PONTO DE VISTA DE CAMILLE
Acordei entre lençóis de seda e luz do sol. Por um momento, pensei que estava de volta no meu quarto da infância, antes de tudo desmoronar. Mas o teto acima de mim era desconhecido, querubins pintados à mão flutuando em um céu sem nuvens, emoldurado por molduras douradas que provavelmente custavam mais que todo o meu casamento.
Dor disparou pelas minhas costelas quando tentei me sentar, memórias voltando como uma enxurrada. A garagem. Os capangas contratados da Rose. A mulher misteriosa de cabelos prateados.
— Cuidado. — Uma voz da porta me fez virar. — Três costelas machucadas e uma concussão leve. O médico disse que você precisa descansar.
Ela estava ali como algo de uma revista de moda, terno preto sob medida, pérolas que definitivamente não eram falsas, cabelo prateado penteado em um coque elegante. Mas foram seus olhos que me prenderam. Afiados. Calculistas. Assombrosamente familiares.
— Onde estou? — Minha voz estava áspera. — Quem é você?
— Você está segura. — Ela entrou no quarto com graça fluida, se acomodando numa cadeira ao lado da minha cama. — Quanto a quem eu sou... meu nome é Victoria Kane.
O nome me atingiu como um choque físico. Todo mundo conhecia Victoria Kane, a CEO implacável que construiu a Kane Industries do nada, a mulher que a Forbes chamava de 'A Rainha de Wall Street'. Ela valia bilhões, movia mercados com um telefonema, e tinha fama de ser mais poderosa que a maioria dos governos.
— Por que... — Engoli com dificuldade. — Por que estou aqui?
Algo tremulou em seus olhos, dor, talvez, ou memória. — Porque três anos atrás, vi uma foto numa revista de sociedade. Uma jovem mulher em algum baile de caridade, usando um vestido que não servia muito bem, sorrindo corajosamente enquanto sua irmã 'perfeita' dominava a cena.
O baile. Um dos muitos triunfos da Rose, orquestrado para destacar a diferença entre nós.
— A foto chamou minha atenção — Victoria continuou —, mas foram seus olhos que me fizeram olhar mais de perto. Eles eram... familiares.
Ela pegou seu telefone, mostrando uma imagem que cortou minha respiração. Uma jovem mulher, talvez da minha idade, com meu rosto. Meus olhos. Meu sorriso.
— Sua filha? — A semelhança era impressionante.
— Sophia. — A voz da Victoria suavizou. — Ela teria trinta e dois anos este ano.
Teria. As palavras pairaram pesadas no ar.
— O que aconteceu?
— Acidente de carro. Dez anos atrás. — Seus dedos traçaram a foto. — Embora 'acidente' seja uma ficção educada. A família do noivo dela não aprovava a união. Cabos de freio são tão facilmente sabotados.
Gelo desceu pela minha espinha. — Eles foram...
— Responsabilizados? — Um sorriso que podia cortar vidro. — Eventualmente. Mas não é por isso que você está aqui.
Ela largou o telefone, me fixando com aquele olhar penetrante. — Depois que vi sua foto, mandei investigar você. Soube sobre a dinâmica da sua família. Seu casamento. As... atividades da sua irmã.
— Você tem me observado? — Deveria parecer assustador, mas de alguma forma não parecia. — Por quê?
— Porque reconheci algo em você. Algo que vi na Sophia. Potencial bruto, envolvido nas expectativas de outras pessoas. Um diamante que eles tentaram fazer passar por vidro.
Meu coração disparou. — Não entendo.
— Não entende? — Ela se inclinou para frente. — Assisti você tentar se encaixar no molde deles. Assisti você guardar partes de si mesma para agradá-los. Assisti eles cortarem suas asas enquanto te convenciam de que era para o seu próprio bem.
Lágrimas queimaram meus olhos. — Como a aceitação na faculdade.
— Que Rose sabotou. Sim, sei disso também. Assim como sei sobre o diário que ela falsificou, os empregos que se certificou que você não conseguisse, as amizades que lentamente virou contra você.
