Entre idas e vindas eu cresci
Entre idas e vindas eu cresci
Por: Emíliana Vaz
Capítulo 1

(As informações na troca dos capítulos foram retiradas da internet assim como alguns eventos reais narrados durante o percurso da história.)

(Todos os personagens e o enredo dessa novela é ficção e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.)

(No decorrer da narrativa, alguns personagens usam o português coloquial.)

(Agradeço a todas as pessoas que de alguma forma contribuíram para a publicação do livro, em especial a Jane dos Anjos criadora da capa, e a Sara Pulla, minha sobrinha, modelo das capas de divulgação e capa interior.)

(Nesse livro há trechos de sexo explícito. Desaconselhável para menores de 16 anos)

(Um agradecimento especial a Lidiane R Rodrigues e Paula Assis que ajudaram na leitura e correção desse livro.)

1ª Edição em fevereiro de 2017, escrito, editado, corrigido por Emiliana Vaz

                                Notas do Autor.

  Enquanto eu preparava a edição dessa novela para o computador, aconteceu uma triste tragédia no dia 29/11/2016.

Um avião que levava a delegação da Chapecoense para Medellín, na Colômbia, caiu a poucos quilômetros da cidade colombiana, matando 71 de seus 77 passageiros. Entre as vítimas, 50 eram da equipe de futebol Chapecoense e 21 entre jornalistas e fotógrafos.

Uma tragédia que comoveu o mundo inteiro.

Com a novela de Sarah e Kaue, presto uma singela homenagem aos familiares das vítimas desse triste acidente.

                                                    

Era uma vez... Um amor entre uma bola e uma guitarra

                                      

                                             

                                   

                                  

                                   Prólogo  

  

     O garoto correu até Argos, suado, sujo, de pés descalços e sorriu. Sabia que dentro da sacola tinha um lanche para ele.

    ─E aí, moleque!

    ─Beleza, tio?

    ─Beleza! Muitos gols?

    ─Três! - o garoto sorriu feliz!

    Estava ali uma coisa que Argos admirava naquele menino de oito anos, a alegria e a vontade de viver para vencer. Embora muito pobre, se alimentava de esperanças.

    ─Vencer ou morrer!

    ─Não, tio Argos. Vencer ou vencer! É verdade que vai construir casas aqui no terreno?

    ─Vou sim. Daqui a dois meses começam as obras.

    ─Que pena... Terminou com nosso campinho.

    ─Logo você vai tá arrasando nos campos, moleque. - o sujeito riu. ─Pega teu lanche.

    O garoto abriu o pacote, e lá estava o que ele mais gostava nos seus dias, o lanche do tio Argos, um refrigerante e um sanduíche de mortadela. O garoto nunca o questionava, mas naquele dia...

     ─Por que me traz esse lanche todo dia, tio?

     ─Pra você crescer forte e se tornar o grande jogador que tanto sonha. Melhor do que Pelé.

     ─E do Zico. - ele sorriu com a falta de um dentinho. ─Obrigado tio! Pelo lanche e por ser meu amigo.

Emocionado o sujeito o escabelou e foi para o seu velho fusca. Tinha pena da família do garoto. Cinco irmãos, a mãe viúva. Gostava dela. Pena que ela não lhe dava a menor chance. E, de uma coisa, Argos tinha certeza, aquele menino chamado Kaue, do jeito que jogava, iria longe!

  Anete entrou na sala e encontrou a filha de dois anos atirada no chão perto da velha caixa de som. Tocava Elis Regina. Anete amava Elis! Mas a filha...? Sarah batia a mãozinha no chão com os olhos fixos no alto falante. Parecia em transe.

     ─Essa menina tem algum problema...

    Alguns dias mais tarde, Anete a viu sentadinha no chão com uma boneca no colo, enrolando a língua como se cantasse em inglês. Na rádio tocava uma música chamada Sarah da Banda America.

Ela levantou os olhos, e fitou a mãe sorrindo, cantando a letra como se fosse uma inglesa de nascença.

