II

           – Isso parece um sonho! – riu timidamente Levy dirigindo o Corolla. – Há duas semanas estávamos nos conhecendo pelo Grindr e hoje estamos curtindo nossa primeira viagem juntos, como namorados. – Pegou na coxa de Enzo e apertou-a levemente. – Você é maravilhoso, cara. Não sei se mereço tanto.

            – Ah, cara, menos. – sorriu Enzo, dando umas tapinhas no peitoral de Levy. – Você demonstrou ser diferente dos outros, eu gostei e hoje estamos aqui... Quero que você esteja comigo sempre.

           – Hum... Então está me pedindo em casamento? – olhou desconfiado na direção de Enzo.

           – E se for? Aceita? – perguntou nervoso.

           – Você ainda pergunta? – deu um beijo em Enzo com o carro em movimento, o que o levara a ziguezaguear pela pista. – Aceito! Estou contigo porque te amo, não só por nossas fodas incríveis ou o seu dinheiro.

­        – Eu sei, meu amor. Se eu percebesse que tu fosse interesseiro, já teria caído fora.

           – Então... Sou de família pobre, mas tenho dignidade e vergonha na cara.

           Chegaram por volta do meio-dia em Parnaíba, ao norte do estado. Ficaram hospedados em um dos hotéis mais luxuosos da cidade, próximo ao rio Parnaíba. Após o almoço, que foi na própria suíte e regado a camarão e lagosta, foram direto tomar banho de mar em Luís Correia, 20 km de Parnaíba, na praia do Atalaia. Haviam poucas pessoas na orla, naquele horário escaldante, o que permitiu que eles ficassem mais à vontade. Depois de um mergulho, Levy se aproximou abruptamente de Enzo, o derrubou na água e o beijou na boca, quando ele levantou. Enzo ficou perplexo por alguns segundos, mas não foi grosso pela atitude do namorado, pelo contrário, retribuiu o beijo na mesma intensidade e fugacidade.

            Voltaram ao hotel em Parnaíba e retornaram para a suíte. Após tomarem banho juntos, foram para a cama e desfrutaram de horas de sexo prazeroso e intenso. Enzo não gostava de ser passivo, mas topou sem objeções para agradar ao parceiro. Nunca tiveram uma foda como aquela.

            No início da noite, assim que o sol se despedia do dia e a lua anunciava seu brilho imperioso, foram para o cais, que ficava 5 km do hotel que estavam hospedados. Era uma caminhada para relaxarem e se conhecerem melhor.

              – E ai, gostou de hoje à tarde, nossa... foda... – perguntou Levy, rubro.

             – Se eu gostei? Não. – parou de andar e puxou Levy de leve pelo braço, levando-o para um beijo demorado na boca. – Amei. Louco para repetir a dose!

            – Humm... Também! – e se beijaram mais.

             Ao chegarem ao cais, Enzo ficou contemplando a lua refletindo no rio Parnaíba e a beleza do seu amado a sua frente. Nunca se sentira tão feliz como estava se sentindo naquele momento. Ficava um pouco preocupado na possibilidade de Levy descobrir seus segredos...

           – A lua está linda, não é? – perguntou Levy, tirando Enzo desse devaneio que o perturbava.

           – Sim... E ela nos convida para isso! – E pegou Levy pela camisa, beijando-o como se o mundo fosse acabar.

             Não deu outra! Acabaram transando ali mesmo, atrás de um pick up estacionado próximo. Levy, diante desse momento de loucura, começou a perceber que Enzo era movido por adrenalina, altas emoções e perigo.

                   Passaram cinco dias em Parnaíba, regados de muito luxo e conforto, o que levara Levy ficar um pouco desconfiado, porém, não comentara nada com Enzo. A viagem de retorno, para ambos, foi um pouco tensa. Não trocaram muitas conversas nem olhares. Enzo vinha dirigindo sempre muito sério, como se tivesse certeza que Levy sabia que ele escondia algum segredo grave. E não demorou muito, a desconfiança veio à tona:

             – Quando vai me levar para conhecer sua família? Não acha que já está na hora? – perguntou sem pestanejar.

            – Olha, amor, é o seguinte: desculpa se não toquei nesse assunto contigo ainda, mas não sou assumido. Minha família é muito conservadora e preconceituosa, sou filho único e me assumir agora não está nos meus planos, mas prometo que um dia você vai lá. – respondeu Enzo muito nervoso.

