Capítulo 4

Clara Tommaso

Não contava que Marco defenderia a puta diante dos meus olhos. Essa é a cena que observo. Com uma Magnum 357 apontada para a minha cabeça e os olhos dele que suplicam algo além de ódio, há um brilho estranho por trás de toda aquela melanina verde. Mesmo tentando decifrar aquele véu que se revela em seu olhar, eu me mantenho firme, apontando minha pistola na direção dele. 

— Baixe essa merda, Clara — ordena.

— Sinto decepcioná-lo, mas não cederei, meu desejo é matar essa mulher e assim farei.

— Eu não quero começar uma guerra com você, vamos resolver da forma certa, Bruna é minha propriedade, eu resolverei isso.

— Que garantia tenho disso? 

— Tem minha palavra.

— Sua palavra não basta, saia da minha frente.

Porra, em vez de você facilitar essa merda, só me revolta mais.

— Clara, deixe-me conversar com você. — Magno se mete em nosso meio, ficando agora com as duas armas apontadas para ele. 

— Não se meta onde não é chamado, Magno. — Estou decidida e quero mostrar isso para ambos. 

— O que ganha sendo baleada? Você está em desvantagem aqui, Clara. Atirar em Marco colocará a Itália inteira contra a sua pessoa, quer mesmo isso? Não duraria dois dias.

— Eu não tenho nada a perder, Magno.

— Tudo bem, tudo bem, entendi que não quer ceder… — Aponta para Rocco atrás de mim, e eu não mexo nenhum músculo sequer para o olhar. — Seu homem está ferido, não tem condições de ter mais a proteção dele.

— Não ceda por mim, Lady Red, estou bem — responde Rocco com a voz pesada e lenta pela sua situação. De toda forma, ele serviu de escudo para me proteger. Não posso deixá-lo morrer, provou-se digno de confiança, me deu a sua vida e ganhou minha honra. 

— Eu me rendo em troca de paz, Clara! — Marco cede, retira os projéteis de bala da arma e j**a no chão, depois levanta as mãos para cima em sinal de rendição. — Você está cansada, o dia foi terrível para ambos, podemos ceder e acalmar os ânimos, depois voltarmos a conversar. Leve seu homem para o médico que está em seu acampamento antes que ele morra.

— Isso não acabou aqui, Marco! — Abaixo a minha pistola e volto a minha atenção para Rocco, que geme de dor assim que toco em seu ombro — Vem, vamos voltar para o lugar dos Tommaso.

— Não devia ter cedido, eles não são dignos de confiança — com dificuldade, Rocco declara.

— E você é? Seja lá quem for, me deve sua vida, sou o Don da Itália, meu caro — Marco zomba.

— Não tenho senhores, minha vida está entregue nas mãos da minha senhora. Outro detalhe, não sirvo pessoas exibicionistas, não precisa mostrar a todos o seu título, pelo menos não para mim, isso não vai me fazer ajoelhar aos seus pés, soberano — Rocco afronta.

Não posso negar o quanto que eu estou soltando fogos de artifício por dentro. Rocco colocou Marco no lugar dele. Eu sei que o grandioso escorpião não irá aceitar tamanha desonra, assim como sei que Marco é oportunista, então não fará nada grave demais aqui, a não ser que esteja muito explosivo. Ele dá dois passos rumo a nossa direção, embora Magno o impeça ficando na sua frente.

— É inútil sujar suas mãos, Marco. Seja lá quem for esse homem, em semanas se renderá ao grande escorpião. É fato!

— Que mirabolante, estou disposto a pagar para ver o dia que me ajoelharei aos pés de um Cesare — retruca Rocco ainda com a voz pesada e arrastada.

— Clara, leve ele para longe de mim antes que eu o mate, me aguarde daqui a uma hora, chegarei em seu acampamento para conversarmos — Marco afirma, inexpressivo.

Ignoro suas palavras e sigo com meu soldado para longe dele, apoio Rocco com um braço em meu ombro, guiando-o para longe de todo esse campo minado. Assim que estamos chegando próximo ao acampamento, ele interrompe nossos passos:

Lady Red, não sou digno de opinar, mas existe outra possibilidade de não se casar com esse idiota?

— Esse é o destino que meu pai escolheu, irei averiguar tudo perfeitamente antes de iniciar qualquer tratado real com Marco. E de agora em diante, me chame de Clara, ganhou esse poder. 

— Clara, obrigado, continuarei mantendo o meu respeito por você mesmo se casando com ele. E se precisar de mim para qualquer coisa, estarei preparado para morrer por você.

— Não diga coisas que não irá cumprir. 

