HenriqueEu entrei em casa sentindo a tensão ainda correndo pelas veias, os nós nos ombros denunciando o peso do que havia acontecido naquele dia. O silêncio confortável da nossa casa contrastava com o caos que tinha vivido horas atrás. Eu só queria abraçar a Mariana, sentir Isabela nos meus braços e lembrar a mim mesmo que tudo isso tinha um propósito: protegê-las.Mariana estava sentada no sofá da sala com Isabela no colo, ninando ela com suavidade. Quando me viu, seu olhar se encheu de preocupação.— Amor… — ela se levantou devagar, ajeitando a pequena nos braços. — O que aconteceu? Você tá estranho… aconteceu alguma coisa?Suspirei fundo, tirei o paletó e joguei no encosto do sofá. Me aproximei, beijei a testa da minha filha, e depois olhei para Mariana com o semblante sério.— Aconteceu. E foi sério.Ela franziu o cenho, sentando-se novamente com Isabela no colo.— Fala logo, Henrique. Você tá me assustando.— O Leonardo foi até o hospital.— O quê? — Ela arregalou os olhos. — O
LeonardoEu ainda sentia a mão latejando do soco que dei naquele desgraçado. Não me arrependia. Aliás, já devia ter feito isso antes. Só que agora a merda estava feita — e a consequência veio mais rápido do que eu esperava.O celular tocou pela terceira vez em menos de meia hora. Era o Marcelo de novo. Respirei fundo antes de atender. Já sabia que vinha bronca.— Leonardo, pelo amor de Deus, você tá maluco?A voz dele ecoou pelo viva-voz do carro enquanto eu dirigia pelas ruas da cidade. Clara estava no banco do passageiro, muda, com o olhar fixo na janela.— Você foi até o hospital agredir o Henrique? — ele esbravejou. — Você perdeu o juízo?— Ele bateu na minha mulher! — rebati, segurando o volante com mais força.— E você devia ter ido na delegacia registrar uma queixa, não ir lá dar um soco no meio de um ambiente cheio de paciente e câmera de segurança! — a voz dele estava carregada de indignação.— Eu perdi a cabeça.— Pois é. E agora vai perder mais do que isso. — ele suspirou a
ClaraO silêncio no carro era ensurdecedor, e mesmo depois de chegar no hotel, aquele peso no meu peito não aliviava. Leonardo trancado no quarto, provavelmente remoendo a própria impulsividade. E eu… sentada na beirada da cama, com a cabeça entre as mãos, tentando encontrar um plano. Um maldito plano que salvasse tudo isso.Eu jurei que conseguiríamos. Que tomaríamos a Isabela daquela mulher e colocaríamos ela nos nossos braços como deveria ter sido desde o início. Mas a verdade é que, a cada novo passo, a gente cavava mais fundo o próprio buraco.Peguei o celular, desbloqueei com a digital tremendo, e abri o Instagram — não sei por quê. Talvez pra tentar fugir da confusão dentro da minha cabeça. Talvez pra fingir que a vida dos outros podia me distrair da minha. Mas bastou abrir o aplicativo e lá estava.A notificação piscando em vermelho."VOCÊ FOI MARCADA EM UM VÍDEO"Meu coração parou. E quando cliquei no link, veio o soco no estômago. Literalmente.O vídeo mostrava Leonardo no h
HenriqueUm mês depoisO som dos talheres batendo nos pratos, as risadas misturadas às vozes animadas da minha família… tudo parecia em perfeita harmonia naquela tarde de domingo. Estávamos na casa da minha mãe, celebrando o simples fato de estarmos juntos. A mesa estava farta, cheia de pratos que ela fazia questão de cozinhar quando sabia que todos estariam presentes.Mariana estava sentada ao meu lado, mas eu já vinha percebendo, há alguns minutos, que ela não estava bem. Ela sorria, mas havia um brilho estranho nos olhos dela. Um cansaço que não condizia com a tranquilidade da tarde. A mão dela repousava na minha coxa, como se buscasse firmeza.— Tá tudo bem? — sussurrei, me inclinando até o ouvido dela.Ela apenas assentiu com a cabeça, forçando um sorriso.Foi no momento em que meu irmão falava alguma besteira sobre casamento que tudo aconteceu. Do nada, senti a mão dela escorregar da minha perna. Quando olhei, ela já e