    ─Você me assusta menina... - disse Anete sentando-se ao lado dela. A criança cantou a música no seu tom e com as palavras certas e não tinha três anos completos. ─Somos fãs do America... - Anete riu. ─Você gosta de cantar, isso é visível. -Anete se deitou no chão e a menina fez o mesmo. Ambas viradas uma de frente para a outra. Anete chorou. ─ Precisamos ir embora daqui... Eu e você. O homem mau tá querendo bater na mamãe, sabe? E homem algum vai ter esse prazer de novo. Seu avô foi o primeiro e o último!

   Sarah passou a mãozinha na face dela e elas adormeceram assim, abraçadas. Com o passar do tempo, as coisas mudariam. No entanto, uma coisa Anete tinha certeza, Sarah era especial e nasceu para brilhar!

   

                                    

                                          2016

   Kaue entrou no possante carro importado. Fitou o cemitério, o qual acabava de sair. Quando batia a saudade ia até lá visitar as pessoas que amava. Ou pelo menos tentar senti-las. Era o que lhe restava. Suspirou tristemente. Ligou o celular conectado ao rádio e a Banda America começou a tocar a sua música preferida, Sarah.

Sarah, por favor,

Onde está o amor que você disse que iria guardar para mim

Eu sou um tolo de pensar que algo está estranho

Eu acho que você mudou

Golly, pai

Ela foi a melhor coisa que eu já tive

Rasgado e surrado agora e devido para reparação

Mas ela não está lá

O que importa, e quem realmente liga

Sem ninguém a quem recorrer quando ela não está lá

Ah, mas está tudo bem, eu vou superar

A milhas de distância

Deixado aqui esperando, com um coração partido

Me xingue, mas eu vou me recusar a chorar

Não peça o meu "por que"

O que importa, é quem realmente liga

Sem ninguém a quem recorrer quando ela não está lá

Ah, mas está tudo bem, eu vou superar

   Ele sorriu e apertou o acelerador. Suas estrelas Sarah, Helen e Anete estavam lhe esperando. Tinha uma viagem importante a fazer. Precisava pegar o voo para Los Angeles. Umas das viagens mais bonitas de sua vida!

                                              

                                           1

 

(Exagerado

foi o primeiro álbum de Cazuza, lançado em 1985 pelo cantor, após sair do Barão Vermelho. Primeiramente havia vendido 15 mil cópias e até hoje vendeu quase 750 mil cópias.)

     Era seu primeiro dia de aula na nova escola. Sarah sentia um frio contínuo no estômago. Não tinha ideia do que iria encontrar. Naquele dia, 14 de março de 1985, o presidente Tancredo Neves fora internado no Hospital Geral da Base de Brasília com suspeita de apendicite, um dia antes de tomar posse. Existia uma comoção por parte do povo brasileiro.

       Aos dez anos, Sarah tinha outras preocupações. Vencer a luta diária de uma vida desregrada e confusa ao lado da mãe. Para piorar, estava fora do horário e quando passou pela porta da sala de aula da quinta série, foi barrada pela professora.

         ─Atrasada em seu primeiro dia de aula menina! Apresente-se.

Sarah passou os olhos em volta, alguns rostos amistosos, outros indiferentes e alguns com antagonismo. Sentiu-se num campo de batalha pronta a ser exterminada.

          ─Eu me chamo Sarah...

          ─Continue. Sarah do que? De onde? Filiação?

    O que essa mulher quer? Que eu tenha um RG com dez anos?

          ─ Sarah Luiza da Silva, nasci em 15 de janeiro de 1975, em local desconhecido, sem pai e uma mulher que parece ser minha mãe, mas que não tem jeito nem cara de mãe e se chama Anete Pereira da Silva!

Ela pensou rindo ironicamente. Com o pigarrear da professora, ela acordou e disse num tom baixo.

           ─ Luiza. Tenho dez anos e sou daqui de Niterói. - mentiu.

    A mulher, gordinha, baixinha, com cara de quem vivia azeda, mandou que se sentasse. Sarah escolheu a cadeira no fundo da sala ao lado de uma menina de pele negra, cabelos afros bem puxados para trás, amarrados. Ela levantou os olhos para fitar Sarah com um falso sorriso meigo.

     ─Cuidado branquela! Sentada aqui perto de mim pode se sujar... com a classe inteira. Eles não gostam de gente preta.

     ─Preta é minha cor preferida.  E a Preta já sabe que a branquela se chama Sarah.

A moreninha riu com gosto.