               – Não pedi pra você se assumir, amor. Longe de mim exigir isso de alguém. Mas você poderia me levar lá como seu amigo, ou não?

             – É que nunca levei meus amigos lá em casa, nunca tive liberdade pra isso. Sou de uma família...

            – Tradicional da alta sociedade de Teresina. É. Já sei. – cortou Levy causando espasmo em Enzo. – Vi uma foto sua estampada na capa de um jornal semana passada.

            E mostrou a foto que se referia, na tela do seu celular.

             – Eu ia te contar.

             – Não precisava. Não é todo dia que namoro um cara que tem um corolla do ano, Iphone 7, bracelete de ouro, que paga dez mil reais em hospedagens... – desabafou Levy, beirando a raiva.

            – E quero que você desfrute disso tudo comigo. – Enzo brecou o carro repentinamente, fazendo queimar pneus na pista. – Eu te amo, tá entendendo? Não quero te perder só porque omiti esse detalhe da minha vida. Preferi não contar que sou filho do prefeito de Teresina.

           – Relaxa, não estou chateado. Só espero que sua vida atribulada não prejudique nosso namoro. Não tenho dinheiro como você, mas não preciso trabalho justamente para não precisar de ninguém.

          Enzo se aproximou do rosto de Levy, de mansinho, e disse:

            – Me perdoa meu amor. Você é a pessoa mais importante da minha vida. – terminou a frase quase chorando.

Alguns segundos em silêncio.

           – Sim, te perdoou sim. Você também é muito importante na minha vida.

          O beijo na boca foi inevitável e o clima pós DR melhorou consideravelmente.

***

         A família Ponches residia no Jockey, no edifício Cecília Meireles, conhecido por suas festas badaladas e caras. Aquela manhã de quarta-feira não começou nada alegre, ainda mais para Enzo.

             – Cinco dias fora de casa, seu irresponsável! Nem sequer ligou ou deu notícias de onde estava! - vociferou Magda, a matriarca da família.

            – Já disse mil vezes, mãe. Fui viajar para espairecer um pouco, estava precisando. A rotina estressante de Teresina deixa qualquer um louco, e ainda têm vocês para completar! – respondeu Enzo no mesmo tom da mãe. – Olha, sou independente, trabalho e tenho meu dinheiro, não preciso dar satisfações da minha vida para ninguém.

          – Enquanto você morar no meu teto precisa, sim! – desafiou Magda, saindo e batendo a porta da sala as suas costas.

           Enzo ficou dois longos minutos reflexivo, imaginando se pediria logo sua parte da herança aos pais e ir embora, de vez, do país com Levy. Pensou em morar na França ou Portugal, onde já estivera várias vezes. Sentou-se comodamente no enorme sofá marfim em couro italiano e ouviu risadas irônicas já conhecidas.

            – Você nunca muda, não é moleque? – falou Mário Lorenzo, seu irmão gêmeo. Eram tão semelhantes fisicamente que podiam usurpar facilmente o lugar do outro, mas a personalidade de ambos era inacreditavelmente diferente. – É uma lástima termos você na família... E pior pra mim, você ser idêntico a mim. – olhou seu reflexo no grande espelho no centro da sala, em seguida, voltou seu olhar ao seu reflexo vivo a sua frente em seguida.

            – Eu que tenho vergonha em ter você como irmão, um pessoa arrogante, prepotente, egocêntrica e mesquinha, capaz de tudo para conseguir seus objetivos. – disse Enzo.

           E levantou-se do sofá, encarando Mário bem perto, olho no olho.

             – Você não faz nada, só fica aí no seu celularzinho conversando sabe Deus com quem, e ainda quer ter direito? – zombou Mário do irmão. – Vai fazer algo de útil e para de torrar a grana do papai e da mamãe.

            – Falou o senhor dono da verdade e da moral... Trabalho com o papai esqueceu? Agora, e você? Faz o que, se não ficar envenenando a mamãe contra mim? – pontuou Enzo.

             – Nunca deixei de desconfiar que você come viado, maninho... – disse Mário Lorenzo todo orgulhoso como se tivesse dado um xeque-mate numa jogada de mestre. – Nunca te vejo com mulher. Mamãe e papai amam viados... – concluiu rindo, sabendo que os pais eram muito homofóbicos.

              – Problema seu, querido! É tão importante pra você saber com quem eu transo ou deixo de transar? Se pego homem ou mulher? – disse alterando o som da voz e ficando muito nervoso. – Se preocupe com sua vida e a vida da sua namoradinha, entendeu? – e saiu batendo a grande porta de carvalho.

