Você me pertence, esse lugar me pertence. Então, posso entrar quando e onde eu quiser.

Abro os olhos devagar, e vejo um teto branco com ornamentos dourados. A retrospectiva dos últimos acontecimentos passa por meus pensamentos e isso me faz me sentar assustada.

— Finalmente acordou. Vou chamar Said.

Escuto a voz de uma mulher, viro meu rosto e vejo uma senhora baixa de cabelos brancos, seus olhos sobre mim são bem depreciativos. Ela se vira e sai por uma grande porta arredondada do enorme quarto. Percebo que ela o trancou, pelo som da chave na fechadura da porta.

—Allah! Que esse homem não me entregue para a polícia! — Clamo, quando me lembro de suas últimas palavras.

Fico em pé e me sentindo tonta, sento-me novamente. Sinto então, aquele frio na barriga e isso me faz abraçar minhas pernas. É inútil tentar me acalmar. Começo a orar, pedindo a Allah misericórdia.

Preciso argumentar com esse homem; nem que me humilhe. Eu farei de tudo, mas ele não pode me levar para a polícia. Meu estômago começa a embrulhar só de pensar nisso. A polícia daqui não é como a de Londres. Eles são uns bárbaros.

A porta do quarto se abre revelando aquele homem novamente, agora eu sei o nome dele, Said. O olhar hostil continua ali, não mudou. Ele continua me encarando diabolicamente. Com o firme propósito de me fazer mal.

— Por favor! —Eu me ajoelho no chão e baixo minha cabeça até tocar o carpete. — Eu te suplico! Eu faço qualquer coisa! Mas não me entregue para a polícia.

O Tic tac, tic tac do relógio agora é o único som presente no quarto. Ergo minha cabeça, com o coração apertado, cheio de angústia. Mas não vejo misericórdia nos olhos negros.

Ele ri.

Isso me dá raiva. Com essa nova energia e adrenalina fico em pé.

— Então, está disposta a fazer qualquer coisa? Se venderia para pagar suas dívidas?

Entendo o que minhas palavras pareceram.

 Não! Não posso ir nessa energia.

 Meu coração falha por um segundo. Novamente o nervosismo me toma. Baixo a cabeça para ele não ver a raiva em meus olhos, mas eu estou atenta a todo e qualquer movimento que ele ouse fazer. De cabeça baixa, elucido:

— O que quis dizer, é que seria sua serva, trabalharia para o senhor para pagar minhas dívidas.

Ele dá um passo na minha direção eu ergo meu rosto e dou de encontro com os duros negros dele.

—O que você fez, foi muito grave. O neto de Ester só não morreu, porque eu arranjei o dinheiro.

Eu enxugo minhas lágrimas com tristeza e raiva da minha irmã que se colocou numa enrascada e agora eu que estou pagando o carneiro. Respiro fundo e solto o ar devagar, tentando me acalmar.

— Eu sei... —Digo baixinho. — O mal já está feito, e não posso voltar atrás no tempo.

—Trabalharia para mim?

Meus olhos amendoados encontram os negros dele.

— Sim.

Ele ri novamente. Ah! Eu o odeio!

— O que te faz pensar que posso confiar em você? Uma ladra em minha casa?

Eu desvio meus olhos dos dele. Eu não aguento a intensidade desses lindos, magníficos olhos negros nos meus— sim, devo reconhecer— mas acusadores também e isso me dá nos nervos.

— Eu não erraria duas vezes, seria muita burrice de minha parte.

Ergo meu rosto relutante e o encaro novamente. Vejo então a maldade em seus olhos. Allah ele está arquitetando alguma coisa... esse jeito dele me deixa apavorada!

Allah! Clamei no meu coração. Por favor! Ajude-me!

O silencio entre nós é constrangedor. Por fim, ele parece tomar uma decisão, pois seus olhos adquirirem um brilho diferente.

—Tudo bem! Vou pensar em algo para você fazer. Mas seu quarto não será aqui!

Eu assinto séria. Sentindo-me um pouco aliviada.

