༺ Amara Wild ༻
Estou deitada na cama do pequeno quarto de hotel, a sensação de calor contrastando com o peso das escolhas que pesavam sobre mim. Cal estava sentado na cadeira ao lado, ainda me olhando com aquela expressão de preocupação e, ao mesmo tempo, desconforto. Ele não parecia entender totalmente o que estava se passando em minha mente, mas eu sabia que ele estava tentando. Como meu amigo, ele me conhecia bem demais. — Você vai mesmo aceitar uma proposta dessas? — ele perguntou, como se fosse a coisa mais absurda que já tivesse ouvido. — Ser mulher de quatro homens maníacos e ricos? Sabe que não precisa fazer isso, Amara. Sei que vivemos na rua, porém podemos dar jeito de nos virar como sempre. Suspirei, virando o rosto para encará-lo. Ele me conhecia mesmo bem o suficiente para saber que eu não sou de aceitar coisas assim de forma simples. Mas, a essa altura, a vida já havia me empurrado para um beco sem saída, e essa proposta, por mais absurda que fosse, parecia uma saída, um escape da rua, a chance de algo diferente. — Também penso ser um absurdo — respondi, balançando a cabeça em descrença. — O mais velho, então… Ele ofereceu uma casa, uma quantia em dinheiro… E quem sabe mais. A verdade é que, a essa altura do campeonato, orgulho é uma coisa que estou bem longe de ter. Eu só quero sair das ruas, Cal. Quero uma vida melhor… E talvez ele possa me oferecer isso. Cal me olhou surpreso, seus olhos demonstrando uma dúvida crescente. — Então ele ofereceu uma casa? — perguntou ele, ainda não acreditando totalmente. — E você está considerando isso? Sério? — Sim, ele ofereceu. — Dei de ombros, tentando disfarçar o quanto a ideia ainda me repugnava. — Mas a ideia de ter que ficar com os quatro… Isso, sim, é uma vergonha. Nunca pensei que chegaria a esse ponto. Seria muito mais fácil ficar com um, mas não, ele quer me dividir entre os três. Como se eu fosse… Sei lá, algum tipo de… mercadoria. Cal se levantou da cadeira, caminhando até a janela do quarto, observando a movimentação da rua abaixo. Ele parecia profundo em seus pensamentos, mas estava claramente tentando entender minha posição. — Bom, você tem tempo para pensar. — Ele disse finalmente, virando-se para me olhar. — Não precisa decidir agora. Acho que você só deve fazer o que o seu coração mandar, Amara. Não o que os outros querem ou o que a situação pede. O que realmente importa é o que você quer para a sua vida. Me ajeitei na cama, buscando um pouco de conforto, mas a verdade é que nem o cobertor quente que me envolvia conseguia me aquecer o suficiente para afastar o frio que apertava o meu peito. A ideia de ter que fazer isso ainda me enojava. Mas, por outro lado, a casa, o dinheiro, a promessa de uma vida mais segura… Era tentador demais. — Sei que você está certo, Cal. — murmurei, fechando os olhos. — Mas não sei mais o que fazer. O que mais posso esperar? Aqui na rua, não há escolhas. Só… sobreviver. Se isso é o preço para sair daqui, então eu… talvez tenha que pagar. Ele ficou em silêncio por um momento, e sabia que ele compreendia o quanto aquilo me feria. Cal também percebe que, por mais que tentasse, não poderia me tirar desse caminho. Estava tão enredada nas dificuldades da vida que qualquer proposta que me tirasse desse poço de miséria parecia válida. Mas o orgulho? Ah, o orgulho ainda lutava dentro de mim, mesmo que de forma débil. — Se você acredita que é o melhor para você… — ele finalmente disse, a voz suave. — Vou estar ao seu lado, sempre. Mas, lembra… seu coração sabe o que é melhor. Não se force a fazer algo que não quer devido a uma proposta. Só porque ele tem dinheiro, poder e uma casa… Isso não significa que seja o certo. Me aninhei ainda mais no cobertor, fechando os olhos, mas o dilema continuava. Eu precisava de uma nova vida, algo que me tirasse dessa rotina miserável. Mas a que custo? E, enquanto a escuridão do quarto tomava conta, me sentia perdida entre o que queria e o que parecia ser a única opção que restava. Pela manhã desci para a recepção do hotel com Cal, ainda meio sonolenta, mas com uma sensação estranha