              – Eu vou descobrir a qualquer custo se Enzo é gay. – falou Mário baixinho, quase como se cochichasse para si mesmo.

            A convivência entre os gêmeos nunca fora das mais amistosas. Mário sempre procurava um motivo para irritar o irmão, pois sabia que conseguia exaltar os nervos de Enzo facilmente, ainda mais quando o provocava sobre sua condição sexual.

             No dia seguinte, no gabinete de Ricardo Ponches, prefeito da capital piauiense, estava Enzo em reunião com o pai e líderes do PNL (Partido Nacional Livre), a qual era filiado e geria a cidade por o referido partido. Enzo era o assessor do seu pai, e obviamente, seu braço direito. Dali a três meses seriam as eleições municipais e Ricardo concorria à reeleição de Teresina, no entanto, a situação não era nada favorável para ele e sua gestão. Eram da extrema direita, privilegiavam a elite e marginalizavam os pobres. As pesquisas eleitorais encomendadas por Enzo apontavam rejeição de 90% dos teresinenses, o que reforçava ainda mais o desejo de Ricardo e a frustração do filho: Enzo era o nome mais cotado para ser candidato e vencer a eleição para o Palácio da Cidade. Para desespero dele e do irmão gêmeo mau, a decisão estava tomada por Ricardo, quando ele leu o relatório de intenção de votos apresentado por o seu filho assessor.

             – Não tenho dúvidas, meu filho, será você nosso candidato. Tem todo apoio nosso. Essa prefeitura é sua! – abraçou o filho determinado.

               Enzo, obviamente, ficou deveras apreensivo e temeroso diante de tanta responsabilidade. Jamais planejara em sua vida ser prefeito de alguma cidade, ainda mais de uma capital com um milhão e quinhentos mil habitantes. Não sabia como contar a Levy, mas tinha certeza que deveria contar urgentemente antes mesmo dele saber por outros meios.

             O celular tocou:

             – Alô, oi amor. Tudo bem? – atendeu Enzo.

             – Tudo. Como você está? – respondeu Levy do outro lado da linha. – Vamos jantar mais tarde?

             – Claro! – disse Enzo entusiasmadamente. – Te pego às 20h, pode ser?

             – Combinado, então. – desligaram juntos.

         No horário combinado, Enzo foi pegar Levy pontualmente e o levou para jantar na churrascaria Bon Apetit, na zona norte. Era um ambiente bem agradável e romântico. Tinha um enorme salão repleto de lustres de cristais e uma janela de vidro ao centro, dando vista para uma Teresina perdida entre luzes e barulhos. Enzo não disfarçava o quanto estava tenso e Levy logo percebeu.

              – Aconteceu alguma coisa séria, não foi? Você está nervoso. – falou Levy sempre bem direto.

             – Sim. Meu pai é o prefeito da cidade, Ricardo Ponches. Serei o candidato nas próximas eleições. – desabafou Enzo. – Espero que isso não nos afete. Amo-te demais para te perder pra política.

               Levy deu uma gargalhada involuntária e segurou na mão de Enzo, sem se preocuparem com que os outros pudessem pensar.

             – Ei, claro que não. Tens meu apoio. Só te peço uma coisa: Caso ganhe, faça o melhor por Teresina, em especial, para os mais carentes e LGBTs. – pediu Levy.

            – Aceita ser meu chefe de gabinete ou secretário de governo? – perguntou Enzo.

            – Não. Quero distância de cargos comissionados. Já fui assessor parlamentar de uma deputada aqui.

          Comemoraram estourando um Chandon e jantando lagosta ao molho pesto. A cada dia que passava, Enzo se apaixonava mais por Levy. Presenteara o namorado com um Fiat Mobi. Claro que Levy se resignou bastante em aceitar, mas depois de muita insistência, aceitou.

            – Eu te amo, sabia? Mais que tudo. – cochichou Enzo no ouvido de Levy quando saiam da churrascaria.

              Faltando apenas dois meses para as eleições, a campanha estava a todo vapor. Enzo andava na cidade toda fazendo comícios e caminhadas corpo a corpo arrastando multidões. Já despontava como o candidato preferido dos eleitores e tinha 60% das intenções de voto.      Sua vice era a namorada de seu irmão, mas não se davam nada bem. Rita era manipulada por Mário em tudo, desde as roupas que vestia até os lugares que ia. E o pior: Ela era da extrema direita e Enzo, diferentemente dela e de Ricardo, era da esquerda, defendia um governo popular e para os mais carentes.

