Capítulo 4

Rafa penteava os cabelos de Juju, sua filha de seis anos, enquanto refletia sobre os últimos anos de sua vida. Juju era uma menina linda e saudável, gorducha, com bochechas redondas e duas covinhas graciosas. Seus olhos verdes enormes e redondos brilhavam de curiosidade e alegria. Parecia-se muito com a mãe, os olhos verdes, o formato do rosto, o tom e textura dos cabelos praticamente pretos e sua pele branca, mas Rafa tinha certeza de que o temperamento aventureiro vinha do pai. Juju era uma criança amorosa, mas cheia de energia e curiosidade implacável.

Enquanto trançava os cabelos da filha, Rafa lembrou-se das dificuldades que tinha enfrentado. A gravidez havia sido inesperada e complicada. Com cinco meses de gestação, ela não conseguiu mais esconder a barriga. Lembrou-se claramente do dia em que passou mal no trabalho, após uma manhã inteira limpando e arquivando relatórios antigos. Desmaiou e foi parar no hospital.

Ricardo, o chefe, foi implacável. "Não precisamos de uma mulher grávida na equipe," ele disse friamente, ignorando suas súplicas. Como ela tinha sido contratada há pouco tempo, e a revista conexão tinha um departamento jurídico muito forte, Rafaela foi desligada da empresa e os ajustes de contas foram feitos. Mesmo grávida, ela não conseguiu estabilidade no emprego e se viu em uma situação difícil. Vulnerável e desesperada, Rafa se lembrou de um professor que sempre a incentivou e muitas vezes disse que com o talento que ela tinha, poderia contar com ele quando se formasse e fosse começar uma carreira. Era o professor de Redação Jornalística, disciplina em que ela sempre tirava as melhores notas. Ela ligou para esse professor e encontrou consolo e apoio. Sensibilizado pela situação da ex-aluna, ele cumpriu com sua antiga promessa e a ajudou a conseguir um emprego na empresa de um amigo. A vaga era boa, e ela ficou muitíssimo aliviada, por não estar mais desempregada, mas ela não podia evitar um certo ressentimento. Afinal, a vaga não era mais na sua área, nem um cargo de prestígio como o anterior ou muito menos em uma renomada revista. Aliás, a revista Conexão era simplesmente sua revista preferida… De uma hora pra outra, Rafa viu seu sonho se desfazendo como um castelo de cartas… E tudo isso por causa de uma única noite de irresponsabilidade… Agora ela teria que colher as consequências que mudariam completamente o rumo de sua vida. Rafa suspirou, conformada, e assumiu a vaga de recepcionista conseguida pelo seu professor. Mas, uma funcionária dedicada e competente como Rafaela não poderia ficar sem ser notada. Com o tempo, sua determinação, simpatia e organização a levaram a ser promovida a assistente do gerente do setor. Burburinhos correram pela empresa. As pessoas questionavam se Rafaela realmente era talentosa, ou se estava tendo privilégios por ser jovem e bonita. “Afinal, invejosos existem em todas as áreas e profissões, não é mesmo?” pensou Rafa enquanto observava alguns colegas de trabalho cochichando e olhando pra ela sem nem ao menos tentar disfarçar. Nenhuma novidade, Rafa já estava acostumada com esse tipo de situação desde a faculdade, quando percebeu que se destacar nos estudos não fazia com que ela se tornasse a pessoa mais popular… E no emprego anterior não era nada diferente. Muito pelo contrário, desde cedo ela conheceu o bullying, ainda mais devido à sua origem humilde e qualidade de órfã. Rafaela estava aprendendo a não ligar mais. Ela tinha desenvolvido uma forte armadura emocional e não se importava com a opinião dos outros. Ela colocou toda sua energia e empenho nesse trabalho e agiu com integridade e profissionalismo. Ela saber disso era o bastante nesse momento. Assim, em não muito tempo ,ela continuou sendo promovida e chegou a assistente pessoal do CEO da empresa. Mas, a dura verdade é que ser assistente pessoal ainda não era o trabalho dos seus sonhos. Não era nem perto da área de seus sonhos. Mas isso, neste momento, não importava nada pra ela. O importante é que o reconhecimento de seus esforços lhe rendeu um bom salário. E foi isso o que permitiu que ela oferecesse uma boa vida à sua filha, sua maior preocupação e também sua maior fonte de alegrias. O sonho de ser escritora parecia cada vez mais distante. Bem, ela tinha outras prioridades agora.