MarianaAquela frase ainda ecoava na minha mente como um sussurro divino: Você está grávida.Por um segundo, meu coração parou. Não de medo, nem de desespero… mas de emoção. Eu não sei explicar. Foi como se todas as partes do meu corpo parassem de funcionar ao mesmo tempo, só pra que minha alma pudesse sentir completamente aquilo.Grávida.No meio do caos que é minha vida, da batalha judicial pela guarda da Isabela, do tratamento contra o câncer, do medo constante de perder o controle… eu recebo essa notícia. Um bebê. Um milagre.As lágrimas desciam pelo meu rosto enquanto eu olhava para o teto branco do quarto do hospital. Senti quando Henrique segurou minha mão e apertou com carinho. Ele estava ali, sempre estava. Eu me virei devagar e encarei aqueles olhos que sempre me trazem paz.— Eu ainda não acredito… — sussurrei, com a voz embargada. — Eu tô mesmo grávida?Henrique sorriu, um sorriso doce, pequeno, mas chei
HenriqueUm dia depoisO celular vibrou na bancada da cozinha enquanto eu terminava de preparar o café da manhã da Mariana. Ela ainda dormia, e Isabela também. O silêncio da casa naquela manhã era quase um alívio — mas um alívio tenso, do tipo que a gente sabe que pode acabar a qualquer momento. Enxuguei as mãos no pano de prato, olhei o visor e vi o nome de Alexandre.— Alô?— Henrique, bom dia. Tenho uma notícia importante.O tom dele era firme, mas havia ali um certo alívio contido. E eu já imaginava do que se tratava.— Fala, Alexandre. O que aconteceu?— Acabei de sair do fórum. Pedi uma medida protetiva contra o Leonardo e a Clara.Por um segundo, parei, tentando entender o que aquilo significava exatamente.— Medida protetiva? Como assim?— Eu entrei com uma solicitação emergencial e o juiz concedeu. Agora é oficial: Leonardo e Clara estão proibidos de se aproximar de você, da Maria
LeonardoUm dia depoisO som da campainha me tirou de um sono leve e irritadiço. Eu estava no sofá, com a televisão ligada num volume quase mudo, mas a cabeça tão cheia que nem lembrava o que estava passando. Clara apareceu no corredor com os cabelos bagunçados e o rosto cansado, e eu já sabia que o dia não ia prestar.Me levantei, ainda com aquela sensação amarga na boca. Ao abrir a porta, dei de cara com um oficial de justiça. Franzi a testa.— Leonardo Monteiro? — ele perguntou, com aquela cara neutra de quem está acostumado a entregar problema em papel timbrado.— Sou eu.Ele me entregou dois envelopes. Um pra mim. Outro pra Clara.— Intimação judicial. Medida protetiva. Leiam com atenção.Clara se aproximou devagar, preocupada.— Que isso?Eu abri o envelope na hora. E conforme meus olhos deslizavam pelas palavras, a raiva foi se formando no fundo da minha garganta como um veneno que
MarianaDois meses.Faltam exatamente dois meses para a minha Isabela completar um ano de vida. Um ano. E eu ainda custo a acreditar que passamos por tudo isso juntas. Cada pedacinho da nossa história ainda pulsa no meu coração como se fosse ontem. Mas agora, a emoção que me preenche é diferente. Não é mais medo. É alegria. Expectativa. Amor em cada detalhe.Estávamos no sofá, eu e Henrique, enrolados numa manta, com minha cabeça apoiada no ombro dele. A barriga começava a se mostrar sob a camisa de algodão, e Isabela estava dormindo no quarto, embalada pelo som suave da babá eletrônica.Henrique passou a mão carinhosamente na minha barriga e sorriu.— Dois meses — ele disse, como se lesse meus pensamentos. — Faltam só dois meses pra nossa Isabela fazer um ano.Meus olhos brilharam na hora. Sentei um pouco mais ereta, empolgada.— A gente precisa começar a organizar a festinha dela!— A gente não — ele riu.