Depois do lanche, o Murilo foi nos deixar em casa. Eu ia no banco de trás com a Anna, que não parava de fazer perguntas o tempo todo. Murilo não parava de me encarar pelo espelho. Até que a Anna resolveu fazer mais uma pergunta;
 – Murilo, você está namorando com a Gabi?
  Nesse momento não sabia onde enfiar minha cara, fiquei com vergonha. O Murilo por sua vez começou a rir sem parar até que respondeu.
 – Não, Anna , ela não me quer.
  Falou ele, em seguida olhou para mim, pelo o espelho.
  Eu fiquei calada e desviei o olhar. Ao chegar em casa, ouvi bagulhos, era o meu pai bêbado quebrando as coisas. Nesse momento fiquei sem ação, ele sempre bebia, mas nunca foi agressivo em casa. Saí do carro e corri para abrir a porta.
  O Murilo saiu também e entrou junto. Me deparei com meu pai com as mãos ensanguentadas, de quebrar as garrafas de cachaça, juntamente com os quadros das fotos da mamãe. A Anna coitadinha ficou assustada com a cena, começou a ter crise de falta de ar. Meu pai quando viu a reação dela sentou e começou a chorar do lado dela.
 – Me perdoe minha filha, eu não queria tá assim... Eu vou parar, eu juro... Me perdoe por favor...
  Falava meu pai enquanto chorava abraçado com a Anna.
 – As fotos da mamãe, você quebrou... Você destruiu tudo . Eu odeio você.
 disse a Anna e saiu correndo para o quarto.
  Depois meu pai chorou ainda mais.
 – Eu não consigo minha filha... Sua mãe se foi, mas eu não consigo superar. Eu bebo para esquecê-la. Mas hoje eu passei dos limites, me perdoe...
  Falava pra mim.
  Eu não falei nada, só fui até a cozinha pegar as coisas pra limpar aquela bagunça. Por outro lado, estava com vergonha do Murilo ver aquela cena.
  Nesse momento o Murilo sentou ao lado do meu pai e começou a falar .
 – Olha, eu sei que não tenho nada a ver, mas queria encontrar neste momento as palavras certas para confortar o seu coração, mas não é fácil saber o que dizer para quem teve uma perda tão dolorosa e eu tenho certeza que vocês fariam tudo para poder trazer ela de volta... Mas o senhor já imaginou o que ela ia achar de vê-lo assim?... Fazendo suas filhas sofrerem, além de ter perdido a mãe, vê o pai se acabando aos poucos?
  Meu pai se calou pra escutar o que Murilo falava, pude perceber que aquelas palavras fizeram algum sentido pra ele.
 – Minha esposa não queria isso. Mas eu não consigo.
  Começou a chorar novamente.
 – Minhas filhas, elas sofrem demais, eu sei. Mas não consigo, eu só quero beber.
 – Mas o senhor ao menos tentou?
 – Não .
 – Então não diga que você não consegue, se você nem tentou .
 – Você tem razão, rapaz, eu vou parar... Pelas minhas filhas eu vou conseguir.
 Disse meu pai com a voz embolada de tão bêbado que estava.
 – Tenho uma ideia, você vai dormir agora, esfriar a cabeça e quando acordar, você fala com suas filhas, pede perdão e o principal, vai começar a se tratar. E eu pessoalmente quero acompanhar o progresso.
  Então ele ajudou meu pai a ir pra cama enquanto eu terminava de limpar a bagunça. Depois foi até o quarto da Anna. Com o silêncio e o som de uma conversa de longe, fui andando em pequenos passos e fiquei no canto da porta sem que ele me visse. Ele estava conversando com a Anna.
 – Eu odeio ele, odeio.
  falava a Anna chorando.
 – Não fala assim, o seu papai só está doente.
 – Doente? Quando eu estou doente não destruo as coisas, e ainda mais as únicas lembranças da mamãe .
 – Olha, é que o seu papai sente tanto a falta da sua mamãe que seu coração tá fraquinho, e por isso ele fez isso. Mas olha Eu dei uma bronca nele (nesse momento ele fechou a mão e bateu em seus peitos querendo mostrar firmeza pra ela)
 -Falei pra ele , escuta aqui você ,não é pra fazer mais isso. Você deixou a Anna muito chateada e amanhã você vai tomar remédio para passar essa doença e deixar ela feliz. Você está escutando?
 Pude ver um pequeno sorriso da Anna enquanto ele falava.
 – E ele falou que vai tomar Murilo ?
 – Ele falou que vai tomar sim. E eu vou ficar aqui para ajudar ele. Eu e você, o que acha da gente ajudar o papai a se curar ?
 – Eu, você é a Gabi também .
 Completou a Ana
 – Claro. A Gabi também ... Agora mocinha você tira esse choro do rosto, dá um sorriso lindo, e força para o papai.
 – ÊÊÊ... Gritou a Anna.
  Então o Murilo, levantou da cama.
 – Agora o tio aqui vai ter que ir embora, porque vai ter que trabalhar, tá bom?
 – Tá bom, mas não esquece viu, do papai ?
 – Claro que não . Eu prometo que volto, agora b**e aqui.
 Falou ele levantando a mão pra Anna bater.
  Então corri de volta pra sala, e fingi que estava limpando.
 –Tudo resolvido. Disse ele.
 – Nossa não sei nem como te agradecer.
 – Seu pai vai sair dessa... Eu vejo nele a vontade de se curar. E isso é o que vai dar forças para ele. Só precisa de apoio e principalmente paciência.
 – Ah, isso eu tenho demais...
 – Eu ia te convidar para passear mais tarde, mas com tudo isso que aconteceu, acho que você não aceita.
 Disse ele na porta.
 – Me desculpe, mas tá muito cedo. Mal conheço você ... E outra, minha vida é tão difícil... Não quero me envolver com ninguém, eu dedico minha vida á Anna e meu pai. Tenho fé que ele vai sair desse vício.
 – Caramba...
 Disse ele passando a mão na nuca..
 – O que foi?
 – Nada ... É a primeira vez que eu levo um fora...
  Disse ele meio sem graça .
 – Me desculpe... Mas sou sincera.
 – Tá bom, melhor eu ir ... Não quero incomodar você.
  –Ok ... Mas você não está me incomodando, só joguei a real.
 – Jogou a real .... Sei, então tá, até mais.
  Nesse momento a Anna veio gritando o nome dele pela casa .
 – Murilo... Não esqueça do nosso trato viu.
 – Claro, Anna . Se a sua irmã deixar eu venho tá .
 – Eu deixo. Quem manda aqui sou eu ... E vou convidar você pra ir para o park e ela não vai. Disse a Anna toda autoritária.
 Ele começou a rir enquanto tirava algo do carro.
 – Aqui está meu cartão . Se precisar de algo pode me ligar.
 – Muito obrigada mesmo ....
 Respondi.
  Ele se aproximou do meu rosto e me deu um beijo no cantinho da boca, em seguida me olhou bem no fundo dos meus olhos. Aquele olhar me transmitia uma paz. Depois ele deu um beijo na Anna e foi embora, e eu fiquei ali, suspirando por ele.