Fissuras no Silêncio

Os dias seguintes passaram em um ritmo pesado, como se o tempo se arrastasse sob o peso do sol implacável e do silêncio opressivo da fazenda. Mariana acordava antes do amanhecer, os músculos já acostumados à cama dura, mas o coração ainda carregado de uma mistura de determinação e medo. As lições de Dona Lúcia estavam começando a surtir efeito. Ela agora conseguia controlar melhor o fogo do fogão a lenha, mantendo as chamas constantes para fritar ovos sem queimá-los nas bordas ou cozinhar o feijão até que ficasse macio, não grudento. Usava os recursos do jardim para complementar as refeições, adicionando um toque de cor e sabor que os funcionários notavam com olhares aprovadores, embora raramente dissessem algo.As ervas que plantara ao lado da cozinha, manjericão e alecrim, começavam a brotar, e seu cheiro fresco misturava-se ao perfume floral que ainda emanava de suas roupas e pele, um contraste que continuava a chamar atenção. Os homens – João, Pedro, Lucas e Mateus – trocavam comentários baixos quando passavam por ela, mas Mariana, inocente como sempre, não percebia. Tereza, no entanto, sorria de canto, como se soubesse mais do que deixava transparecer. E Joaquim... Joaquim era uma presença constante, mas distante, um vulcão contido que Mariana temia e admirava em igual medida.Ele passava os dias nos campos, supervisionando o plantio, ou no curral, treinando os cavalos novos com uma mistura de paciência e força bruta que a impressionava. Os animais respondiam a ele, obedecendo aos comandos com uma confiança que Mariana invejava. Ela via a maneira como suas mãos, calejadas e firmes, manejavam as rédeas, como seus olhos escuros acompanhavam cada movimento dos cavalos, e sentia uma admiração que a deixava confusa. Havia algo nele, uma resiliência que a atraía, mas também um perigo que a fazia recuar sempre que ele se aproximava.Uma tarde, enquanto ela arrumava as panelas na cozinha – agora com tampas consertadas por Joaquim, que as ajustara em silêncio, evitando seus olhos –, ele entrou para pegar um cantil de água. O cheiro dela o atingiu de novo, aquele aroma fresco e estranho que parecia desafiar o ar seco da fazenda. Ele sentiu o calor subir por seu corpo, uma ereção que o enraiveceu, e desviou o olhar, concentrando-se na parede rachada. Seus maxilares se tensionaram, e ele saiu sem dizer uma palavra, deixando Mariana confusa e nervosa. Ela não entendia por que ele parecia tão irritado, mas o medo e a atração que sentia por ele cresciam a cada encontro, como raízes se enredando em seu peito.Naquela noite, durante o jantar, os funcionários comeram em silêncio, apreciando o ensopado que Mariana preparara com as novas técnicas. O sabor estava melhor, mais equilibrado, mas Joaquim apenas grunhiu algo ininteligível, os olhos fixos no prato. Mariana sentiu um nó na garganta. Queria agradá-lo, provar que valia a pena, mas ele parecia determinado a ignorá-la, ou talvez a odiar. Ainda assim, ela notou como os outros a olhavam – não com hostilidade, mas com uma curiosidade que a deixava desconfortável. Só Tereza parecia genuinamente satisfeita, elogiando o jantar com um aceno de cabeça.— Tá melhorando, menina — disse Tereza, baixinho, enquanto limpava os pratos. — Continue assim, e logo vai dominar essa cozinha.Mariana sorriu, mas o elogio não aliviou o peso de Joaquim. Depois do jantar, ela foi até o quarto dele, hesitante, com uma lista mental do que ainda precisava. As gavetas, embora ajustadas, ainda travavam um pouco, e a cama continuava rangendo, interrompendo seu sono. Bateu à porta, o coração batendo forte.— O que é? — a voz dele veio de dentro, áspera, como se ela o tivesse perturbado.