     ─Gloria Maria.

    ─Você foi indicado por uma amiga. Quero que dê aulas de violão pra minha filha.

Julio olhava a jovem e linda mãe dos pés à cabeça. Um pedaço de mau caminho, embora fosse baixinha, era toda linda.

    ─Eu costumo fazer uma seleção antes de escolher meus alunos. Preciso saber se realmente a criança tem dom para tocar.

    ─E que diferença isso pode fazer?

    ─Muita! Não gosto de perder meu tempo.

    ─Por acaso é algum astro da música que eu não conheça?

    ─E a madame conhece música?

    ─O suficiente pra dizer que você não vive no mundo musical. - ela bufou irritada. ─Eu vou pagar a hora. Se for o caso pago o dobro. Minha filha não é uma criança comum. Desde que aprendeu a falar, ela canta. Ela toca violão desde os cinco anos, porém, não sabe o que está tocando. Entende? Quero que você a ensine. Pago o que for preciso.

    Julio a estudou mais um pouco. O que ela deveria ter? Vinte e cinco, no máximo, vinte e seis anos. Ele acendeu um cigarro. Ela odiou o cheiro.

    ─Farei um teste com ela amanhã. Verei o que posso fazer.

Ela assentiu aliviada. Ia partir, mas se voltou.

    ─Ela é diferente. Preste a atenção nela.

    ─Ela sonha em cantar ou esse sonho é o seu?

    ─Não seja inconveniente. Sarah é a própria música! E por favor, não fume perto dela.

Julio a observou ir embora parado a porta. Era uma linda mulher, roupas da moda, arrogante e metidinha. Fazia muito tempo que não se deparava com uma mulher tão interessante.

Em seguida, um carro de luxo parou a porta e uma linda menina desceu com a ajuda do motorista.

    ─Papai!

Ele abriu os braços para receber a única coisa que fazia sua vida valer a pena, sua filha.

    No treino pela manhã, Kaue correu, fez os exercícios a mando do professor de educação física, e por fim jogaram uma pelada com a turma do último ano. Fez dois gols e levou a pequena torcida em volta do campo da escola ao delírio. No banheiro sentiu-se mal. Sentou-se no banco e ficou quieto por um momento. Meio dia e meia e ainda não tinha comido nada desde a noite anterior.

    Ficou órfão de pai aos seis anos e dava um duro danado ao lado do irmão dois anos mais velho, Dani de quatorze, juntando lixo reciclável, limpando pátio da vizinhança, e até limpeza no bar de um conhecido para ajudar a mãe, Helen, que trabalhava como faxineira para sustentar a casa e os cinco filhos.

   Levantou o pé, seu tênis estava furado. Por um momento o choro veio a garganta. Com esforço o segurou, bravamente. Não era o tipo de sentir pena de si mesmo. Precisava voltar para casa, comer alguma coisa, se tivesse, e ir trabalhar com o irmão a tarde. A entrada do professor de educação física o tirou de seus pensamentos.

     ─Tudo bem, garoto?

     ─Tudo certo, professor João.

O homem o analisou. Ele estava pálido. Conhecia a história difícil de Kaue e faria de tudo para ajudar aquele menino a realizar seu sonho.

    ─Amanhã virá um olheiro aqui na escola assistir ao treino de vocês. Está pronto pra mostrar o que sabe fazer em campo?

    ─Nasci pronto. - Ele riu feliz.

    ─Ótimo! Vamos a cantina. Hoje o almoço é por minha conta.

Kaue sentiu o rosto inchar de vontade de chorar. Se conteve sorrindo agradecido e acompanhou aquele homem que gostava como se fosse um pai.

    

   ─Aquele é Tor. - disse Gloria na hora do recreio para Sarah. Estavam sentadas num canto do refeitório afastadas observando ao redor. ─O nome dele é Torquato. – elas riram. ─Pode entender o apelido! Vê como ele é grande? Tem apenas treze anos e um cérebro atrofiado. Está na turma dos atrasados. Há três anos ele repete o quinto ano.

  Elas riram ainda mais. 

   ─Ele tem um irmão especial e uma avó que bebe muito. Arranjou um jeito de ganhar dinheiro, brigando. Disse que vai ser lutador profissional quando crescer. Não sei aonde ele vai parar se crescer mais do que aquilo.