Ele se aproxima de mim, isso me faz dar um passo para trás, me fazendo tropeçar no tapete. Consigo me equilibrar a tempo de cair no chão. Ele para à poucos passos de mim. Eu posso agora sentir o calor de seu corpo. Seu perfume maravilhoso. Mas seus olhos, continuam ameaçadores.

— Você está proibida de sair dessa casa. Você trabalhará de faxineira e me servirá também. Mas aqui nesta casa as coisas serão diferentes. Não terá autorização de andar perambulando pelos corredores. Zafira, a levará para o cômodo a ser limpo, e ficará de olho em você. Não terá moleza. Comerá no seu quarto. Tudo será feito do meu jeito, se burlar as regras, te entregarei as autoridades.

—Por... —Minha voz sai em um fio. Pigarreio. — Por quanto tempo ficarei à sua disposição?

Ele cerra a mandíbula, pensativo. Por fim fala entredentes:

— Até que eu ache necessário.

E endurecendo mais o olhar, me diz:

— Vou m****r buscar suas roupas. Me acompanhe!

Sinto meu rosto esquentar e minha respiração acelerar com puro pavor. O sigo por um extenso corredor como se carregasse uma bola de chumbo no pé e amarada por uma coleira no pescoço sendo puxada. Sinto-me como uma condenada, como se eu acompanhasse meu carcereiro dentro de uma prisão. Não consegui deixar de reparar na largura de suas costas e como seus cabelos negros são fortes como o dono. Parecem grossos ao toque.

Ele abre uma porta onde se revela um pequeno quarto. Seus dedos quentes se fecham no meu braço como garras, estremeço com o contato. Ele logo me empurra para dentro e pela cara que ele faz, não gosta nada de ter me tocado, pois passa as mãos nas roupas, como se as limpasse.

Eu ergo meu queixo, mas digo humildemente:

—Obrigada!

Ele sorri friamente.

—Quando você der duro nessa casa, não me agradecerá. Nem um pouco.       

Eu fecho os olhos contando até dez. Quando os abro, me assusto com a frieza dos olhos dele.

—Vou pedir para trazer algo para você comer.

— Obrigada!

Ele rindo maldoso, completa:

— Se não comer, não aguentará a carga de trabalho. É muito magrinha.

Eu baixo meus olhos.

— Está certo.

Ouço seus passos saindo do quarto e a porta é trancada.

Suspiro. Agora dá para reparar na minha jaula que eu ficarei nos próximos dias: uma cama de solteiro, um guarda-roupa, uma cômoda num canto. Sobre ela uma bandeja com uma jarra de água e um copo.

Tem uma porta, deve ser do banheiro.

"Allah! Do jeito que eu fui tratada, até que o quarto não é dos piores. Achei que ele ia me colocar no sótão, ou em um quartinho que se guarda tranqueiras e vassouras."

Solto o ar com angústia. Não tenho nenhuma ideia onde estou. Tremendo de tensão vou até a janela. As folhas dos coqueiros estão estáticas, pois a tempestade de areia passou.

"Allah! " Eu clamo, quando vejo os muros altos e ao longe dunas. A mansão parece estar no meio do deserto.

Ouço a porta sendo aberta e vejo a empregada empurrando o carrinho com uma bandeja.

—Said pediu para trazer. O que você fez, deve ter sido muito grave. Nunca vi o patrão agir dessa maneira. Trancafiar alguém, é a primeira vez.

— Ele não falou nada de mim para os empregados?

—Disse que você tinha manchado as barbas do profeta e que era para ficarmos de olho em você, e que você irá fazer o serviço mais pesado da casa.

Eu me sento na beirada da cama quando minhas pernas fraquejam.

— Seu patrão é um homem importante?

— Menina! Que mundo você vive? Você não conhece Said Hallan Sihan?

Eu sinto meu estômago embrulhar, minha garganta um nó duro.

— Desculpe minha ignorância, mas não! Não tenho a mínima ideia de quem seja.

— Filho do Sheik Kaleb, dono de uma rede de hotéis espalhados no oriente médio.

Diante da revelação, eu me sinto como uma mosca insignificante e não consigo conter uma lágrima imbecil que cai.

Ela continua:

— Allah! Bem que Said nos orientou. Disse que não era para ter dó de você. Que você nos enganaria com esses olhos inocente. Eu não caio nessa, não!

