༺ Amara Wild ༻
Já se passara uma semana desde que eu e Cal estamos neste hotel improvisado. Só restavam mais dois dias e o pensamento de que logo teria que voltar para a rua me fazia sentir um aperto no peito. Tentei de tudo para conseguir algo que me mantivesse longe dessa vida fui a vários lugares, conversei com pessoas, mas nada. As portas estavam fechadas para mim, como sempre. E o tempo estava correndo. Sentei-me ao lado da janela, observando a rua lá fora. O hotel onde estamos não era nada luxuoso, mas tinha algo de curioso em sua decadência. Era como se fosse uma pequena cápsula de refúgio da realidade, que eu sabia que logo teria que deixar. Uma sensação de desespero começava a se infiltrar em mim enquanto olhava a paisagem, sem saber exatamente o que fazer a seguir. Foi quando a porta do quarto se abriu, interrompendo meus pensamentos. Cal entrou, carregando uma sacola cheia de frutas. Ele estava sorrindo, como se tivesse acabado de conquistar o mundo. — Olha o que consegui! — Ele disse, colocando a sacola sobre a mesa com um sorriso de satisfação. — Ganhei isso na rua. Um cara que estava vendendo me deu de graça. Olhei e tentei esboçar um sorriso, embora a preocupação estivesse estampada no meu rosto. Ele observou o ambiente ao redor e comentou, sem perder o entusiasmo: — É uma pena que teremos que sair logo daqui. Mas foram dias maravilhosos longe da rua. Suspirei e voltei a olhar para a janela, o vento suave batendo no vidro. Não queria que ele visse a angústia que estava crescendo dentro de mim, que soubesse o quanto estava perdendo a esperança. — Sim! — respondi, minha voz mais cansada do que eu queria. — Mas não temos muito o que fazer, não é? Cal percebeu a mudança no meu tom de voz e se aproximou de mim. Parou ao meu lado e me olhou com um olhar sério. — Está tudo bem? — Perguntou, preocupado, mas também tentando entender o que estava acontecendo comigo. Respirei fundo e me virei para ele, um passo decisivo se formando dentro de mim. Encarei os olhos de Cal por um momento, antes de falar, com a voz firme. — Vou aceitar a proposta de Domenico. — Disse, de maneira quase automática, como se fosse uma decisão que já estava tomada há algum tempo. — Mas antes de tudo, colocarei algumas condições nesse contrato dele. Cal ficou em silêncio por um instante, me estudando com atenção. Ele parecia surpreso, mas não completamente chocado. Finalmente, ele falou, mais sério do que nunca. — Você tem certeza disso, Amara? — Questionou, a preocupação visível em sua voz. — Essa não é uma escolha fácil. Olhei para ele, tentando conter o nervosismo que crescia dentro de mim. Percebia estar fazendo algo contra os meus princípios que eu nunca imaginaria fazer. Mas a alternativa era pior. Não posso mais continuar nessa vida. Estava cansada de lutar diariamente somente para sobreviver. — Estou cansada, Cal— respondi, minha voz mais suave. — Cansada de viver nas ruas, de não saber o que vai acontecer amanhã. Não posso deixar escapar a única oportunidade que tive até agora de sair dessa vida. Eu… preciso disso. Ele parecia relutante, ainda preocupado com o que aquilo significava. Cal deu um passo atrás, como se estivesse digerindo a decisão. — Entendo… — Ele murmurou, balançando a cabeça levemente. — Mas você tem que fazer isso por você, Amara. Não porque está desesperada. Você tem que se lembrar do que realmente quer, e merece. Sabia que ele estava certo. Preciso fazer isso porque era o melhor para mim, e não porque o desespero estava me forçando a aceitar qualquer coisa. Mas, nesse momento, não via outra saída. — Eu sei. — Respirei fundo, me levantando. — E vou garantir que as condições do contrato me protejam. Não serei submissa a eles, nem ao que eles querem. Tenho o controle disso, pelo menos uma parte. Cal me observou por um momento, com os olhos cheios de preocupação, porém, com um certo respeito pela minha decisão. Ele sabia estar fazendo o que achava ser o melhor, mesmo que fosse algo tão complicado. — Você sempre foi forte, Amara. — Ele disse, sua voz mais suave agora. — Só não se esqueça de quem você é, mesmo quando as coisas ficarem difíceis. Assenti, sentindo o peso das palavras dele, mas sabendo que, por mais que o medo estivesse me consumindo, a decisão estava tomada. E agora, tudo o que podia fazer era seguir em frente e esperar que, de alguma forma, essa escolha me levasse a algo melhor. Depois de algum tempo, me encontrei