Capítulo 04

Charlie MacAleese

Depois de um voo de quase cinco horas, finalmente estou em El Salvador. Como o tráfego aéreo está fechado para a Guatemala, precisei pensar em uma rota alternativa para entrar sem ser visto.

Com as fronteiras fechadas, não seria um trabalho fácil, mas apesar de serem muitos, os rebeldes não poderiam cobrir todas as estradas e rios.

Com uma mochila nas costas, segui para fora do aeroporto. Uma hora e meia, depois, estava entrando num bar que já tinha visto dias melhores. O local parecia uma espelunca caindo aos pedaços. Os homens que estavam ali pararam de conversar e ficaram me encarando. Me aproximei do balcão e falei para a mulher que era tão mal encarada quanto os homens daquele lugar.

— Buenos días! Quiero hablar con Carlos Rocío (Bom dia! Quero falar com Calos Rocío) — ela me encarou e depois de limpar o nariz no avental que usava, respondeu.

— En la parte trasera (na parte dos fundos) — fez um gesto com queixo. Com um aceno em agradecimento, segui até o local indicado.

Carlos Rocío é um conhecido de longa data, ele seria meu transporte até Santa Ana ou Santana para alguns. Será uma viagem de uma hora e meia de avião até lá e depois mais uma hora de carro até próximo da fronteira, onde um homem de confiança dele nos aguarda com armas e munições. E a partir dali, cruzando o rio, sigo sozinho na busca pela mimada Reid.

Eu poderia ter vindo em meu avião e evitar envolver tantas pessoas nesse resgate, contudo, eles estão mais habituados com a região e imprudência nunca fez parte do meu trabalho. Além de que, tenho dinheiro, mais do que posso gastar... E, às vezes, o dinheiro pode ser muito útil quando se precisa de certos favores.

Pisquei ao sair da parte escura do bar e entrar numa área com sol forte.

— Ora, ora, se não é o temido MacAleese em carne e osso

— o homem robusto e de bigode enorme veio em minha direção, nos abraçamos dando t***s nas costas um do outro. — Não pensei que viveria para ver este dia. Não tinha se aposentado? — pergunta quando nos afastamos. — A última vez que tive notícias suas, soube que tinha virado um monge — debocha, soltando uma risada alta.

— Uma vez mercenário...

— Sempre mercenário — completa minha frase. — Ao menos a grana é boa?

— Você não sabe o quanto.

— Aí está certo. Venha, sente-se um pouco — faz um gesto com a mão.

— Quero ir agora enquanto ainda está claro e aproveitar a noite para entrar no país, quanto antes terminar esse trabalho, mais rápido voltarei para minha aposentadoria.

Ele solta uma gargalhada estrondosa.

— Ranzinza como sempre.

Semicerrei os olhos, fitando a estrada de terra batida margeada por árvores com suas copas altas, o sol da tarde se infiltrando por entre suas folhas verdes, deixando um reflexo dourado, ao longe, a figura solitária de um homem, provavelmente o mesmo que nos aguardava. Não sei como ainda estava vivo, sendo tão imprudente – pensei repuxando a boca em desgosto para um lado. Era por coisas assim que preferia trabalhar sozinho, um ato falho poderia não só custar sua vida, como a de outros.

— Não se preocupe, ainda estamos do lado tranquilo da fronteira — Carlos Rocío me conhece bem demais para saber que o que ia em minha mente.

Não falei nada, continuei olhando para frente.

Quando ele parou o carro, observei a área. Carlos foi cumprimentar o homem e eu me aproximei, o examinando cautelosamente. Não sou do tipo que confia com facilidade, ele poderia muito bem querer ganhar dos dois lados.

Depois de trocar algumas palavras e conferir o material que ele trouxe, junto com itens para acampar, me despedi dos dois, reiterando a Carlos que estivesse ali de volta daqui a cinco dias, para nos buscar. Só esperava não ter muito trabalho em convencer a garota mimada a me acompanhar.

— Estarei aqui como combinado. Tenha cuidado. Entrar será fácil, difícil será sair, desejo que tenha sorte.

— Obrigado.

Por diversas vezes me perguntei o que uma garota como ela estava fazendo naquele fim de mundo, o que estava querendo provar ou a quem? Viver de trabalho voluntário em nada condiz com o estereótipo que ela criou perante a mídia. Sempre que ela aparecia era envolvida em algum escândalo devido aos atos de vandalismo ou fofocas sensacionalistas das muitas festas que frequentava. Agora queria dar uma madre Tereza. Essa era boa.

Deixando os pensamentos de lado, olhei para o céu, o sol estava alto, teria algumas horas ainda pela frente antes de o sol se pôr. Pelo andar da carruagem, não poderia demorar muito, a última notícia era de que as forças rebeldes estavam avançando rapidamente em todas as direções, e logo chegariam a Santa Rosa. Eu preciso tirar a Srta. Reid de lá, antes disso.

Seguindo até o rio, andei pela margem até encontrar o barco que tinha sido deixado ali para mim. Assim seria mais rápido, embora em determinado ponto, precisasse seguir a pé.

Seguindo rio acima, rumo ao golfo de Tehuantepec, eu faço uma parada nas proximidades de Moyuta, indicado pelo mapa.

Pequenas nuvens aqui e ali, tingem o céu azul e limpo, algumas rajadas de ventos que chegam facilmente a 20mph trazem alívio ao calor que começou a fazer, sigo pelo caminho que leva à encosta do vulcão. Escolhi esta rota por ser mais difícil de topar com situações indesejadas. Atravessar toda uma região não seria fácil, mas com rebeldes por todo lado, eu preferia seguir meus instintos. E se der errado, ainda se pode contar com a ajuda de uma 9mm Smith Wesson.

Algumas horas haviam se passado e a noite caiu rapidamente, procurando um lugar plano para passar a noite, escolhi um lugar onde tinha uma espécie de clareira, ciente de que poderia chover, o que seria bom para retardar os rebeldes, também me colocaria numa situação complicada e não podendo acender uma fogueira para não chamar a atenção, eu teria que me virar como desse.

Forrei o saco de dormir no chão, comi uma barra de cereal e tomei dois goles de água. Por enquanto seria o suficiente. Esperava conseguir entrar em Santa Rosa amanhã logo cedo, pegar Donna Reid e sair sem maiores complicações. Levei a mão ao bolso e peguei a foto dela, fiquei observando por longos minutos. Ela é uma mulher bonita, não podia negar, tinha o nariz arrebitado, um ar de atrevimento no olhar. A típica herdeira de uma família abastada.

Será que tinha conhecimento da guerra que estava prestes a estourar e mesmo assim resolveu ficar? Talvez ela não tenha ciência da gravidade da situação em que tinha se metido. Talvez esteja se fazendo passar por uma das habitantes do lugar.

Não, ela não era uma das mulheres local, isso era fácil de identificar, um olhar mais apurado veria com facilidade a fraude, a começar por sua pele alva, os cabelos loiros, o lábio rosado...

Um ruído de galho seco se quebrando me deixa em alerta e eu me levanto, pego minha adaga presa ao cano da bota e dou a volta numa pedra alta que tinha ali perto. Apuro os ouvidos para ver se ouço mais alguma coisa, um animal de pequeno porte, o qual não consegui identificar, passa correndo ao meu lado e fazendo um barulho semelhante ao que ouvi antes, passa por mim.

Era só um animal idiota.

Quando me viro para voltar para lugar onde pretendia tirar um cochilo por algumas horas, sou surpreendido por três homens olhando para mim.

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