— Você sabe tudo. — Minha voz falhou. — E só... assistiu?
— Esperei. — Ela se levantou, indo até a janela. — Esperei para ver se você quebraria ou floresceria. Esperei pelo momento em que finalmente visse através das mentiras perfeitas deles.
O confronto com Rose passou pela minha mente. — E agora?
— Agora? — Ela se virou para mim, a luz do sol a silhuetando. — Agora estou oferecendo uma escolha. Você pode sair de tudo isso. Vou estabelecer você em algum lugar novo, confortável, longe deles. Ou...
— Ou?
— Ou posso te ensinar a ser o que eles sempre temeram que você pudesse se tornar. Poderosa. Independente. Livre.
Ela voltou para o lado da minha cama, e de repente vi o que a tornava tão formidável. Não era apenas o dinheiro ou a influência. Era a certeza absoluta de que o mundo se curvaria à sua vontade.
— Sua irmã passou vinte anos te ensinando sobre manipulação. — Ela continuou. — Deixe-me te ensinar sobre poder. Poder real, não os jogos mesquinhos que ela joga.
— Por quê? — Eu tinha que saber. — Porque me pareço com sua filha?
— Não. — Sua mão tocou a minha, surpreendentemente quente. — Porque você se parece comigo, quarenta anos atrás. Antes de eu aprender que o mundo não te dá o que você merece, ele te dá o que você tem força para tomar.
Fitei nossas mãos unidas, vendo a manicure perfeita que provavelmente custava mais que meu salário mensal. — E se eu disser sim?
— Então te adoto. Publicamente, legalmente, completamente. Você se torna Camille Kane, herdeira de tudo que construí. — Seu sorriso se tornou afiado. — Imagine a cara da sua irmã quando perceber que a investidora que ela tem cortejado desesperadamente é sua irmãzinha 'fraca'.
O pensamento mandou uma descarga elétrica por mim. — Ela perderia a cabeça.
— Isso é só o começo. Vou te ensinar tudo que sei. Negócios. Estratégia. Poder. Em cinco anos, você não vai apenas sobreviver aos jogos deles, vai reescrever as regras.
— E o que você ganha com isso?
Os olhos da Victoria encontraram os meus, e por um momento vi honestidade crua. — Uma chance de terminar o que Sophia começou. Uma chance de ver alguém florescer em vez de quebrar. E... — Uma pausa. — Uma chance de ter uma filha de novo.
Pensei sobre minha vida, a caixa cuidadosa em que me puseram, os sonhos que roubaram, as mentiras que me alimentaram. Pensei no sorriso presunçoso da Rose e na traição do Stefan e na cegueira voluntária dos meus pais.
— Quando começamos?
O sorriso da Victoria foi como o nascer do sol, brilhante e inevitável. — Já começamos.
Ela pegou uma pasta da mesa de cabeceira. — Primeiro, precisamos estabelecer seu desaparecimento. Fazê-los pensar que os capangas deles tiveram sucesso.
— Deixar eles pensarem que eu estou... — A compreensão despontou. — Deixar eles pensarem que me quebraram.
— Por enquanto. — Ela abriu a pasta, revelando documentos, passaportes, extratos bancários. — Enquanto você se cura, enquanto aprende, enquanto se torna quem estava destinada a ser.
Me sentei mais ereta, ignorando a dor nas costelas. — E então?
— E então? — Victoria Kane, minha nova mãe, sorriu como uma rainha concedendo reinos. — Então mostramos para eles exatamente o que acontece quando tentam engaiolar uma loba em pele de cordeiro.
Olhando para ela, finalmente entendi como o poder real parecia. Não as manipulações mesquinhas da Rose ou o privilégio herdado do Stefan. Isso era outra coisa. Algo primal. Algo que tentaram esmagar em mim.
Mas falharam.
E agora pagariam.
— Quando posso assinar os papéis? — perguntei.
A risada da Victoria era rica de promessa. — Essa é minha menina.
Pela primeira vez em esses anos, essas palavras pareceram verdadeiras.