observando Cal dormir tranquilamente na cama. Ele estava tão relaxado, alheio a tudo que estava acontecendo dentro de mim. A decisão que tomara ainda não havia se assentado completamente no meu coração, mas percebia que precisava lidar com aquilo logo. O peso da escolha me apertava o peito, e ficar adiando não ia me ajudar em nada. Levantei-me da cama com cuidado, tentando não fazer barulho. Quando passei pela porta, a brisa fresca do hotel me acolheu, e a recepção parecia vazia. O lugar era simples, mas de alguma forma ainda me dava uma sensação de segurança que logo se esvaneceria. Fui até a recepção e pedi para usar o telefone. O atendente me olhou de relance, mas não disse nada. Após pagar, peguei o cartão e fiquei ali, olhando o número que ainda estava no papel. A hesitação tomou conta de mim por um momento. O que estava prestes a fazer parecia surreal, ligar para ele, para o homem que oferecera um contrato com quatro condições de servidão. Respirei fundo. Não havia mais volta. Sei o que queria, precisava de uma mudança. O que tivesse que fazer, faria. Então, finalmente, digitei o número e o segui até pressionar o botão de chamada. O telefone tocou uma vez, duas vezes… mas ninguém atendeu. Suspirei e, com o dedo, comecei a mexer nervosamente no cartão em minha mão. “Preciso fazer isso. Não vou mais esperar”, pensei. Então, liguei novamente. O som do telefone chamando ecoou por mais alguns segundos até que finalmente uma voz grossa, inconfundível, atendeu do outro lado da linha. — Alô? Quem é? — A voz de Domenico saiu grave e impaciente, mas com uma leve curiosidade. Engoli seco, mas falei com firmeza. — É... é Amara. Ele fez uma pausa. Quase podia ouvi-lo sorrindo do outro lado. — Ah, finalmente. — Sua risada no final da frase soou como uma confirmação de algo que ele já sabia, como se estivesse esperando por esse momento. — Então, qual é a sua resposta? Hesitei por um segundo, mas a ansiedade tomou conta de mim. Precisava resolver aquilo de uma vez por todas. — Eu… quero marcar um lugar para nos encontrarmos antes de fechar o contrato. Quero ver os termos antes de decidir. — A voz soou mais firme do que esperava, mas minha cabeça ainda estava cheia de dúvidas. Domenico respondeu quase imediatamente. — Claro. Que tal um café? Eu te encontro em uma hora. No Café Du Soleil, no centro. Estarei lá esperando. Percebia que esse era o momento. Estava prestes a fazer algo que mudaria minha vida, mas, de algum modo, meu corpo estava agindo no automático. Somente respondi. — Estarei lá. Desconectei a chamada e, por um momento, fiquei parada, olhando para o nada. Não havia mais volta. Eu iria até ele, veria os termos e então decidiria. O que quer que fosse, faria o que fosse necessário para sair da rua. E agora parecia que essa era a única oportunidade que tinha. Fui até o armário e peguei um macacão preto que tinha, vestindo-o com rapidez. Cal estava dormindo e não iria me interromper, então aproveitei para me arrumar. Coloquei um tênis All Star branco, ajeitei meu cabelo da melhor forma possível e puxei minha touca. Queria parecer minimamente apresentável, embora soubesse que ele já me via como uma oportunidade, não, como alguém que precisasse impressioná-lo. Mas era tudo o que eu podia fazer. Quando cheguei ao Café Du Soleil, o lugar estava relativamente calmo, com a maioria das mesas ocupadas por pessoas com roupas caras e sofisticadas. Mas o que me chamou a atenção foi o homem sentado em uma mesa no canto, batendo os dedos sobre a madeira da mesa em um ritmo impaciente. Domenico Beltron estava ali, esperando. Sua postura imponente contrastava com o lugar simples onde eu me encontrava. Ele estava claro e visivelmente irritado, mas sua expressão mudou quando me viu. Me aproximei, meu coração batendo acelerado, mas fiz o possível para manter a calma. Quando ele me viu, levantou os olhos e me observou com um sorriso enigmático. — Amara. — Ele disse, sua voz profunda e cheia de uma autoridade que me fez quase hesitar. — Eu sabia que você viria. Respirei fundo, tentando não deixar o nervosismo me tomar. Fui até a mesa, o som dos meus passos ecoando no ambiente silencioso e disse, quase em um sussurro: — Você não me deixou muita escolha, não é? Ele riu baixinho, um riso que parecia esconder mais do que queria mostrar. — Eu sabia que você aceitaria. — Ele me olhou como se tivesse já vencido a batalha. — Agora, vamos conversar sobre os termos.