Corações em chamas

A seca apertava como uma corda ao redor do pescoço da fazenda, cada dia mais cruel que o anterior. O céu, antes apenas cinzento, agora era um vazio azul ardente, sem uma nuvem para prometer alívio. Os campos de milho e sorgo murchavam, as folhas curvando-se em desespero, e os cavalos no curral batiam os cascos com uma inquietação que parecia ecoar o humor de todos. Mariana sentia o peso daquele silêncio opressivo, mas também uma determinação que crescia dentro dela, como as ervas teimosas que insistiam em brotar ao lado da cozinha.Ela acordava cedo, antes mesmo de Tereza ou dos outros funcionários, para preparar o café da manhã. O fogão a lenha, agora um aliado relutante, obedecia melhor às suas mãos, que aprenderam a ajustar as chamas com cuidado. Usava os recursos do jardim para enriquecer as refeições – um ensopado mais encorpado, pão rústico com um toque de manjericão, até uma salada simples que trazia um frescor inesperado à mesa. Os funcionários comiam com gosto, e Tereza, com seu jeito direto, às vezes fazia um comentário breve, como um aceno de aprovação. Mas Joaquim permanecia uma muralha, comendo em silêncio, os olhos fixos em qualquer lugar que não fosse ela.Naquela manhã, enquanto preparava um café forte, Mariana ouviu um estrondo vindo do curral. Deixou a chaleira de lado e correu para fora, o vestido leve colando na pele suada. Encontrou Joaquim no meio de uma confusão – um dos cavalos, um garanhão jovem, havia derrubado uma cerca, e os homens tentavam contê-lo. Joaquim estava no centro, as rédeas nas mãos, o rosto vermelho de esforço e raiva. Seus músculos se tensionavam sob a camisa rasgada, e ele gritava ordens com uma autoridade que fez Mariana parar, fascinada e assustada. A força bruta dele, a maneira como dominava o animal com uma mistura de paciência e violência, era hipnotizante. Mas também a aterrorizava – e se aquela força se voltasse contra ela?Quando o cavalo finalmente se acalmou, Joaquim virou-se e a viu. Seus olhos se encontraram por um instante, e Mariana sentiu o coração disparar. Ele parecia maior ali, coberto de poeira e suor, mas havia algo em seu olhar – uma vulnerabilidade, talvez, ou apenas cansaço – que a fez querer se aproximar. Mas antes que pudesse dizer algo, ele desviou o rosto, o maxilar tenso, e voltou a dar ordens aos homens. O cheiro dela, fresco e fora de lugar naquele ambiente seco, o atingiu como uma onda, trazendo consigo o mesmo desejo que ele tentava sufocar. Ele cerrou os punhos, furioso consigo mesmo, e se afastou, deixando Mariana com uma confusão que queimava no peito.De volta à cozinha, ela tentou se concentrar no trabalho, mas a imagem de Joaquim não saía de sua cabeça. A força dele, a maneira como enfrentava cada crise sem hesitar, era algo que ela admirava profundamente, mesmo que o medo a mantivesse à distância. Enquanto cortava ervas para o jantar, sentiu uma presença atrás dela. Era Tereza, enxugando as mãos em um pano sujo.— Ele tá no limite, menina — disse Tereza, a voz baixa. — Essa seca tá matando a fazenda, e Joaquim não sabe perder. Tenha paciência com ele.Mariana assentiu, mas as palavras só aumentaram sua inquietação. Ela queria ajudar, mas como? Sua única arma era o trabalho – a cozinha, o jardim, a casa que ela insistia em transformar em algo mais do que um abrigo vazio. Depois do almoço, decidiu verificar o poço que Joaquim estava cavando com os homens. Levou um balde de água fresca, um gesto simples que esperava aliviar o calor deles. Quando chegou, encontrou-o sem camisa, cavando com uma fúria que parecia desafiar a própria terra. O suor escorria por sua pele, e os músculos de suas costas se moviam em um ritmo quase hipnótico. Ela parou, incapaz de desviar o olhar, até que ele a notou.— O que você quer? — perguntou, a voz rouca, quase acusadora.— Trouxe água — disse ela, erguendo o balde, tentando ignorar o calor que subia por seu rosto.Ele pegou o balde, seus dedos roçando os dela por um instante, e bebeu sem dizer nada. O cheiro dela o envolveu novamente, e ele sentiu o mesmo calor traiçoeiro, uma ereção que o fez virar-se rapidamente, fingindo ajustar a pá. Mariana, alheia ao efeito que causava, ficou ali, admirando a força dele, mas temendo o que poderia acontecer se ele percebesse o quanto ela o observava. Ele não disse mais nada, e ela voltou para a casa, o coração pesado com uma mistura de atração e pavor.Naquela noite, a tensão na fazenda era palpável. O jantar foi servido em silêncio, e até Tereza parecia mais quieta que o normal. Mariana preparara uma sopa reforçada, usando as sobras do jardim, mas Joaquim mal tocou no prato. Quando os funcionários saíram, ele ficou na cozinha, girando um copo vazio entre os dedos. Ela hesitou, mas decidiu falar.— O poço... tá funcionando? — perguntou, a voz hesitante.Ele a olhou pela primeira vez naquela noite, os olhos escuros cheios de algo que ela não conseguiu decifrar. — Não sei ainda — disse, seco. — Mas se não der certo, essa fazenda tá acabada.As palavras a atingiram como um golpe. Ela queria dizer algo, oferecer algum conforto, mas o medo a travou. Ele se levantou, o cheiro dela o envolvendo mais uma vez, e saiu antes que pudesse dizer mais. Mariana ficou sozinha, lavando os pratos, perguntando-se se havia algo que pudesse fazer para aliviar o peso que ele carregava.Dois dias depois, uma pequena vitória veio. O poço começou a jorrar água, fraca, mas suficiente para manter os campos e os cavalos por mais algum tempo. Joaquim não comemorou, mas Mariana viu um brilho diferente em seus olhos quando ele voltou para a casa naquela tarde. Ela estava no jardim, colhendo ervas, quando ele passou por ela. Por um momento, ele parou, como se quisesse dizer algo, mas o cheiro dela o atingiu novamente, e ele se afastou, o maxilar tenso, lutando contra o desejo que o consumia.Mariana, por sua vez, sentiu o olhar dele mesmo depois que ele se foi. A força dele a fascinava, mas o medo do que ele poderia ser – ou fazer – a mantinha em alerta. Ela voltou ao trabalho, plantando mais mudas, limpando a casa até que brilhasse, cozinhando com um cuidado que era tanto amor quanto desespero. Mas, à noite, os pesadelos voltaram, mais intensos, cheios de sombras e vozes que a acusavam. Ela acordou gritando, o som abafado pelo travesseiro, e dessa vez não ouviu passos no corredor. Ainda assim, sabia que Joaquim estava acordado, em algum lugar, lutando suas próprias batalhas.A fazenda, com seus campos secos e seus segredos, parecia esperar, como se soubesse que algo estava prestes a mudar – para melhor ou para pior.

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