Tudo isso ela pensou enquanto mexia e trançava os cabelos da filha. Juju, sempre observadora, notou a expressão distante de Rafa. "Mamãe, você está preocupada?" perguntou com doçura, virando-se para olhar nos olhos da mãe.

Rafa sorriu, tocada pela preocupação da filha. "Estou bem, meu amor. Só estava lembrando de algumas coisas."

Juju inclinou a cabeça, pensativa. "Eu vou me comportar na escola e ser uma boa menina, tá bom? Não precisa se preocupar."

As palavras ternas de Juju fizeram os olhos de Rafa se encherem de lágrimas. Ela se abaixou e beijou a testa da filha. "Eu sei que você vai ser, querida. Você é a luz da vida da mamãe. Vamos, está na hora de ir."

Elas foram para a cozinha, onde Paulinha já estava preparando o café da manhã. Paulinha era um apoio constante, ajudando Rafa a cuidar de Juju. Mas elas ainda eram um trio de amigas cuidando juntas uma das outras e de Juju. Mesmo com Ana casada e morando em outro lugar, ela continuava presente na vida das irmãs e da sobrinha, mostrando que laços familiares vão além do sangue. Juju não tinha pai, mas tinha uma mãe amorosa e batalhadora e duas tias incríveis. Mas, conforme ia crescendo, começou a perguntar para sua mãe e suas tias a respeito do pai. Sempre que o assunto surgia, as tias respondiam que a sua mãe falaria sobre isso quando estivesse pronta. Juju sempre piscava seus olhinhos brilhantes e concordava, desapontada.

"Bom dia, Juju! Pronta para a escola?" perguntou Paulinha, servindo suco para a menina.

Juju sorriu, animada. "Prontíssima, tia Paulinha!"

"Você dormiu bem, Juju?" perguntou Paulinha, pegando um pão para fazer uma torrada.

"Dormi sim, tia! A mamãe me contou uma história muito legal ontem à noite."

Rafa riu, enquanto passava manteiga na torrada de Juju. "Ela sempre quer ouvir a mesma história sobre a princesa corajosa que salva o reino."

Paulinha sorriu. "Bem, quem não gostaria de ouvir sobre uma princesa corajosa? Acho que você vai ser tão corajosa quanto ela, Juju."

"Vou sim! Quando eu crescer, quero ser uma princesa corajosa e ajudar todas as pessoas."

Rafa e Paulinha trocaram um olhar terno. "Você já é nossa pequena princesa corajosa," disse Rafa, dando um beijo na testa de Juju.

Enquanto comiam, Rafa se abaixou ao lado da filha e sussurrou em seu ouvido: "Depois do trabalho, que tal uma noite de cookies e filme?"

Os olhos de Juju brilharam de excitação. "Sério, mamãe? Vamos assistir meu filme favorito?"

Rafa assentiu, sorrindo. "Sim, querida. Prometo que será uma noite especial."

Paulinha ouviu e entrou na conversa. "Ah, noite de filme e cookies? Eu estou dentro! E vou ligar para a tia Ana para se juntar a nós. Vai ser uma festa só nossa!"

Juju pulou de alegria na cadeira. "Obaaa"

Rafa sorriu, apreciando a felicidade simples de Juju. "Vai ser ótimo, meu amor. Mas agora, temos que nos apressar para não nos atrasarmos."

Rafa não tinha carro, mas chamou um pelo aplicativo e colocou uma parada pra deixar a filha na escola antes de seguir para o trabalho. Ao se despedir, abraçou Juju com força. "Tenha um ótimo dia, minha menina."

Juju acenou, confiante. "Você também, mamãe! Te amo muuuuitoooo"

Rafa observou enquanto Juju corria para dentro da escola, sentindo-se grata pois, apesar de todas as dificuldades que tinha enfrentado, ela tinha Juju. E Juju estava crescendo rápido. Era uma menina linda. Ela não sabia por quanto tempo mais conseguiria evitar o assunto espinhoso sobre quem era o pai da menina. Pensou preocupada, se quando chegasse a hora, ela conseguiria encontrar as palavras certas pra explicar pra Juju o que nem ela sabia direito como tinha acontecido... Mas respirou fundo pensando em tudo que ela, Paulinha e Ana tinham superado e conquistado até agora. Elas eram muito felizes e não precisavam de homem nenhum nessa família.
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