Vitória,
Me levanto da cama sobre o barulho da sirene que me perturba todos os dias as 7:00 da manhã. Todas as meninas se levantam apressadas para serem uma das primeiras a tomar banho, pois a água só fica quente por uma hora. As últimas sempre tem que tomar banho frio. Mas, depois de 6 anos e meio dentro desse reformatório, já me acostumei com a água gelada, já não me incomoda mais. O que me incomoda é ser acordadas todos os dias cedo. Enquanto elas correm, eu fico sentada na cama esperando meu corpo acordar, pois até agora, só o meu corpo que despertou. Quando eu vejo a fila ficando menor, com uma menina só esperando para tomar banho, me levanto pego as minhas coisas e fico atrás dela. — Eu gosto do banho frio no verão, só não gosto quando está no inferno. — Reviro os olhos para suas palavras, e fico de lado, mostrando que eu não tenho a minha intenção de conversar. — Podemos ser amigas? — Ah, claro... — Sério? — Ela pergunta animada. — Que não! — Me afasto dela e volto a me sentar na minha cama, vou esperar ela entrar e só depois volto pra fila. Já aprendi a lição dentro desse reformatório, aqui, ninguém é santo, todas são bandidas, umas mataram, outras roubaram e outras se envolveram com coisas ilícitas, tipo vendendo drogas. E todas são falsas, cai na armadilha de ser amiga de umas e tomei no rabo. Hoje, nem bom dia eu dou, para nenhuma delas. Depois que ela entra, espero ainda alguns minutos para me levantar, e nessa hora a diretora, que chamamos ela de dama de ferro, porque sempre nos disciplina com uma barra, entra e fica na minha frente. — Hoje está chegando um novo psicólogo, e a primeira que vai consultar com ele é você. Se fizer o que fez com os outros, eu vou te disciplinar e te colocar no cativeiro. — Todas temos medo do cativeiro, pois não é só um lugar onde ficamos isoladas, ali é um verdadeiro inferno. — Você já ficou lá por dois dias, vou deixar por uma semana para ver se você aprende, estamos entendidas? — Sim, senhora, prometo me comportar com o novo doutor de delinquentes. — Ótimo, você tem vinte minutos para tomar banho, tomar café e se encontrar com ele na sala da psicologia. — Ela vira as costas para sair, e eu levanto a mão e dou o dedo para ela. Para minha sorte, ela não olha para trás. Depois do meu banho, e de comer rápido para não ficar com fome até a hora do almoço, uma das guardinhas me conduz até a psicologia. Me sento na cadeira, e ela prende a minha mão na mesa com a algema. Ele ainda não chegou aqui, não sei porque me apressaram tanto para comer logo. Mas, quando eu penso em pedir para a guarda me levar de volta, ele abre a porta e entra. O cara tem um jeito de ser um deus. Seus cabelos pretos bagunçados para cima, um corpo atlético sendo todo ereto, e uma altura que parece que vai tocar no teto da sala. — Bom dia, pode soltar ela. — Sua voz grossa me deixou de boca aberta, o cara é a perfeição em forma de gente. Coisa assim, eu só tinha visto em novelas e filmes. — Não acho que seja uma boa ideia, doutor, Vitória tem um... — Nessa sala eu mando e escolho o que deve ser feito. Solte a detenta, é uma ordem. — Ainda por cima é autoritário. Levanto a minha mão e olho para a guarda, que ainda pondera em fazer o que o doutor mandou. Mas, sem escolhas, ela retira a algema da minha mão, e eu esfrego meu pulso. — Nos deixe a sós. — Não posso sair da sala... — Eu vou ter que repetir? — Ela bufa, revira os olhos, e sai da sala, me dando um olhar de alerta para que eu fique quieta. Gostei desse doutor, é diferente dos outros. — Vamos começar. Me diz porque está aqui. — Porque matei o meu pai. — Disso eu sei, eu li a sua filha criminal, mas eu quero saber o porquê você o matou? — Porque ele era um filho da putä, isso é tudo que você precisa saber. — Não, eu quero mais. Como eu disse, isso já tem na sua ficha. Quero saber desde quando você começou a pensar que poderia matar ele. Pois eu sei que você não pensou e já colocou em ação. Isso, fica para os profissionais, para iniciantes, sempre tem uma construção antes do ato. O que te incentivou a mata-lo? Abaixo a minha cabeça, e fico brincando com os meus dedos sem responde-lo. Não contei nada para os policiais que me prenderam, não contei pro juiz, nem mesmo para a dama de ferro. Vejo esse cara a primeira vez, e ele acha que eu vou contar para ele? — Ele estrupou você? — Nego com a cabeça. — Te batia, te humilhava? O que ele fazia para você criar ódio por ele. Olho para o lado e solto um suspiro longo mas não respondo. — Podemos ficar aqui o dia todo, Vitória. Eu recebo por hora, então, imagina o quanto você vai me fazer faturar? — Não quero falar nada, mas podemos fazer outra coisa? — Me levanto da mesa e vou caminhando até ele, seus olhos não desgrudam dos meus, então, me sento em seu colo com as pernas abertas, mas ele não se mexe, não é como os outros que me desejava quando eu fazia isso. Ele olha para baixo, pega na minha mão e vira, olhando o meu braço. — Tentativa de suicídio ou apenas uma forma de causar dor em você mesmo para aliviar a culpa? — Puxo o meu braço e me levanto do seu colo. — Aposto que também tem nas coxas, ou estou errado? Fico sem palavras olhando para ele, que tipo de psicólogo esse homem é? Ele se levanta também, e eu sou obrigada a levantar a minha cabeça, correndo o risco de ter um torcicolo, pois o homem é quase um gigante. — Agora que fez essa cena, pode volta para sua cadeira, e me responder o que te perguntei?