Gloria fitou o garoto do outro lado do refeitório. Alto, magro, cabelos claros e compridos e olhos verdes. Estava acompanhado com mais três garotos.

    ─Aquele é o grupo dos drogados. Todos eles. E tem mais pela escola. O loirinho é o Raimundo, tem quatorze anos e exige que o chamem de Ray. Disse que é o Ray Charles na versão branca e a diferença é que ele é o rei da guitarra. Eu nunca o vi tocar, mas dizem que é fera. Ele é... autodidata. Não sei bem o que é isso.

 Sarah estava com os olhos fixos nele.

     ─É quem aprende sozinho. Sem a ajuda de professores, entende? - Como eu, ela pensou.

     ─Entendi. Aquele menino é problema na certa. Fique longe dele - Gloria passou os olhos pelo recinto. ─Aquela morena no meio do refeitório com aquele bando de puxa sacos em volta, é Dalva, a rica da escola. Tem treze ano. Se acha a rainha do pedaço. Todo mundo a obedece. – a menina baixou os olhos cansados. ─Meu pesadelo diário.

     ─Pesadelo? Por quê?

     ─Adora pregar peça em quem ela não gosta.

    ─Que tipo de peça?

Gloria não conseguiu responder. Todos voltaram a atenção para o garoto que acabava de entrar no refeitório ao lado de outros meninos com o professor João numa grande algazarra. Sarah desviou o olhar para ver o motivo do interesse de Gloria.

        O garoto na frente do grupo ao lado do professor era alto, cabelos e olhos escuros. Corpo magro e andar lento. Um sorriso radiante e olhar vivaz.

        ─Aquele na frente é o Kaue. O astro do time de futebol da escola. Tem doze anos. É a atração das meninas na escola inteira! Todas o querem! Inclusive a rica que faz de tudo pra que ele seja dela. Parece que nem com toda grana dela o garoto pobre a quer.

         ─Nesse todas inclui você? - Sarah perguntou sem desviar os olhos dele que caminhava como se estivesse em câmera lenta.

         ─Lógico que não, branquela! Tomara que você não faça parte desse grupo...

         ─Ora, que bobagem! Eu tenho dez anos Gloria. Não tenho idade pra pensar em garotos. - ela desviou o olhar e parou na mais nova amiga.

         ─E pode me dizer no que pensa?

         ─Em música.

         ─Você toca algum instrumento?

         ─Violão. Anete... minha mãe, tá procurando um professor pra me ajudar. Eu toco, mas não sei o que tô tocando, entende?

         ─Sim, você e Ray são do mesmo grupinho de autodidatas.

   Sarah assentiu com a intenção de responder, quando a moreninha chamada Dalva parou em frente a elas com mais quatro amigas.

          ─Juntou a fome com a vontade de comer. Vocês combinam. Leite com café, ou seria café com leite? Já contou pra novata como as coisas funcionam por aqui, pretinha?

        Gloria ficou em silêncio de olhos baixos.

         ─Viu novata?  É assim que as coisas funcionam, quando eu chegar perto, você baixa os olhos e fica calada. Como a sua mais nova amiguinha fez agora.

    Sarah queria retrucar, mas a menina virou as costas e saiu com passos rápidos atrás do astro de futebol.

     ─Você não deveria deixar essa ridícula falar assim com você, Gloria.

     ─Você não sabe do que ela é capaz... Espere e verá.

      Julio estava embasbacado. Aquela menina acabava de tocar e cantar Chelsea Morning de Joni Mitchell. Esperava qualquer porcaria que tocava no rádio, mas não. Teve aquela grata surpresa.

    ─Você sabe o que cantou em português?

    ─Sim. - ela traduziu a música. ─ Acordei, era uma da manhã de Chelsea e a primeira coisa que eu vi era o sol através das cortinas amarelas e um arco-íris na parede azul, vermelho, verde e dourado para recebê-lo, os grânulos de cristal vermelhos para acenar

Ela cantou mais duas canções de Joni. Julio estava extasiado com o gosto e o requinte musical daquela menina. A mãe dela tinha razão, ela não era uma criança comum.

    ─Onde aprendeu inglês?

    ─Nos livros na biblioteca.

