Eu estava novamente praticamente nua, como da primeira vez. O ar condicionado gelado do salão me arrepiava a pele, mas agora não era só o frio que me incomodava. O medo e a incerteza pesavam muito mais.
Que burrice, Isabele . Que burrice. Me meter de novo nessa loucura por causa de uma esperança idiota. Quem disse que ele sequer se lembraria de mim? Uma vontade quase incontrolável de chorar tomou conta de mim, de sair correndo dali, me esconder de todos aqueles olhares famintos que me percorriam como lâminas afiadas. E se fosse comprada por algum tarado, alguém que me machucasse e destruísse de vez qualquer fé que ainda restava em mim? Não havia nada de puro ou limpo naquele lugar, e eu sabia muito bem disso. Respirei fundo e obriguei a mim mesma a procurar por ele. E encontrei. O olhar dele me atingiu como um choque. Mesmo atrás da máscara, percebi sua surpresa. Não porque eu estivesse ali outra vez, mas porque dessa vez eu não desviava os olhos para o chão. Não fingia estar em outro lugar. Eu o encarava diretamente, como se todo o salão tivesse desaparecido. Era atrevimento, eu sabia. Mas não consegui parar. Olhei em seus olhos castanhos e, em silêncio, roguei para que ele me entendesse. Para que enxergasse o meu pedido silencioso, desesperado: me escolha outra vez. Ele não se mexeu. Apenas retribuiu o olhar, imóvel. Mordi os lábios para não ceder à tentação de articular as palavras “por favor, me compre”. Só com os lábios, sem voz, mas de forma clara o bastante para que entendesse. Ele precisava entender. As ofertas subiam, os números eram gritados, mas para mim tudo parecia distante, irrelevante. Eu não ouvia mais nada, só esperava por um gesto dele. E nada. Ele não levantava a mão. Não entrava no jogo. Meu coração batia tão alto que abafava a voz do leiloeiro. Quando o martelo desceu pela segunda vez e a quantia foi repetida, um pânico me tomou. Eu estava prestes a ser vendida para outro. Estava pronta para abrir mão de todo o dinheiro, de qualquer coisa, só para que ele reagisse. Só para que não me deixasse escapar. Na terceira chamada, antes que o martelo decretasse meu destino, ele se moveu. O homem que até então parecia indiferente ergueu a mão, quase com desdém. Mas ergueu. E, como se meu peito se abrisse, um alívio imenso me invadiu. Ainda não estava tudo perdido. Ele tinha entrado na disputa. O leiloeiro pareceu satisfeito, a plateia também. Mas minha atenção estava só nele. Até que, para meu desespero, outro homem resolveu entrar na briga. Um novo competidor. Agora eram apenas dois: o desconhecido que eu tanto queria e esse intruso. O terceiro desistiu rápido, talvez por falta de dinheiro, talvez por já saber que o outro levaria a qualquer custo. Eu não desviava os olhos. Seguia encarando o meu comprador misterioso, rezando para que não cedesse. Não agora. E ele não cedeu. Até que o martelo desceu de vez e o leiloeiro anunciou, com aquela palavra mágica que eu tanto esperava: — Vendida. O valor não importava. O que importava era que, em poucos minutos, eu estaria novamente perto dele. Talvez, dessa vez, tivesse a chance de descobrir algo a mais. Um nome, pelo menos. Quem sabe até um sobrenome. Saí do palco por conta própria, impulsionada apenas pelo desejo de finalmente estar naquele quarto com ele. Parei por um segundo nos bastidores, só para esperar a pessoa que me acompanharia até o aposento. — Pode me acompanhar — ouvi uma voz suave e educada atrás de mim — e logo a pessoa apareceu. Na verdade, era uma moça. Simpática, com um jeito demonstra confiança. — A senhora por acaso sabe como se chama o homem que acabou de me comprar? Pergunta idiota, até eu mesma percebi isso, e o riso fácil da menina só confirmou. — Por sorte, não nos contam nomes nem dos compradores nem das garotas — respondeu ela. — Imagina só se metade das garotas começassem a pedir dados do comprador? Além do mais, o público ali não é qualquer um. Eles não querem dor de cabeça. — Entendo — respondi, deixando de lado o que de fato pensava. *** Ele não demorou. Seu corpo surgiu quase sem