Lucas estava desaparecido?
Cecília ficou paralisada. A lâmina já havia deixado um corte superficial em seu pescoço, de onde vinha uma dor aguda e insistente.
— Acorda! Eu não faço ideia de onde está o seu filho!
Mas Mirela parecia fora de si. A mão que segurava a faca tremia visivelmente.
— Mentira! Só você não gosta do Lulu! Hoje mesmo mandou várias pessoas aqui pra te ajudar a levar suas coisas. Se não foi você, quem mais seria?
Os olhos dela estavam vermelhos. Parecia, de fato, uma mãe desesperada por um filho perdido. A voz, rouca de tanto chorar, insistia:
— Senhora, por favor. Me devolve o Lulu. Ele é tudo o que eu tenho!
E então jogou a faca longe, que caiu no chão com um som seco.
Num gesto brusco, se ajoelhou diante de Cecília, soluçando:
— Senhora... O Lulu é a minha vida...
Cecília finalmente conseguiu se soltar.
Ao ouvir aquelas palavras, tudo soou como uma piada cruel.
— Devolver pra você? — Cuspiu as palavras com escárnio. — Um menino adotado num orfanato tem o quê a ver com você? Por que eu devolveria ele?
— Ele é... — Mirela começou a responder por impulso, mas se interrompeu no meio da frase. Abaixou a cabeça e voltou a chorar, em silêncio.
Mas agora era Cecília quem se recusava a recuar. Observou cada gesto, cada hesitação.
Seu olhar brilhou por um instante e decidiu provocar de propósito:
— Ele é o quê, Mirela? Fala logo!
— Chega! — A voz de Vinícius explodiu de repente. — Ciça, não precisa ser tão cruel assim!
Cecília virou o rosto, como se tivesse levado um tapa. Olhou para Vinícius, os olhos tremendo, sem acreditar no que acabara de ouvir.
Cresceram juntos, desde crianças. Ele nunca tinha sido capaz de levantar a voz pra ela. Nem quando ela foi ameaçada com uma faca.
E agora, a primeira vez que a tratava com tanta dureza... era pra defender a amante e o filho bastardo?
Decepção.
De todos os sentimentos que se acumulavam em sua mente, foi essa a palavra que prevaleceu. Cecília estava profundamente decepcionada com Vinícius.
Vinícius percebeu a mudança no rosto dela. Entendeu que tinha passado do limite e tentou suavizar a voz:
— Ciça, eu não quis te culpar. É que, desde que o Lulu foi adotado, foi ela quem cuidou dele. Ela só se deixou levar pela emoção.
— recisa dizer mais nada. — Disse Cecília, em tom gelado. — Eu não quero ouvir.
Se virou para ele, o olhar firme e vazio.
— Vou repetir pela última vez, Vinícius: eu não sei onde está o seu filho. Se ele realmente sumiu, chame a polícia.
A indiferença no olhar dela o deixou inquieto. Ela estava tão serena, tão distante, que ele nem notou quando Cecília reconheceu, sem rodeios, que Lucas era mesmo filho dele.
Foi nesse instante que o assistente entrou às pressas pela porta:
— Senhor Vinícius, encontramos o menino!
— Ele estava em um caminhão a caminho da saída da cidade. Ainda bem que o veículo não tinha ido longe. O senhor Lucas já está voltando para casa.
Todos respiraram aliviados. Todos, menos Cecília. Ela chamou alguns caminhões para levar os itens ao leilão e isso tornava tudo ainda mais suspeito para quem quisesse culpar ela.
Sentada no sofá, Isadora soltou um suspiro irônico:
— Já que não consegue ter filhos, pelo menos aceite o que eu te dei. Ou você quer ver a família Azevedo sem herdeiro?
As palavras foram como navalhas diretas. Rasgaram a ferida que Cecília carregava no corpo e na alma.
Ela virou o rosto para Vinícius. Mas o encontrou absorto, com o olhar fixo em Mirela, como se tentasse entender o que se passava com ela.
De repente, um peso esmagador tomou conta do peito de Cecília. O ar parecia fugir.
Soltou uma risada baixa, amarga:
— É isso mesmo. Eu devia ter deixado o Vinícius morrer naquele dia. Não devia ter arriscado a própria vida por ele.
As palavras saíram da boca dela, mas foi o coração que se despedaçou por inteiro.
Vinícius levantou a cabeça num sobressalto e a encarou. Nos olhos de Cecília, havia uma tristeza funda e silenciosa. O vermelho que escorria em seu pescoço se tornava ainda mais nítido, brutal.
O peito de Vinícius apertou num impulso súbito.
— Ciça, não fala assim... Você tá com raiva.
Deu um passo à frente, tentou segurar a mão dela. Mas Cecília se afastou, com frieza.
O mais triste de tudo era já não ter nenhuma esperança. E pensar que aquelas mãos, na noite anterior, tinham percorrido o corpo de Mirela... Ela mal conseguia conter o nojo.
Sem dizer mais nada, Cecília baixou os olhos para o celular. Mandou uma mensagem para Iris, perguntando quanto tempo ainda faltava para ela chegar.
Mas, por alguma razão, a resposta não vinha.
O silêncio tomou conta da casa. Só se ouvia o choro intermitente de Mirela, abafado e irregular.
Minutos depois, Lucas foi trazido de volta. Ao ver Cecília, se escondeu atrás de Vinícius e apontou o dedo, acusando:
— Pai, foi ela! Foi ela que quis me abandonar!
Isadora se levantou no mesmo instante, o rosto severo:
— Cecília, o que mais você tem a dizer? O Lulu ainda é uma criança. Acha mesmo que ele mentiria?
Vinícius não disse nada, mas seus olhos se moveram levemente.
E naquele breve instante em que os olhares se cruzaram, Cecília leu o que havia por trás do silêncio.
Ele estava duvidando dela.