     Mais tarde conversando com Anete, ele perguntou:

    ─Como ela aprendeu inglês tão perfeito? Vocês são de origem inglesa? Alguém na família que fale inglês, fluentemente?

       Anete riu irônica.

    ─Eu disse que ela não era comum. Sarah descobriu a música quando tinha um ano de idade. Aos dois anos deitava no chão perto da vitrola e ficava ouvindo todo tipo de canção. E aos três anos me assustou quando começou a enrolar a língua e cantar em americano. Desde então ela nunca mais parou.

Julio assentiu, realmente, impressionado. Muito mais com o desejo que estava sentindo por aquela mulher.

    ─Eu vou dar aulas pra Sarah.

    ─Quanto vai me custar?

    Houve uma pausa.

    ─Não vou cobrar em dinheiro.

   Anete o olhou com raiva, no entanto, já esperava. Aceitava o preço, diferente, que algumas pessoas colocavam em seus trabalhos, e principalmente, sobre ela.

     Lentamente foi até ele, tirou a blusa e deixou os longos cabelos ondulados levemente caírem sobre ombros e costas. O fino soutien exibia os mamilos apontados para ele.

     ─Vai ensinar tudo que ela precisa e cuidar bem dela?

     ─O que você quiser. - ele puxou o seio dela para fora do soutien e sugou o mamilo com vontade.

Ajoelhou-se no chão, levantou a saia dela, segurou as nádegas roliças e duras puxando-a de encontro ao seu rosto. Ele vibrou, pois Anete foi até a casa dele, preparada, e sem calcinha.

      Kaue esperou o zagueiro atacar para roubar a bola. Quando ele tentou, aproveitou a falta de equilíbrio do defensor e partiu correndo velozmente para a pequena área fazendo um golaço. O goleiro ficou, totalmente, aturdido. O atacante corria de braços abertos pelo campo, enquanto era ovacionado fora dele por um bando de meninas alucinadas.

       Sarah balançou a cabeça num misto de sensações, encantada pelo futebol do garoto, e perplexa com aquelas meninas com tão pouca idade se atirando para ele.

       Gloria riu:

       ─Vai se acostumando, branquela. É assim pra pior!

       No recreio, Sarah aproveitou para ir ao banheiro. Lavava as mãos na pia quando ouviu barulhos estranhos. Pareciam estalidos e vinha de uma das dez portas fechadas. Curiosa, pé por pé, ela foi até a porta de onde vinha o barulho e olhou pelo buraco da fechadura. Sufocou o grito colocando a mão na boca.

      Dalva estava com a saia levantada, enquanto um garoto que Sarah não pôde ver quem era, a masturbava. Não queria nem saber. Estava enojada. Tinha apenas dez anos, não pensava nessas coisas, mas na sua época, a sua geração, estava bem adiantada com as questões sexuais.   Ela acabava de comprovar o que ouvia falar na televisão, ao vivo e a cores!

   O movimento estudantil travava uma luta para adquirir alguns direitos no país, como votar antes dos dezoito anos, e a prática do sexo ficava cada vez mais comum, entre os jovens, cada vez mais jovens, que sonhavam com a liberdade para agir e se expressar. Sarah não estava nem um pouco preocupada com essas questões.

   Tinha muito a questionar como: qual era sua função no mundo? Por que não tinha uma família normal? Um pai amigo que a protegesse e amasse? Uma mãe que ficasse em casa cuidando da família como a maioria? Culpava Anete por privá-la de tudo isso. Precisava estudar, estudar, e estudar para fazer o que desejava: se libertar!

   Perdida em suas divagações acabou por colidir com uma rocha. Foi segura por duas mãos firmes. Levantou o rosto e se deparou com o astro da bola da escola. Ele a olhava surpreso, ela assustada. Ele era muito mais bonito a um palmo de seus olhos. Kaue estava aturdido com aquele rosto de anjo. Olhar azul, face pálida, nariz pequeno arrebitado, lábios finos bem desenhados.

    Os cabelos lisos e loiros caíam pelos ombros e costas, repartidos ao meio. De onde saiu àquela menina que ele ainda não tinha visto?

     ─Eu a machuquei?

     ─ N-não...

     ─Certo. - ele a soltou, rapidamente, ao sentir como ela estava incomodada com seu toque. ─Aluna nova...