som, percebi pela leve movimentação do ar e, quando me virei, dei de cara com o seu olhar apressado. Fiquei desconcertada, sem saber por que. — Ouvi dizer que você andou perguntando por mim — disse ele, com aquela voz que me abalava. — Fala então. — Não estamos aqui para conversar, certo? — respondi, insegura. O que eu poderia dizer? Que me apaixonei por um estranho? Que arrisquei voltar ao leilão só para tentar reencontrá-lo, mesmo sabendo que poderia acabar nas mãos de um tarado que deixaria marcas no corpo e na alma? — Não me venha com histórias — cortou ele, duro. — Você não foi ali perguntar só por curiosidade. Tentou descobrir meu nome, no mínimo. — Eu só queria saber como se chama o homem que foi meu primeiro — disse, encaixando a verdade do jeito mais simples possível. — Não te obrigam a assinar papéis especiais? — retrucou. Assenti. — Sempre assino. Quase sempre obedeço às regras. Até hoje. — E qual é o problema então? — continuou o interrogatório, mesmo sabendo que aquele não era exatamente o lugar para perguntas assim. Ele não gastaria aquela quantidade de dinheiro só para conversar. — Não trabalha para a concorrência, por acaso? — Tenho vinte anos. — respondi, por fim, perdendo um pouco a compostura. — Pra quem eu trabalharia? Eu não sei nem quem você é, onde mora, com o que trabalha… Então, podemos começar? Ele se aproximou lentamente. A voz, antes sedosa, ganhou contornos mais frios, perigosos. — Posso passar horas me divertindo com você — disse, como se testasse limites — até dias inteiros, se eu quisesse. Mas me permita perguntar: por que você fez aquilo na sala? Aquela sua cara implorante. Fui pega. Então ele percebeu tudo lá, durante o leilão. Significava que me provocara de propósito, deixando-me acreditar em coisas que não deveriam existir. Continuei calada. Tinha a sensação de que ele já sabia a resposta antes mesmo de perguntar e, de fato, não esperava uma explicação. — Deixa que eu te conte como foi — ele prosseguiu, aproximando-se ainda mais, e a voz se tornou dura, ameaçadora. — Você viu um homem que pagou caro por sexo com você, talvez até se apegou, e resolveu voltar. Não sei dizer se foi por desejo de novo ou por ganância, mas fato é, você veio por minha causa. E agora eu te explico como vai terminar: hoje eu vou usar o que comprei, vou satisfazer o que me trouxe até aqui, e depois você vai me esquecer. Vai pegar seu dinheiro e sumir. E se por acaso eu te encontrar outra vez, vou fingir não te conhecer. Entendeu? A cada palavra dita, ele se aproximava mais, e a sua voz ia ficando mais baixa, mais grave, até que finalmente estava a poucos centímetros de mim. Mas, em vez de sentir medo daquele tom duro e quase ameaçador, algo dentro de mim só aumentava o desejo de senti-lo mais perto. — Você me entendeu? — repetiu, firme. Eu apenas assenti. Era tudo o que consegui fazer. — Espero que sim — murmurou. — Porque eu realmente não gostaria de tomar medidas extremas e estragar a sua vida. Por incrível que pareça, naquele momento eu estava disposta a ouvir qualquer coisa da boca dele, desde palavras doces até as mais cruéis ameaças. Mas ele não se mexeu. Apenas me observava em silêncio, como se esperasse algo. E eu sabia o quê. Ele não acreditava na minha submissão silenciosa, não confiava no meu aceno tímido. Era como se conseguisse ler os meus pensamentos, como se soubesse que eu não desistiria, mesmo que isso significasse me meter em encrenca até o pescoço. — Muito bem — disse por fim, e sua voz, embora um pouco mais suave, ainda carregava autoridade. — Acho que já podemos passar ao que realmente interessa. Balancei a cabeça com mais energia, quase aliviada por ele encerrar aquele interrogatório. Mas continuei imóvel. Não fazia ideia do que deveria fazer. Deveria tomar a iniciativa? Ou esperar o sinal dele? O medo de errar, de decepcioná-lo, me paralisava. Ele continuava calado, imóvel, apenas aguardando. Queria que eu desse o primeiro passo. Respirei fundo, reuni coragem e, hesitante, estendi a mão. Me forcei a avançar, até alcançar o zíper da calça dele.