Acordo com o som estridente do despertador, um feixe de luz ainda tímido pelo amanhecer, adentra pela fresta da janela. Aos poucos abro meus olhos, ainda marejados pelo sono por causa da noite mal dormida. A insônia me consumiu a partir das 3 da manhã, após um pesadelo horrível envolvendo mamãe, sua ausência, e o medo constante de não ser suficiente para encarar a vida sozinha. Uma das partes mais aterrorizantes do sonho foi o momento em que eu estava em uma sala escura, e sem conseguir enxergar um palmo à frente, tentava encontrar uma porta, uma saída, mas sem sucesso. A sensação de sufoco me fez acordar suada em plena madrugada de outono. Passei horas rolando de um lado para o outro, envolta em pensamentos. Em certo momento, já entorpecida pelo cansaço, naquele estágio em que estamos quase dormindo mas ainda consciente, olhos azuis invadiram minha mente, e uma voz interna ecoou — você sabe que está começando a deseja-lo.
— Não! Não posso ficar pensando no meu professor de álgebra, isso é tão errado.. sou quase noiva de Max, o que ele faria se pudesse mesmo à distância invadir meus pensamentos e descobrir que estou desejando lascivamente meu professor?! Com certeza isso seria o fim do nosso relacionamento. Mas se eu estou a desejar outro homem, o quão profundo são meus sentimentos por Max? Deveria eu simplesmente bloquear qualquer sentimento por Aleksander ou me entregar a esse sentimento na qual nunca havia sentido antes? Com dificuldade me levanto da cama, a sensação de cansaço físico me incomoda, então o melhor a fazer é tomar um banho quente para aliviar as tensões da noite. Enquanto a água morna desliza pelo meu corpo, recapitulo mentalmente todos os meus compromissos e afazeres do dia: após o café da manhã irei à academia, saio de lá direto para um brunch com minha amiga Dakota Steele. Conheci Dakota há exatamente quinze anos atrás, aos sete na primeira série. Ambas em seu primeiro dia de aula, munidas de um leve nervosismo, nos reunimos no intervalo e desde então nunca mais nos separamos. Nossa amizade é pura e genuína, nos ajudamos em tudo que podemos, ela sempre me dá os melhores conselhos em relação à tudo. Não nos vemos pessoalmente há 4 meses, pois antes de mamãe falecer, Dakota se aventurou em um intercâmbio na Suíça. Estou muito feliz e animada por poder vê-la hoje, quero contar a ela tudo que vem acontecendo em minha vida. Após nosso brunch, vou direto para a faculdade. Por um segundo, o sentimento de tristeza me invade, pois hoje não tenho aula com o professor Schefler — Para com isso, Spencer, uma voz repressiva ecoa na minha cabeça, me fazendo analisar o fato de que eu queria poder ver ele, ficar perto dele. Tenho pensado nele a todo momento desde que o conheci. Arrumo minha bolsa com meus pertencentes necessários para depois da academia, visto um macacão cinza de ginástica, polainas brancas e tênis preto, faço um coque rápido e saio apressada do apartamento, não posso me atrasar. Hoje o dia está ensolarado, bonito, mas com uma brisa fresca que acaricia minha pele enquanto caminho até a academia. Após meu treino, tomo um banho rápido na academia e me arrumo para o brunch. Escolhi um vestido longo floral, em tons de amarelo com mostarda, que delineia minha cintura, brincos de argola e uma bota de cano longo marrom. Um lenço de seda no cabelo arremata o look. Caminho até em direção ao restaurante, o intimista e aconchegante River Café, localizado à beira do East River, com vista para a Brooklyn bridge. Já na entrada, consigo visualizar Dakota sentada em uma das mesas ao fundo, vestindo um look all black, que evidencia seus cabelos loiros. Ela abre um sorriso enorme ao me ver, e se levanta para me abraçar. — Quanta saudade senti de você, Spenny ! Ela me abraça forte enquanto me sacode levemente. Seu abraço sempre foi dessa maneira, apertado, até um pouco