     ─Sim... - e ela voltou a andar ouvindo a pergunta atrás de si.

     ─De que turma?

Ela não respondeu. Tudo que queria era sumir dali de uma vez.

     Sarah sentou à mesa do refeitório num canto. Gloria faltou à aula naquele dia. Olhou em volta, sentiu-se sozinha. Estava acostumada com a solidão. No entanto, aos poucos a nova amiga preenchia um espaço antes lacrado. Procurava não se apegar em ninguém, até porque não paravam em um lugar por muito tempo.

      Quando Anete resolvia levantar acampamento de um bairro para outro ou até de cidade, só lhe restava obedecer. Ia contra vontade, pois sabia que um dia poderia fazer suas próprias escolhas.  E nelas, Anete não teria vez. Pegou a mochila para tirar seu lanche, abriu-a e levou um susto danado, gritou ao ver um sapo pular em seu colo chamando atenção de todos. A maioria ria a valer. Outros estavam enojados e algumas meninas corriam fugindo do sapo que pulava perdido no imenso salão.

       Sarah tremia e continha as lágrimas de humilhação. O primeiro rosto que viu a sua frente foi o de Dalva, rindo e dizendo com os lábios: “Coitadinha...” Virou para sair correndo, uma mão potente vinda de algum lugar, a impediu.

     ─Você tá bem?

Ela ficou ainda mais apavorada. Era Kaue, novamente, e fazia pouco mais de uma hora que trombara com ele.

     ─Tô... Me deixe ir...- ela se soltou e correu.

    Onde fica o fim do mundo?

    

     Sarah estava sentada perto do campo de futebol, quando viu um garoto se aproximar carregando a mochila que ela deixara no refeitório. Tor.

      ─Você esqueceu lá dentro, nanica.

      ─Obrigada, gigante!

   Ambos riram. Ele sentou do lado dela.

      ─Vai se acostumando. Aqui é assim. O forte domina o fraco. Você parece que tá em desvantagem, nanica.

       ─Tamanho não é documento.

       ─Sei que não. Já vi muito grandão apanhar de gente duas vezes menor. Não eu. - ele riu orgulhoso. ─Eu entro numa briga pra bater. Posso até apanhar, mas bato até vencer. Vou ser lutador!

     Sarah sorriu.

     ─Você até que é bonitinha.

     ─E você só tem tamanho, a mim não mete medo.

   Novas risadas.

     ─Se cuida, nanica. Principalmente com as cobras da escola.

     Anete esperava o chefe na sala dele. Trabalhava numa lanchonete perto de casa. Ou melhor, fingia que trabalhava. Era paga para ser amante do patrão. Era bonita, gostosa e usava esses atributos para tirar o sustento dela e de Sarah, já que era impossível fugir as investidas da maioria. Ainda mais quando ficavam sabendo que ela era solteira. Para não perder tempo, assumira o prazer como uma profissão, serviços prestados.

   Quando ele entrou, ela já estava nua esperando por ele deitada no sofá.

   ─Ah, minha gata gostosa, você me deixa maluco!

Atirou-se em cima dela apalpando-a. Precisava ter paciência com a impetuosidade daquele morto de fome por sexo.

    ─Então trate de me dar mais grana... - ela abriu as pernas para ele. 

    ─O que você quiser minha puta safadinha...

No ônibus, no caminho de casa, Anete suspirou fundo. Levava refeição pronta e a roupa lavada na lavanderia estava paga. As contas da casa estavam em dia. Precisava pagar à senhora da faxina, dona Amélia.  Só teria tempo de chegar em casa tomar um banho e ir à casa de Julio. Era o trato, três vezes por semana as aulas de Sarah. Três vezes por semana ela o visitava para o pagamento.

     Sentiu um frenesi. Era tesão. Julio era um homem atraente e sabia, exatamente, o que fazer com ela. E, uma coisa ela não podia negar, sua natureza ardente. Era assim, Anete catalogava os homens pela maneira como faziam sexo e lhe davam prazer. Era somente para isso que os homens prestavam: dar prazer, alguns, e dinheiro, poucos. A maioria era desprovido das duas coisas. Sendo assim, nessa escala, a maioria, também, eram totalmente descartáveis.

                                                    

                                            

                                         

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