"Family is not an important thing, it’s everything."
— Michael J. Fox (Tradução: "Família não é uma coisa importante, é tudo.") ________________ A manhã estava especialmente clara na Serra Lunar. O vento fresco trazia o cheiro doce das pinheiras e fazia os sinos de vento das casas vizinhas soarem como pequenas melodias. Dentro de casa, Enzo afinava seu violão pela terceira vez, concentrado. — Está perfeito hoje, Enzo. — comentou Clara, de braços cruzados. — Fala logo, o que você quer? Enzo sorriu de lado. — Como sabia que eu queria algo? — Sou sua mãe. Conheço seus truques. — Ela suspirou. — Pode ir. Vai pra casa do Lucas? — Ele está viajando. Só quero... andar um pouco. — Cuidado. Sua estreia está chegando. — alertou. Enzo apenas assentiu, sentindo aquela pontada amarga no peito. Mais uma vez, era visto apenas como uma promessa de sucesso, não como filho. Enquanto esperava a resposta de Ayla ao SMS que enviara, lembrou-se do dia em que anunciou que queria ser cantor. Clara fora a primeira a discordar — e agora era quem mais o pressionava. Com um suspiro, pegou o casaco e desceu a colina, o coração batendo mais rápido a cada passo. --- Casa dos Duarte — Tarde A casa dos Duarte parecia saída de um filme de Natal. Havia luzes piscando em todos os cantos, cheirava a pinho fresco e canela, e o som de músicas natalinas ecoava discretamente da sala. Ayla ajudava a mãe com os últimos enfeites quando se virou para o pai, que arrumava algumas caixas na varanda. — Pai, pode pegar a árvore no carro, por favor? — pediu, sorrindo. Rafael fingiu resistência, cruzando os braços teatralmente. — E se eu não for? — Não terá lasanha! — Helena gritou da cozinha, divertida. — É sempre assim... "Rafael, pega isso", "Rafael, faz aquilo"... — resmungou, saindo para o carro, mas com um sorriso. — Essa árvore tá pesada demais. Só você, minha filha, conseguiria carregar! Nesse momento, uma voz inesperada surgiu: — Se estiver pesado, posso ajudar, senhor. — Ah, oi! — Rafael ajeitou o peso nas mãos, olhando o rapaz de cima a baixo. — Quem é você? — Sou Enzo. Conheci a Ayla há alguns dias. Moro na última casa da serra. — Rafael Duarte. — apertou a mão dele com firmeza. — Quer que eu a chame? — Vejo que o senhor tem muitas sacolas. Posso ajudar. — Agradeço. — Rafael arqueou a sobrancelha. ("Quer impressionar minha filha, é? Vamos ver...") Passou para Enzo a caixa mais pesada. Ele a segurou com facilidade — e ainda pegou mais duas sacolas. — Ayla, vem pegar a árvore! Tá muito pesada pra mim! — Rafael provocou, disfarçando o sorriso. — Mãe, precisa arrumar um malhadão! Esse aqui tá desclassificado... — Ayla brincou, antes de congelar ao ver que era Enzo quem segurava tudo. — Oi! Não sabia que você viria. Ayla virou-se tão rápido que quase derrubou a caixa de bolas douradas. Seus olhos encontraram Enzo parado na porta, com um sorriso tímido. — Mandei um SMS. Como tinha um tempinho livre, resolvi passar aqui. — Enzo sorriu, enfiando a mão no bolso. (Pensamento de Rafael) "Já trocaram números? Quando foi isso?" Helena desceu a escada, enxugando as mãos no avental, e percebeu a tensão no ar. — Olá! Sou Helena, mãe da Ayla. E você é? — Enzo Valente. Um... amigo dela. (Pensamento de Ayla) "Meu Deus... se o pai souber que ele dormiu aqui..." (Pensamento de Enzo) "Melhor ele não saber que dormi no sofá..." — Mãe, pai... nos conhecemos quando ouvi Enzo cantando. Só isso. — Ayla tentou resumir, fechando os olhos. — Só isso? — Helena arqueou a sobrancelha, desconfiada. — Quando quiser, me conta a versão completa. — Como assim "versão completa"? — Rafael perguntou, já em alerta. — Nada, amor. — disse Helena, rindo. — Enzo fica pra jantar? Vou fazer lasanha. Antes que Rafael pudesse protestar, ela o puxou escada acima, piscando discretamente para a filha. --- Cena dos Pais (andar de cima) Pela janela do quarto, Rafael observava Ayla e Enzo sentados perto da fogueira, rindo e conversando. — Não gosto dele. — disse Rafael, cruzando os braços. — É bonitão demais pro meu gosto. — Rafael, você está com ciúmes da sua filha? — Helena sorriu, ajeitando a almofada. — Óbvio! Ela é meu bebê, meu tesouro... e esse malandro quer roubá-la! — Ela tem 15 anos, amor. É natural. — Helena acariciou sua mão. — Lembra dos seus 15? — Exatamente por isso sei o que ele quer! — dramatizou. — Ele quer roubar a inocência dela! O amor que é MEU! Helena gargalhou, beijando a testa dele. — Você devia ser ator. — brincou. — Esqueceu que eu também tive pai? E você fez o mesmo comigo. — Foi diferente. Estávamos em sintonia. Como ainda estamos. — Rafael a puxou para um abraço apertado. — Pois aceite, meu amor... logo será a vez dela viver a história dela. — NÃÃÃÃÃÃÃO! — gritou Rafael... silenciosamente. --- Cena do Casal (fogueira) O céu já estava salpicado de estrelas quando Ayla se encolheu um pouco mais na cadeira perto da fogueira. — Queria te levar à cachoeira hoje. — confessou Enzo, mexendo nas brasas. — Desculpa... — Ayla sorriu, sincera. — Natal é sagrado pra nós. Meus pais raramente têm folga, então fazemos questão de decorar juntos. — Que legal... — ele disse, admirado. — Um dia, quero ter tradições assim. Ela o observou, o brilho da fogueira realçando os traços suaves do rosto dele. Enzo parecia tão verdadeiro, tão... dele. — E a cachoeira? Podemos ir agora? — perguntou, animada. — Melhor não. Pode escurecer... e tem animais. Outro dia? — Claro. O calor da conversa ainda os envolvia quando Rafael surgiu na varanda: — Vamos entrar, crianças. Já está esfriando. — A voz dele era firme. — Enzo, seus pais sabem que você vai chegar tarde? — Sim. Eles perguntaram se alguém poderia me levar... querem conhecer vocês. — EU te levo. — respondeu Rafael, batendo no ombro do rapaz com força desnecessária. Ayla baixou os olhos, constrangida. Nunca vira seu pai agir assim com nenhum amigo antes. (Pensamento de Ayla) "Por que agora?" Mas no fundo, ela sabia a resposta. Era a primeira vez que alguém tocava seu coração daquele jeito. E, para Rafael, isso era aterrorizante. _________ "Algumas batalhas não são travadas com espadas, mas com olhares que dizem: 'eu não quero te perder'." By: Yumi