desajeitado, mas o único que me traz o sentimento de família. Em meu coração, ela é como uma irmã. Desde pequenas nos chamamos apenas pelos apelidos: Koda e Spenny. — Muita saudade, Koda.. você não imagina a falta que me fez nesses meses aqui sem você. — Prometo que não vou mais viajar por tanto tempo assim.. agora mais do que nunca irei ficar por um longo período aqui em Nova York. — Até parece que eu acredito, Koda.. você tem a alma mais viajante que já conheci. — Serei obrigada a ficar, Spenny .. Sua feição que antes era de alegria se torna séria. — Aconteceu alguma coisa? — Papai teve um AVC e os acionistas decidiram que eu devo assumir seu lugar no comando. Dakota é herdeira do magnata das empresas Riverstone, uma mineradora de pedras preciosas localizada na África do Sul. Apesar de sua família tradicional, ela nunca se encaixou nos moldes e desejos dos pais. Cursou relações internacionais, e após três anos trancou sua faculdade para fazer viagens pelo mundo. Seu espírito aventureiro sempre a forçou a encarar suas próprias vontades e não o desejo dos pais, que almejavam que a filha se formasse, casasse e tivesse filhos. Tudo como os bons costumes ditam. Mas agora, era nítido o desconforto em ter que tomar as rédeas da empresa da família. — Meu Deus, Koda.. você não me disse nada antes. — Não queria te preocupar mais ainda, você já estava passando por um luto, contar só iria te deixar pior. — E como você está se sentindo em relação a isso? O mundo corporativo nunca foi o sonho de Dakota, pelo contrário. A ideia de trabalhar com os negócios do pai nunca a atraiu, seu amor sempre foi pela arte e viagens. — sinceramente.. nunca me senti tão pressionada em toda minha vida! Mas não tenho outra saída, tenho que tomar a frente dos negócios de papai. Eu sou a única que pode fazer isso, já que ele não tem mais filhos, e não confia em ninguém além de mim. Seus pais eram separados desde que ela era uma garotinha. Sua mãe, casou-se com um empresário espanhol alguns anos depois, e desde então vive cada período em algum lugar no mundo. O espírito aventureiro e nômade certamente veio de sua mãe, que sempre foi uma boa pessoa, mas não uma mãe presente. — Sinto muito, Koda. Saiba que estarei ao seu lado em todos os momentos. O que precisar você pode contar comigo. — Você é um anjo, Spenny.. agora me fala de você, como está sendo o retorno pra faculdade de arquitetura? — Está sendo bom, manter meus dias ocupados com algo produtivo tem me feito muito bem. Você sabe.. com a ausência de mamãe, eu estava presa em um espiral de sofrimento. Mudar o foco tem me ajudado com o luto. Por um instante, senti a vontade de contar que conheci o professor Aleksander Schefler, mas será que Koda iria me julgar, assim como eu mesma já me julgava? — A verdade é que venho me sentindo atraída por outro homem além de Max.. As palavras pularam fora da minha boca, quase como se ela tivesse vida e vontade própria, como uma confissão que precisava ser dita. — E quem é esse homem misterioso? Seu olhar era de curiosidade e não de julgamento, como se o que eu tivesse acabado de confessar não fosse moralmente errado. — Meu novo professor de álgebra, Aleksander Schefler. Um breve silêncio tomou conta da mesa, e por alguns instantes, Dakota me olhou como se me estudasse, afim de captar algo subjetivo em meu semblante. — Nunca vi seus olhos brilharem tanto ao pronunciar o nome de alguém. Acho que tem alguém começando a ficar apaixonada.. O brunch se estendeu um pouco além do planejado, me despedi de Dakota e segui rumo ao outro lado da cidade, em direção à faculdade. Precisava fazer um trabalho na biblioteca. No caminho até a faculdade, não pude deixar de pensar na frase de Dakota.. o que eu realmente estava sentindo pelo professor Schefler? Seria somente atração ou eu realmente estava começando a me apaixonar por outro homem?