de conforto. Fazia tanto tempo que eu não dormia tão bem e confortavelmente, que me surpreendi por estar realmente descansada. A cama, por mais simples que fosse, foi um luxo comparado ao chão das ruas. Cal, como sempre, parecia calmo, mas havia uma leve tensão no ar. Ele me olhou enquanto nos aproximávamos da mesa de café e perguntou, com um tom de curiosidade: — Como você passou a noite? Conseguiu dormir? — Bem — respondi, me sentando ao lado dele. — Fazia muito tempo que não dormia tão bem, e confortavelmente. Eu… não sabia o quanto isso poderia ser bom. — Dei um suspiro, um pouco mais relaxada do que nas últimas semanas. Cal deu um sorriso discreto, como se pudesse sentir a leveza que estava sentindo. Ele se serviu de uma xícara de café e olhou para mim, curioso. — Quantos dias você acredita que a gente vai ficar aqui? — perguntou ele enquanto mexia na xícara. Peguei uma tigela e comecei a me servir de algumas frutas, o que me deu um pouco de prazer, algo simples, mas raro. Olhei para ele e dei de ombros. — Uns oito dias, no máximo. É o que o dinheiro dá para pagar. — Suspirei, passando uma fatia de melancia pela faca, mais por gesto do que por necessidade. Cal fez um gesto com a mão, como se fosse uma aprovação. — Isso é ótimo. Uns dias fora da rua vão te fazer bem. — Ele disse, como se soubesse o quanto aquela pausa temporária era algo novo para mim. Acenei, concordando com ele, mas minha mente ainda estava em outro lugar. Peguei uma fatia de abacaxi e a comi devagar, tentando afastar o turbilhão de pensamentos que me invadiam. Continuo pensando na proposta de Domenico. Uma casa. Dinheiro. Uma vida diferente. Mas, ao mesmo tempo, a ideia de ser “exclusivamente” deles, como ele disse… era algo que me repelia, que não cabia na minha cabeça. Eu não queria ser mais uma entre eles. — Vou sair atrás de alguma coisa hoje. — Comentei, tentando esconder o desconforto que ainda sentia ao pensar na proposta. — Quem sabe a vida me surpreenda dessa vez. Pode ser que consiga algo na rua. Não preciso aceitar aquela proposta nojenta daquele homem. Cal me observou, como se estivesse tentando entender meu estado de espírito. Ele respirou fundo antes de responder. — Pode ser uma boa, sim. — Ele respondeu com uma leve expressão de incentivo, mesmo sabendo que não era tão simples. — Eu não quero que você se sinta pressionada a tomar uma decisão tão apressada. Você merece algo mais do que esse tipo de vida. Assenti, embora soubesse que ele entendia a real dificuldade de tentar sobreviver na rua todos os dias. Não era tão simples. Quando você está sem rumo, qualquer proposta, por mais repulsiva que seja, começa a parecer uma saída. Comi mais um pedaço de abacaxi, sentindo um gosto agridoce. O cheiro do café, a calmaria do momento… tudo parecia distante, como um sonho que estava prestes a acabar. Minha mente continuava me martelando com a proposta de Domenico. O que ele disse? Que eu poderia ter uma casa. Que ele poderia me tirar da rua e, de alguma forma, ele me faria esquecer de tudo o que era ruim. Mas… e os outros? E a ideia de ser dividida entre quatro homens? Como eu poderia aceitar algo assim? Estava tão distante de ser uma “mulher de quatro”, como ele disse, que a própria ideia me dava náusea. Sabia que Cal estava tentando me dar forças, mas a verdade era que o que eu realmente queria… era uma chance. Uma chance de ser algo diferente, de viver uma vida onde não tivesse que me esconder nas sombras. E Domenico… bem, ele estava me oferecendo isso, não importando o quanto fosse distorcido o preço que teria que pagar. — Vou sair para ver o que consigo. — Repeti mais para mim mesma do que para ele, levantando-me lentamente da mesa e dando-lhe um sorriso tenso. — Quem sabe, né? Cal não disse mais nada. Ele somente me observou enquanto eu me afastava da mesa, indo em direção à porta do hotel, com um peso enorme sobre os meus ombros. Notava que a rua me aguardava, mas sabia que, se tudo desse errado, eu ainda teria aquela proposta me rondando como uma sombra. Uma sombra que me fazia sentir mais fraca a cada segundo.