Capítulo 4

Kara Jimenez  

 

Meu olhar se arregalou quando eu li a notícia nas redes sociais. A mulher do Gustavo havia sofrido um grave acidente e estava em estado grave no hospital. Ele devia estar arrasado, eu pensei, e por uma breve fração de segundos eu sentir compaixão dele.  

 

Me levantei atordoada quando percebi meus sentimentos. Gustavo não merecia nem meus pensamentos, imagine então minhas considerações.  

 

— Espero que agora ele aprenda a ser mais prestativos com pessoas atropeladas – bravejei em voz alta, sem perceber que eu não estava sozinha na pequena sala.  

 

— Ora essa, menina, anda falando sozinha agora? – meu coração acelerou quando ouvi a voz da Rosa logo atrás de mim.  

 

Enquanto recuperava o ar, observei Rosa rir de mim. Nem parecia que fui expulsa de casa há uma hora e estava aqui, morando na casa dela sem saber o que fazer da minha vida.  

 

— Desculpa, Rosa – me aproximei dela e a abracei. Meu coração estava cheio de gratidão por aquela mulher se tão bondosa comigo – eu prometo que vou arrumar um bom emprego e desocuparei a sua casa em breve.  

 

Ela fixou os olhos em mim e eu percebi que minhas palavras haviam decepcionado a Rosa.  

 

— Falando assim você me ofende, Kara – ela raramente me chamava pelo nome e isso só acontecia em ocasiões especiais – eu moro sozinha nessa casa há tantos anos, que tê-la comigo é mais um presente do que uma preocupação.  

 

Eu sorri com amargura e abaixei a cabeça ao perceber a tristeza no olhar dela. Rosa era viúva. Havia perdido o marido e os dois filhos em um acidente de carro. Desde aquele dia ela vivia sozinha, depositando o amor que ainda havia guardado no peito em qualquer pessoa que precisasse da sua nobre ajuda. Embora ela fosse a mulher mais generosa que eu conhecia, de modo algum me aproveitaria disso. Eu já tinha vinte e dois anos e estava na hora de viver a minha própria vida.  

 

— Eu jamais me esquecerei das coisas boas que tem feito por mim – segurei nos seus pequenos ombros e olhei para ela com afeto – mas eu não sou mais uma criança, preciso aprender a voar com minhas asas.  

 

— Eu não me conformo que a Celeste permitiu que o Sebastian fizesse aquilo com você – O rosto de Rosa se escureceu com a indignação – se ela soubesse a dor que é perder um filho, não iria virar as costas para você.  

 

Eu engoli o choro ao ouvi-la dizendo aquilo.  

 

— O que eu preciso agora é arrumar um bom emprego – Rosa sorriu de orelha a orelha e concordou imediatamente – o que você me sugere? Por onde eu devo começar?  

 

Como se acabasse de lembrar algo muito importante, Rosa arregalou os olhos para mim, abrindo a boca logo em seguida. Eu assenti, enquanto olhava para ela agitada, caminhando com suas pernas pequenas pela sala, para alcançar o celular.  

 

— Veja isso, Kara – levou o celular até o meu rosto e exibiu um leve sorriso repleto de animação.  

 

Eu precisei adaptar os meus olhos a tela do celular que tinha um brilho intenso. Era uma postagem de vaga de emprego, onde alguém procurava uma baba em tempo integral. Ofereciam casa, comida e um salário bom. Meus olhos brilharam.  

 

Rosa exibiu uma expressão solene em seu rosto e prosseguiu.  

 

— Você cuidou da sua irmã desde quando ela nasceu para que sua mãe pudesse trabalhar – eu olhei nos olhos dela percebendo que rosa sabia quase tudo sobre a minha vida – se eles procuram por alguém experiente, certamente essa vaga será sua.  

 

Todavia, eu senti medo. Era uma oferta encantadora, mas não havia nenhuma informação sobre quem estava contratando.  

 

— Bom, parece ser um emprego dos sonhos – voltei a olhar para o anúncio – mas a senhora não acha estranho eles não informar quem está contratando? E se for uma armadilha para me sequestrar e extrair os meus órgãos?  

 

O sorriso da Rosa preencheu o silêncio da casa.  

 

— Isso não vai acontecer, Kara – ela tentou me encorajar – algumas pessoas famosas ou importantes fazem esse tipo e anúncio sem querer revelar sua identidade.  

 

Contudo, as palavras de Rosa, fizeram o pânico, subitamente me invadir. Por outro lado, aquele não era o momento para sentir medo ou me desencorajar. Se eu quisesse ser alguém, eu tinha que me arriscar.  