Com as falas dela, minhas lágrimas aumentam e eu as enxugo rapidamente.

— Ele disse isso?

Ela me corta:

— Menina! Se você fizer seu trabalho ficará tudo bem.

— Me chame de... —Quase falo o meu nome, mas logo me lembro e me calo. — Me chame de Adara. Qual é o seu nome?

Ela se demora um pouco em me dar uma resposta.

— Zafira. — Seus olhos ficam menos duros para mim. — Como te disse, faça seu trabalho que tudo dará certo.

Eu assinto para ela triste. Ela se vira e caminha até a porta. Sai do quarto e passa a chave na porta.

Allah que sensação horrível estar nas mãos de alguém!

Eu, que já tinha experimentado a liberdade, me sinto claustrofóbica. Sempre trabalhei. Com dignidade me sustento. Pago o aluguel do meu apartamento direitinho e todas as minhas contas. Angustiada, encaro a bandeja sem fome.

E o pior disso tudo, é que eu não terei mais notícias da minha irmã.

Allah! Eu preciso mais para frente conversar com Said, convencê-lo a me liberar para fazer uma ligação, nem que for uma ligação supervisionada. Preciso ligar para a vizinha de Adara, Nardini e saber como minha irmã está e pedir para que ela dê o recado que está tudo bem. Que ela não será mais procurada, que eu estou dando um jeito de resolver as coisas. Que estou trabalhando para pagar a sua dívida, por isso ficarei um tempo sem vê-la.

Com esses pensamentos em mente, me sinto melhor e entendo que preciso me alimentar.

Comi toda a kafta bem temperada com ricota.

Quando finalizo a refeição, penso comigo. Allah! Não é que o almoço estava muito bom? Quando comecei a comer, percebi que estava com mais fome do que havia pensado.

Eu deixo o prato no carrinho e abro a porta lateral. 

Sim, como eu pensei. Um banheiro! 

 Ele é incrivelmente perfumado e bem iluminado por uma grande claraboia no teto. Tem até uma banheira em bom estado. 

Não esperava! 

Quem sabe muitas surpresas boas ainda possam vir sem aviso. Quem sabe Said desiste em me fazer pagar as dívidas?

O cara é rico, não precisa de dinheiro.

Olho meu reflexo no espelho. Meus cabelos estão emaranhados, sem brilho, meus olhos borrados pelo choro. Suada e acalorada, resolvo tomar um banho de imersão. Vou até a porta e estremeço por não ver uma chave para trancá-lo. Resolvo então usar uma cadeira que está ao lado do gabinete para segurar a porta. Não irá adiantar muita coisa, mas eu me sentirei mais segura.

Depois que encho a banheira, derramo os sais que encontro ao lado dela, agito a água com as mãos para fazer bastante espuma. Retiro minhas roupas e entro. Sinto a delícia da água morna no meu corpo quente. Lavo meus cabelos usando um pequeno frasco de Shampoo que encontrei. Esparramando-me na banheira, fecho os olhos, quase me sentindo no meu apartamento em Londres.

Barulho de algo se arrastando.

Allah!

 Abro os olhos.       

Said está olhando para mim. Soberano, com um sorriso jocoso no rosto. Sinto meu rosto arder de vergonha. Graças a Allah a espuma da água bloqueia a minha imagem, mas mesmo assim me afundo mais e com meus braços e mãos, cubro tudo que posso. Seus olhos negros se fixam nos meus. Fico sem ação, sentindo-me impotente, consciente que estou em desvantagem.

Meu coração acelera quando seus olhos passeiam pelo meu rosto vermelho, depois por meus cabelos molhados e corre a água da banheira tentando ver o meu corpo. Não consigo me mover, e prendo a respiração. Até meu raciocínio lógico está perturbado.

Engolindo um caroço duro na garganta, consigo falar:

— O senhor quer fazer o favor de se retirar! É um absurdo entrar dessa maneira? O que eu estaria fazendo em um banheiro por acaso?

Ele me dá um sorriso frio e arrasta a cadeira e tranquilamente se senta.

— Você me pertence, esse lugar me pertence. Então, posso entrar quando e onde eu quiser.

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