— Fui fiel ao seu pai por anos, seria fiel a você o triplo de vezes. — Alguns dos meus homens se aproximam e pegam Rocco, tirando sobre meus ombros um fardo que ia além do peso dele, mas é o peso que suas palavras carregam. — Não esqueça o que eu disse, Clara.

Respiro fundo enquanto os levam para longe de mim, tenho a lealdade de Rocco desde quando fugi de Londres, mesmo assim não consigo confiar 100% nele, mesmo que hoje tenha ganhado mais alguns pontos. Sou muito intuitiva, confiança é algo a ser ganhado com o tempo e com ações que comprovem tamanho ato de que alguém seja digno. Preciso de um banho e ficar em silêncio depois de tudo isso. Olho em volta e todos os meus homens estão cansados e sentados na grama. Na árvore próxima estava Valentina presa por correntes e também sentada. Antes de falar com ela preciso de um momento meu, analiso a área onde estamos e verificando algumas árvores, deve ser um bosque pequeno e perfeito para refletir.

……. 

Ando o máximo que posso para longe de todos, chego a uma pequena nascente de uma lagoa. Abaixo-me perto da água e passo por meus braços para limpar todo o sangue na minha pele; em seguida, lavo meu rosto e analiso meu reflexo na água. Meus olhos enchem de lágrimas, porque não basta perder meu pai hoje, perco meu império e ainda estou nessa merda de situação. Não foi essa a cena que imaginei por anos quando eu assumisse o trono Tommaso. 

Que merda de vida, sou uma sortuda que ganhou do destino 24 horas de desgraça. Não sabia que tantas coisas fossem possíveis para um único dia, com certeza o destino está me sacaneando, guardou todos os dias ruins da minha vida para hoje.

A pior dor, com certeza, é a perda do meu pai. Deixo meu corpo ceder no chão, na margem daquela pequena lagoa. Escolho meu corpo e choro em silêncio, preciso pôr tudo isso, que está escondido, para fora, senão vou desabar em alguém. Foi um dia difícil, tudo bem chorar, isso não me deixa fraca, só me mostra que ainda sou humana e estou viva. Tapo minha boca com força, evitando que qualquer ruído escape.

Estou tão saturada, papai, eu tentei mostrar firmeza no meu primeiro dia e olha a situação que me encontro: aos prantos por ser derrotada de todas as formas. Você deve estar morrendo de vergonha de mim. Ironia eu dizer morrendo quando você decidiu partir e me deixar sozinha nessa terra de lobos, onde jogar as peças de xadrez é tão difícil por ser mulher. Sou a primeira líder feminina da máfia Tommaso, e parece que estou conseguindo provar a teoria dos machistas: mulher não leva jeito para comandar.

A dor da lembrança do meu pai é a pior que tenho, como se fosse arrebatada novamente para essa cena de tortura. Sabia que ele iria partir em breve, mas não tão breve, ainda tinha chances de meu pai passar alguns anos ao meu lado, e vê-lo em um caixão e depois sendo levado para debaixo da terra me deixou destruída. Suportei até mais do que imaginei, tenho o direito de desabar, sinto uma forte dor no peito, minha cabeça gira e parece que a qualquer momento o meu ouvido vai explodir por só ouvir a minha dor que grita ao sair da minha alma. 

Perder alguém é sempre difícil de aceitar. Anteriormente, não tinha sentido tamanha dificuldade de respirar e pensar como estou agora. Em meu peito permanece o sentimento de culpa. Se eu tivesse ficado no hospital, nada disso teria acontecido, meu pai ainda estaria vivo. Sinto raiva de mim e de quem seja o assassino. A cada vez que fecho os olhos, sou levada em uma recordação com meu pai, é torturante, me causa ansiedade, descrença e uma agitação por todos os meus órgãos.

Sinto-me desconectada desse mundo. Embora tudo tenha dado errado, o pior de todas essas emoções são as lembranças e o sentimento de culpa. Não dá para ficar assim. Enquanto me desabo em lágrimas, alguém usufrui da minha casa e toda a minha herança. Preciso me recompor e buscar, no meio de meus homens, o verdadeiro culpado, e assim dar a essa pessoa uma morte lenta e dolorosa. 

Levanto, sento e enxugo minhas lágrimas com força, observando a água serena daquela pequena nascente de lagoa. Levo mechas do meu cabelo para trás das minhas orelhas, respiro fundo várias vezes, tenho que ficar bem o quanto antes. Ninguém pode me ver assim, de agora em diante não posso chorar mais, preciso agir e me vingar pela minha perda.

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