 

— A meu ver, esse salário que eles oferecem nem se compara ao que eles realmente irão te pagar – Rosa deu um passo à frente e pegou o celular das minhas mãos e continuou – agora se apresse, vista sua melhor roupa e vá até o endereço informado para fazer a entrevista.  

 

— Tão rápido assim? – enquanto eu era empurrada por Rosa até o quarto, ela seguia falando.  

 

— Eu te darei o dinheiro da passagem e algo para que você se alimente no caminho – me segurou pelos ombros e me obrigou a olhar para ela – embora eu não queria que você saia daqui, eu entendo que você precisa sair. Faço isso com o coração em pedaços.  

 

Meus olhos se encheram de lagrimas. Quando finalmente me vi sozinha no quanto, percebi que eu não tinha nenhuma roupa apresentável para vestir. Avistei a calça velha que vestia no dia do acidente, ela era a melhor que eu tinha. O suor começou a escorrer pela minha testa, quando me vi no espelho. Que chance eu tinha de conseguir aquele emprego, vestindo esses trapos velhos?  

 

— Eles procuram uma baba, não uma modelo de capa de revista – eu disse a mim mesma, enquanto me afastava do espelho – esse emprego será meu.  

 

Sai do quarto de cabeça erguida e nem mesmo o olhar subjugador de Rosa me desanimou. Mas eu não podia me dar ao luxo de mostrar nenhum sinal de fraqueza, embora soubesse que eu estava horrível vestida daquele jeito.  

 

Eu suspirei quando sai da casa da Rosa, cheia de expectativas e me deparei com um céu carregado de nuvens negras. Era só o que faltava um temporal àquela hora. Corri até o ponto de ônibus, e fiquei ali por mais de uma hora.  

 

Quando eu desci do ônibus, o céu desabou. Os pingos grossos da chuva logo ensoparam a minha roupa. Por mais que eu caminhasse apressada, ainda com dores intensas para procurar um abrigo, meus esforços eram em vão.  

 

— Agora mesmo que perco esse emprego – bufei baixinho, quando olhei para os meus documentos completamente molhados.  

 

Já não havia mais vestígios de que aquele papel molhado foi um currículo algum dia. Olhei para mim completamente desgrenhada e com a roupa respingada de lama e quis desistir. O melhor que eu podia fazer pela minha dignidade era voltar para casa e esquecer aquele emprego.  

 

Se é que eu ainda tinha dignidade.  

 

Mas eu estava disposta a me tornar a garota que não desistia nunca. Não havia nada para perder e eu precisava arriscar conquistar aquele emprego. Retirei meu velho celular do fundo da bolsa, orando constantemente para que ele não estivesse molhado. Suspirei de alívio quando vi sua tela acender. Procurei a postagem que Rosa havia me enviado e percebi que eu estava apenas alguns metros do meu destino. Embora eu tivesse um sorriso determinado no meu rosto, minhas mãos tremiam, de medo, de frio. Eu já não sabia mais.  

 

Voltei a encarar a chuva que caia constante. O meu destino estava do outro lado da pista. Eu só precisava caminhar mais alguns metros e alcançá-lo. Quando finalmente parei debaixo do prédio, meus pulmões imploráveis por mais um pouco de ar. Até eu recuperar o folego, quase dez minutos havia se passado.  

 

Notei que o lugar estava vazio, o que pareceu bastante estanho. E se realmente fossem sequestradores que só queriam extrair os meus órgãos, ou pior me levar para um país distante e me obrigar a me prostituir? Meu coração congelou, na mesma medida meus calcanhares giraram para fugi imediatamente dali.  

 

Escutei passos vindo na minha direção e um homem gorducho falava ao telefone.  

 

— Não apareceu ninguém para a vaga de emprego, senhor – ele dizia, caminhando de um lado ao outro na recepção do prédio – devo esperar mais algum tempo?  

 

Talvez fosse um sinal divino de que eu deveria insistir mais um pouco e ficar ali. Aquele homem não parecia ser um traficante de pessoas, pelo contrário, seu semblante parecia apavorado com a possibilidade de não encontrar uma candidata.  

 

Esperei que ele terminasse a ligação e enchi os meus pulmões de coragem, antes de erguer o meu braço e chamá-lo, atraindo sua atenção.  

 

— Me desculpe senhor – eu percebi que os olhos dele brilharam quando me viu – eu sei que não estou apresentável e que já é tarde, mas o temporal me alcançou e molhou o meu currículo…  

 

— Você veio para a vaga de emprego? – ele me interrompeu com ansiedade.  

 

— Sim, senhor – encolhi o corpo e abaixei o olhar apenas esperando a resposta negativa.  

 

— Você está contratada – levantei os olhos assustados até o homem. Ele só podia estar louco – e começa a trabalhar hoje mesmo. 

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