— É sobre o quarto — disse ela, mantendo a voz firme, apesar do tremor. — As gavetas ainda emperram um pouco, e a cama... ela range muito. Será que você poderia dar uma olhada de novo?Joaquim abriu a porta, os olhos escuros evitando os dela. Estava sem camisa, o peito largo coberto por uma fina camada de suor, os músculos tensos sob a pele bronzeada. Mariana sentiu o rosto corar, uma mistura de atração e pavor que a deixou sem fôlego. Ele grunhiu algo inaudível, pegou as ferramentas e seguiu para o quarto dela, mantendo distância como se ela fosse um fogo que pudesse queimá-lo.Enquanto trabalhava nas gavetas, suas mãos se moviam com precisão, mas havia uma rigidez em seus movimentos, um esforço visível para não olhar para ela. O cheiro de Mariana, agora misturado ao aroma das ervas que ela cultivava, encheu o ar, e ele sentiu outra onda de desejo, seguida por uma raiva que o fez apertar o martelo com mais força do que o necessário. Quando ajustou a cama, inclinando-se sobre ela para verificar as molas, o rangido cessou, mas o silêncio que se seguiu foi carregado de tensão. Ele se levantou abruptamente, os olhos ainda desviados, e saiu sem dizer uma palavra, deixando Mariana sozinha com o coração acelerado e uma confusão que ela não sabia nomear.Nos dias seguintes, a fazenda enfrentou um novo desafio. Uma seca inesperada ameaçava as plantações, e os cavalos começaram a mostrar sinais de estresse, relinchando nervosamente no curral. Ele passava horas fora, discutindo com os funcionários, planejando como economizar água e alimentar os animais. Mariana o via de longe, sua força e determinação a fascinando ainda mais, mas também a assustando. Ele parecia invencível, mas também à beira de um colapso, e ela se perguntava o que o mantinha tão preso àquele lugar.Uma noite, enquanto os funcionários jantavam, um dos homens, Mateus, comentou sobre o cheiro da comida – e, indiretamente, dela.— Tá diferente aqui, patrão — disse ele, com um sorriso meio tímido. — Parece que a casa tá ganhando vida.Joaquim lançou um olhar fulminante para Mateus, e o silêncio que se seguiu foi tão pesado que Mariana sentiu vontade de desaparecer. Ela não entendia o que havia de errado, mas o jeito como Joaquim a evitava, combinado com os olhares dos outros, a deixava cada vez mais insegura. Ainda assim, continuou seu trabalho, colhendo os recursos do jardim e limpando a casa até que os móveis brilhavam e o ar cheirava a citronela e ervas. Era sua maneira de lutar, de provar que pertencia ali, mesmo que sentisse que nunca seria aceita de verdade.Uma tarde, enquanto estava no jardim, ouviu um barulho seco vindo do curral. Correu para ver e encontrou Joaquim lutando para domar um cavalo rebelde, as rédeas tensionadas, o suor escorrendo por sua testa. Ele gritou ordens para os homens, mas seus olhos, por um instante, cruzaram com os dela. Mariana sentiu um arrepio, uma mistura de admiração pela força bruta dele e medo do que poderia acontecer se ele dirigisse aquela intensidade contra ela. Ele virou o rosto rapidamente, como se o contato visual fosse uma fraqueza que não podia se permitir, mas ela notou o tremor em suas mãos quando ele voltou a puxar as rédeas.Naquela noite, os pesadelos de Mariana retornaram, mais intensos. Ela sonhou com sombras que a cercavam, com vozes que a acusavam de coisas que não entendia, e acordou gritando, o som ecoando pela casa silenciosa. Desta vez, ninguém veio. Mas, no corredor, Joaquim parou, ouvindo os soluços abafados, o maxilar tenso. Ele queria ir até ela, mas algo o segurou – medo, raiva, ou talvez a mesma atração que o enfurecia. Voltou para seu quarto, o cheiro dela ainda pairando no ar, e passou a noite em claro, lutando contra si mesmo.Fora, a fazenda continuava seu silêncio opressivo, os campos secando, os cavalos inquietos, e os segredos de ambos crescendo como ervas daninhas, prontos para sufocar tudo ao seu redor.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP

Capítulos relacionados

Último capítulo

Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP