É com dor no coração que estou embalando as coisas da minha confeitaria — compradas com tanto sacrifício —, com as lágrimas rolando sem controle por meu rosto. Como Gustavo teve a coragem de fazer isso comigo?, pergunto-me mais uma vez, tentando, sem sucesso, afastar as lembranças. Ele sabia o quanto eu havia lutado para conquistar esse lugar; o que isso significava para mim.
— Eu sinto muito, Manu. Sei como amava essa loja — Camila fala enquanto coloca as pequenas formas de cupcake na caixa.
— O pior foi que ele não prejudicou só a mim e a minha família, mas também você. O dinheiro do seu trabalho a ajudava a manter sua casa. Estou me sentindo mal por isso, Camila. Você sempre foi meu braço direito.
Ela vem até mim e me abraça.
— Tenho certeza de que vai conseguir se reerguer. Você é uma mulher forte que não aceita derrotas, e isso é o que mais admiro em você, Manu. Não se culpe por ter um bom coração e acreditar no amor. Sei que um dia vai achar alguém que realmente a ame. — Ela se afasta e limpa as minhas lágrimas, sorrindo fracamente.
— Não vou querer pensar em namoro tão cedo — digo, baixinho. — Cansei de me machucar. Agora vamos terminar que preciso entregar a chave do prédio ainda hoje.
Camila concorda com um aceno, o semblante ainda preocupado.
Quando terminamos de empacotar tudo, levamos até o carro, deixando boa parte das coisas no banco de trás, por não caberem todas no porta-malas. Com uma dor profunda no peito, fico um tempo olhando para a fachada que havia mandado fazer com tanto carinho, cujas letras grandes e brilhantes formam as palavras Sonho Doce. Que ironia o meu sonho ter sido arrancado de mim. Foram cinco anos trabalhando como garçonete para poder juntar o dinheiro; dois anos trabalhando todos os dias sem folga para poder criar uma boa clientela e firmar o meu ponto. E tudo isso para nada.
— Então aqui nos despedimos. Pegou todas as suas coisas do apartamento? — Camila pergunta, já com os olhos marejados.
— Sim, peguei tudo. Muito obrigada, amiga. Esses sete anos que passamos juntas dividindo o apartamento foram os melhores da minha vida. Nunca vou me esquecer de você, de tudo o que fez por mim. Não vou morar muito longe daqui, pode ter certeza de que venho visitá-la assim que der.
Ela assente, e não é difícil perceber, pelos lábios trêmulos e os olhos que insistem em não encarar os meus, que está tentando segurar o choro. Não muito diferente de mim. Nenhuma das duas suporta despedidas.
— Você sabe que é como a irmã que nunca tive, não é? — ela indaga em um sussurro, e a minha única reação é puxá-la para um abraço. Assim que nos afastamos, abro a porta do passageiro, pego um envelope no porta luvas e a entrego.
— O que é isso?
— Um presente de despedida. — Observo Camila abrindo-o com cuidado e suspirando ao ver o dinheiro. – É pra você pagar o aluguel do mês — explico. — Foi o que ganhei com as últimas encomendas.
— Ah, eu... Muito obrigada, isso vai me ajudar muito. — Camila se joga em meus braços, sem mais se incomodar em disfarçar as lágrimas. — Amo você.
— Manu. — A voz suave da minha cliente favorita nos interrompe e eu me viro para ver Gabi, a pequena menina de cabelos cacheados, correndo em minha direção com os braços abertos. Me abaixo para ficar na sua altura e a aperto contra o meu corpo. — Eu vim me despedir — ela diz. — Fiz esse desenho pra que sempre se lembre de nós. – Gabi se afasta apenas o suficiente para tirar do bolso uma folha e me entregar. Nela, havia desenhado minha lojinha, ela, eu, Camila e seu pai. Todos de mãos dadas.
Quando eu ia responder, emocionada pela sua atitude, o seu pai surge à nossa frente, com o rosto corado e a respiração ofegante.
— Na próxima fez me espere – ele ralha para a filha, mas não parece irritado – Rafael dificilmente se irritava com Gabi. — Ela queria muito se despedir. Espero que não tenha problema.
— Imagina! Você sabe como gosto dessa coisinha. — Sorrio para Gabi e encosto os meus lábios em sua testa, satisfeita com o sorriso que toma conta do seu rosto. — Amei o desenho, querida. — Então me levanto e dou um abraço em Rafael.
— Espero que dê tudo certo nessa nova etapa da sua vida — ele fala, sorrindo. — Se precisar de ajuda é só nos ligar.
— Obrigada. Agora tenho que ir, logo começa a anoitecer. Preciso devolver as chaves antes de pegar a estrada.
— Eu entrego pra você. — Camila se oferece, e eu concordo, aliviada demais para discutir.
— Obrigada. Nunca vou me esquecer de nenhum de vocês. — Forçando-me a não olhar para trás, entro no carro e aceno para eles, os olhos fixos no volante.
Ligo o som no máximo, abro as janelas e deixo o vento secar minhas lágrimas. Após quase duas horas de viagem, quando já estava chegando na entrada da cidade, o meu pneu fura e, bufando, encosto o carro e saio para avaliar a situação. Como se entendesse alguma coisa de carro, reclamo em pensamento.
— Tudo que tá ruim pode piorar. — Chuto o pneu murcho, lembrando que havia tirado o estepe e não o colocara de volta. Uma enxurrada de palavrões escapa enquanto continuo chutando, na esperança de diminuir apenas um pouco a frustração.
— Vai se machucar assim, princesa.
Eu me sobressalto ao ouvir a voz e olho em volta, avistando um carro estacionado a alguns metros do meu — que, de tão distraída, não o havia notado atrás de mim —, e de pé, encostado à porta, está um homem absurdamente lindo. E que agora está vindo em minha direção.
— Seu pneu não vai se encher com você chutando e gritando com ele. Precisa de um estepe.
Mesmo sabendo que ele está certo, acabo revirando os olhos.
— Não me diga.
— Então por que não tá trocando o pneu? Está com medo de quebrar as unhas? — O que ele tinha de bonito tinha de presunçoso, isso era certo. – Quer que eu troque pra você? Cadê seu estepe?
— Esqueci — respondo, sem o encarar.
— Desculpe, eu não ouvi. Pode repetir, por favor? — Seu sorriso me diz o contrário. Ele tinha ouvido sim, só está me fazendo de idiota.
— Eu esqueci o estepe. Está feliz agora?
Ele parece gostar de me ver irritada, a julgar pelo sorriso que se alarga nos lábios. E que sorriso. É uma pena pertencer a alguém tão irritante. O homem se vira e vai até o próprio carro; pega o estepe e algumas ferramentas e retorna. Com uma paciência admirável, começa a trabalhar no pneu, com mãos habilidosas que me fazem crer que realmente sabe o que está fazendo. Mas não vou dar o braço a torcer e elogiá-lo.
— Obrigada. Você quer me dar o número da sua conta pra poder depositar o valor do estepe e do seu serviço? — pergunto em um tom sério e tudo o que ele faz é limpar as mãos em um lenço e se encostar no carro, cruzando os braços e deixando ainda mais evidentes os músculos.
— Não é necessário. Sei que é nova na cidade, então considere isso como um presente de boas-vindas. — Ele estende a mão e sorri. — Meu nome é Caio. Muito prazer.
— Bem... — Aceito o seu cumprimento com uma hesitação mal disfarçada e cruzo os braços. — O meu é Manuela. Como sabe que sou nova na cidade?
— É que um rosto igual ao seu não é fácil de esquecer. — Para a minha surpresa, ele toca a minha bochecha com um gesto tão próximo de uma carícia e, como se não fosse nada, vira as costas, recolhe as ferramentas e volta para o carro, indo embora sem mais nenhuma palavra.
E eu fico aqui completamente sem reação. Como ele pode ser assim tão atrevido e irresistível ao mesmo tempo?
O que será que o destino tem reservado a nossa doce menina?