços, sem lançar sequer um olhar para trás. Queimei o vestido de Luna que havia usado noventa e nove vezes e vesti novamente o traje real da Princesa do Reino da Sombra da Lua. Então rompi o vínculo de companheiros e fui embora sem me virar. Só quando a dor ardente o atingiu, e ele chorou pedindo que eu voltasse, o Xamã disse friamente: — Ela é uma princesa de verdade! E você nunca foi digno dela.
Leer másPonto de Vista de Lyra— Recuem, todos! — Empunhei minha espada de prata, com o poder da Deusa da Lua fluindo por ela como uma luz sagrada.Os lobos sombrios rugiram, avançando contra nós, com os olhos ardendo com o fogo maligno do abismo.— Lyra, cuidado! — Kaelen conseguiu se soltar dos guardas e saltou na minha frente.Balancei minha espada contra o lobo sombrio mais próximo, a luz prateada o purificando instantaneamente. Mas mais lobos emergiam da névoa negra; eram muitos.A batalha se tornava cada vez mais feroz.Por melhores que fossem minhas habilidades com a espada, eu começava a fraquejar diante da maré infinita da legião sombria.Suor e sangue escorriam juntos até o chão, e meus movimentos se tornavam mais lentos.— Hahaha! — Seraphina estava de pé sobre as costas de um lobo sombrio Alfa, rindo como uma louca. — Sinta o desespero, Princesa da Sombra da Lua! Hoje será o dia da sua morte!Os lobos sombrios se aproximavam, e então um enorme saltou na direção das minhas
Ponto de Vista de Lyra— A princesa é magnífica!O som do berrante de caça ecoou pela floresta quando puxei novamente meu arco de prata. A flecha cortou o ar e atingiu com precisão um cervo prateado em disparada.Era minha décima caça do dia — Muito à frente de qualquer outro guerreiro na competição.Levantei o braço com orgulho, fazendo sinal para que minha guarda recolhesse o animal. Mas, no instante seguinte, gritos e empurrões atrás de mim chamaram minha atenção.— Larguem-me, seus desgraçados!Aquela voz... Seraphina?! Ela tinha me seguido até aqui? Inacreditável. Uma sombra que insiste em não desaparecer.Um grito repentino cortou a confusão. Virei-me a tempo de ver vários guardas arrastando dois intrusos em nossa direção.Eram Kaelen e Seraphina.— Alteza! — O capitão da guarda correu até mim. — Encontramos esses dois no Jardim Leste!Olhei para eles sendo forçados a se ajoelhar diante de mim.Kaelen estava com cortes no rosto, provavelmente de quando escalou os muros
Ponto de Vista de Kaelen— Saíam da frente! Eu não vou embora!Empurrei os guardas da fronteira que tentavam me impedir e me ajoelhei diante dos portões imponentes da Cidade da Lua Sombra.— Alfa! — O capitão da guarda apontou a lança contra mim. — Sua Alteza deu ordens claras. Você deve sair imediatamente!Ao ouvir isso, meu coração despencou. Eu estava ali. Tão perto dela.E ela nem sequer aceitava me ver?Quando o desespero ameaçava me consumir por completo, lembrei do colar de presa de lobo que eu havia preparado.Ela tinha pedido um tantas vezes... E eu nunca o dei.Sempre que ela mencionava, eu fugia do assunto, desprezava, dizia que não era importante.Agora, talvez esse colar pudesse trazer à tona alguma lembrança.— Eu preciso vê-la. — Levantei o colar com as duas mãos, como uma oferenda. — Isso mostra o quanto estou falando sério. Por favor... diga a ela que daria tudo o que tenho para implorar seu perdão.Engoli todo o meu orgulho de Alfa e me ajoelhei, de frente
Ponto de Vista de Lyra— Minha filha... — A voz do meu pai tremia, enquanto sua mão envelhecida tocava com cuidado as cicatrizes no meu pescoço.Marcas deixadas por cinco anos de sofrimento. Noventa e nove cerimônias de marcação fracassadas. Não apenas na pele, mas gravadas na alma.— Pai. — Ajoelhei-me diante do trono, minha voz assustadoramente serena. — Eu voltei.— Cinco anos! — Rugiu ele, tomado pela fúria. — Minha filha passou cinco anos sendo humilhada naquela tribo selvagem! Vou riscar Blackrock do mapa!— Não há necessidade. — Levantei-me, com os cabelos prateados reluzindo sob o luar. — Já terminou.Mas o elo espiritual que eu havia rompido com as artes secretas da minha linhagem só duraria sete dias. E já era o sexto.Naquela noite, ajoelhei-me na parte mais profunda do templo da Deusa da Lua.— Grande Deusa da Lua, eu te suplico... Corte de vez este vínculo destinado.A luz da lua brilhou intensamente, e uma voz majestosa ecoou:— Um vínculo destinado não pode ser
Ponto de Vista de KaelenUma dor lancinante me atingiu, como se estivessem arrancando minha alma do corpo.— Lyra! — Rugi, caindo de joelhos, cravei as garras no peito. Naquele instante, o elo mental com minha companheira de alma se tornou fraco... quase inexistente.— Alfa, o que está acontecendo?! — O guarda à porta ouviu meu grito de agonia e correu para dentro.— Lyra! Onde ela está?! — Agarrei o colarinho do guarda, minha voz crua, rouca.— A-Alfa... — Ele gaguejou — Ela... Ela deixou a Tribo Blackrock.Deixou?Usei toda a minha força de Alfa para afastar o pânico que o enfraquecimento do elo provocava. Depois, soltei o guarda e dei uma risada seca.— Só está fazendo mais um drama. Eu já pedi desculpas a ela no banquete de ontem! É mimada, só isso. Vai esfriar a cabeça e voltar em alguns dias.O guarda hesitou.— Mas, Alfa... Ela levou todas as coisas dela...— Cale a boca! — Rugi. — Ela é só uma Ômega teimosa. Vai pra onde, hein?!Passos soaram do lado de fora da port
Olhei nos olhos dele e vi a confiança que ele carregava.Ele estava certo de si. Convencido de que eu estava apenas sendo emocional, certo de que eu não teria coragem de deixá-lo de verdade, seguro de que um simples jantar bastaria para me fazer mudar de ideia.Era assim que ele me enxergava depois de cinco anos juntos:Uma garota fácil de acalmar, alguém sem firmeza, sem voz própria.— Tudo bem. — Concordei, para surpresa de todos. — Hoje à noite, no Restaurante do Desfiladeiro dos Sussurros do Vento.Kaelen assentiu, satisfeito, com um lampejo de triunfo nos olhos.— Vou pessoalmente providenciar a melhor mesa e os melhores pratos.Virei-me e saí sem dizer mais nada.Atrás de mim, ouvi nitidamente Kaelen dizer aos anciãos:— Não se preocupem, ela só precisa de um pouco de atenção e segurança. Mulheres, vocês sabem como elas são.As risadinhas abafadas dos anciãos ecoaram em meus ouvidos.O que eles não sabiam era que tudo já estava arranjado. Aquela noite seria meu adeus d
Último capítulo