📖 Capítulo 4 – Fé, Desejo e Silêncios
Os dias passavam e a rotina de mensagens, áudios e chamadas em vídeo se tornara a respiração de Ane e Moreno. Havia uma intimidade construída nos pequenos gestos: ele enviando fotos de suas corridas pela orla de Cienfuegos, ela mostrando o crochê que começara, mesmo sem muito entusiasmo. Mas, por trás da ternura, algo latejava: um conflito que ambos não conseguiam ignorar. Era uma noite abafada na Bahia quando Ane entrou em chamada com Moreno. A mãe já dormia, a filha ainda revisava um trabalho da faculdade de Direito no quarto. Ane, sentada à mesa da cozinha, segurava uma caneca de chá de camomila. A tela se iluminou com o rosto dele, o sorriso familiar. — Hola, mi bombón de chocolate. — disse, com a voz quente que parecia atravessar oceanos. — Oi, meu amor… — respondeu, mas havia algo em seu olhar que o deixou atento. — Te veo pensativa. ¿Qué pasa? Ane respirou fundo. — Eu fico tentando entender como você lida com tudo isso, Moreno… comigo, com minha fé, com a distância, com as limitações. Ele ergueu a sobrancelha, apoiando o queixo na mão. — Yo no creo en Dios, Ane, pero creo en lo que siento. Y lo que siento es fuerte, es real. ¿Qué más necesito? Ela desviou o olhar. — Para mim, não é tão simples. Minha fé não é só um detalhe, é parte de quem eu sou. Moreno ficou em silêncio por alguns instantes. — Lo sé… y a veces me siento afuera de tu mundo, como si hubiera una barrera invisible entre nosotros. Essas palavras pesaram no coração dela. Queria dizer que não havia barreira, que tudo podia se resolver com paciência e amor. Mas sabia que não era tão fácil. — Você sabe que eu também tenho desejos, Moreno. — admitiu, com a voz quase num sussurro. — Mas eu aprendi a controlá-los. Eu oro, busco força. Ele a encarou, sério. — Y yo no oro. Yo siento. Mi cuerpo te busca aunque no estés. Y sí, tengo deseos, Ane, porque soy hombre. Pero eso no significa que no pueda esperar. Ela estremeceu. Parte dela se acalmou com a firmeza dele, mas outra parte temia. — E se um dia você não conseguir esperar mais? — perguntou, encarando-o pela tela. Moreno passou a mão pelo rosto, cansado. — No te mentiré, es difícil. Pero cada día que resisto, lo hago por ti. Porque quiero que cuando estemos juntos, sea limpio, sea nuestro. No una carga. As palavras dele a tocaram profundamente. Ainda assim, o silêncio seguinte foi incômodo. Ane mexia na caneca, evitando olhar direto para a câmera. Moreno suspirava do outro lado, como se lutasse contra algo que não podia nomear. — Eu tenho medo de te perder, Moreno. — confessou, baixinho. — Y yo tengo miedo de que tu fe me aleje. — respondeu ele, sem rodeios. O silêncio voltou, pesado, até que ela riu de nervoso. — Nós dois somos complicados demais, não acha? Ele riu também, quebrando a tensão. — Sí… pero por eso nos llamamos destino. ¿Quién más aguantaría esta locura? Ane balançou a cabeça, um sorriso discreto surgindo. — Você sempre sabe o que dizer. — Es que te amo, mi bombón. Apesar da reconciliação, o assunto ficou latejando em suas mentes. Ane foi para o quarto naquela noite e ficou orando, pedindo clareza e forças para manter o coração firme. Moreno, em Cienfuegos, abriu o caderno e escreveu mais um poema, tentando transformar desejo em palavras. "Te espero en mis sueños, donde no existen fronteras, donde tu fe y mi duda se vuelven la misma hoguera." Ele fechou o caderno, deitou-se na cama, mas o sono demorou a vir. A imagem de Ane, seus olhos cheios de fé e ao mesmo tempo de medo, não saía de sua mente. Ambos adormeceram naquela noite com o coração dividido: entre a fé e o desejo, entre a paciência e o risco da espera.