              O dia 03 de outubro chegou. O domingo das eleições. A cidade estava um caos. Vários adversários foram presos fazendo boca de urna e comprando votos. Enzo não deu um centavo para comprar votos, era muito carismático. Chegou a afirmar em um comício na ponte estaiada, que criaria uma secretaria específica para LGBT, fato histórico na cidade. As 17h, quando encerrou as votações, fora para a casa de Levy, relaxar.

            – Não acredito que você ganhou! – gritou Levy ao ver o amado. – Meus parabéns, meu amor! – e se beijaram na boca.

             – Calma, ainda é cedo para comemorar, mas tudo indica que sim. – pontuou Enzo.

            Acompanharam pela TV Cidade Verde o resultado das apurações regados de champanhe. Quando o apresentador anunciou que Enzo era o novo prefeito de Teresina, os dois se abraçaram e se beijaram sem nenhum pudor, na frente de todos os familiares de Levy.

            Meia noite Enzo retornava para seu apartamento, no Jockey, onde morava com a família. Parou devagarinho e entrou com o carro na garagem. Ao sair, fora abordado por um homem encapuzado, armado com uma pistola nove milímetros. O bandido apenas apontou a arma com um silenciador acoplado ao cano e disparou a queima roupa direto no coração. Enzo caiu no chão e pela última vez seus olhos viram a luz da vida. Uma enorme poça de sangue começou a escorrer. O algoz do assassinato do então atual ex prefeito saiu sem levar nada, atirando em todas câmeras de vigilância que encontrou no perímetro, para dificultar o reconhecimento.

            Vinte e dois minutos depois, Mário apareceu no playground carregando uma bolsa de couro preto nas costas. Aproximou-se do seu carro, na garagem. Quando apontou o alarme para destravar o veículo, viu o corpo do irmão jazendo a dois metros de distância de seus pés. Correu e se agachou; não sabia se ria ou se chorava. Mário desejava, mas que ninguém, fora do caminho para assumir o posto que sempre quis. Enzo, na cabeça de Mário, era uma cópia sua mal feita, com todos os sentimentos bons que o gêmeo arrogante não tinha. Conferiu a respiração do irmão e agradeceu por notar que a pele dele estava gélida como um iceberg. Pegou o celular e a carteira de Enzo e guardou dentro da bolsa, ligando do seu celular, em seguida, para Rita:

            – Você não vai acreditar... Sou o novo prefeito de Teresina. – falou ofegante.

           – Eu sei, meu amor. Enzo tinha muitos inimigos. Assuma o lugar dele imediatamente antes que vaze na imprensa. E quem morreu foi você entendeu? Quem morreu foi Mário Lorenzo Ponches. – insistiu Rita.

           – Não é arriscado usurpar o lugar de outra pessoa assim, não? – indagou Mário, temeroso. – Tenho medo que descubram e eu ser preso.

              – Não fale besteiras, seu tolo! – bravejou Rita. – Os mortos não falam. Se livre do corpo e tente ficar o máximo parecido com ele.

             Rita, uma hora antes, contratou seu vizinho, Herbert, assassino de aluguel, para entrar no residencial, aguardar Enzo chegar e assassiná-lo. Tinha esse plano em mente desde quando se candidatou a vice na chapa com o cunhado. Era o plano perfeito para esposa e marido serem os “chefões” da cidade. Rita era ambiciosa. Ansiava ser presidente do Brasil e instaurar uma ditadura.

            Mário colocou o corpo dentro do porta-malas de seu carro, limpou o chão sujo de sangue com água da piscina, tirou a camisa e a calça de Enzo, deixando-o só de cueca e depois saiu. Seguiu para quilômetros longe dali. Parou as margens do rio Parnaíba, na ponte que divide Teresina de Timon. Desceu rapidamente do veículo e atirou o corpo de Enzo no rio. Ao voltar para o residencial, mandou uma mensagem pelo Whats para Rita: “Avise a imprensa e a todo mundo que o corpo de Mário Lorenzo Ponches foi encontrado dentro do rio Parnaíba. Vai ser a maior comoção kkkkkkk, o irmão do prefeito eleito acabou de ser morto kkkkkkk.” Rita respondeu imediatamente com um: “OK. Apague essa mensagem.”.  E assim o fez.

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