Hunter Blood Moon
“Não pode deixá-la lá embaixo. Está frio.” rosnou Blade, se agitando dentro de mim com impaciência.
“Dei a ela um colchonete e uma manta. Vai ficar bem.” retruquei, deixando a água quente deslizar pelas minhas costas, tentando ignorar o incômodo.
“É a nossa fêmea, Hunter! Deveria estar em um ninho quente. Ao nosso lado.”
“É uma impostora, Blade. Uma bruxa! Você viu a adaga lunar que ela carregava? Onde conseguiu uma daquelas? Se tivesse nos atingido, nem eu, nem você estaríamos aqui. Ela é uma inimiga. Amanhã, terá desaparecido da minha mente.”
“Não seja estúpido, Hunter.” Blade rosnou em fúria, a voz ecoando como trovão dentro de mim. “Ela é a nossa fêmea. Sabe disso melhor do que eu. Você a rastreou, a farejou… meses atrás.”
Fechei os olhos, e por um instante o vapor quente do banho não foi suficiente para afastar o frio que percorreu minha espinha. Eu lembrava do cheiro dela naquela noite, selvagem e doce como lua cheia sobre neve fresca.
Mas não. Não podia ser.
Se aquela fêmea fosse de fato minha parceira, não estaria tão inclinada a cravar uma lâmina em meu coração. Parceiras não desejam a morte do outro. Parceiras não carregam adagas lunares.
E, para piorar, ela era uma Silverstar.
O povo amaldiçoado. O clã que, por gerações, atiçou a guerra, corrompeu alianças e espalhou sangue.Seu sangue era veneno. Um risco para todos.
Eliminá-la seria terminar o que meu pai começou há catorze anos, quando levou fogo e aço contra aquele vilarejo. Seria o golpe final em uma linhagem que já deveria ter sido extinta.E, ainda assim…
meu lobo a desejava.Eu a desejava com uma força quase animalesca. Hailey era provocante demais, impossível de ignorar.
Precisei reunir todo o meu autocontrole para não arrastá-la para os fundos da boate e tomá-la ali mesmo. O vestido preto que ela usava parecia feito para me provocar: curto demais, justo demais, cobrindo apenas o essencial. O decote arredondado transbordava tentação.O cheiro dela ainda impregnava na minha pele, queimando cada nervo como fogo.
Se a levasse para o meu quarto, como Blade implorava, eu não conseguiria resistir. A marcaria naquela mesma noite. Mas não! Eu precisava resistir. Podia esperar até a manhã, quando o xamã chegasse para desfazer aquele maldito feitiço de vínculo.Desliguei o chuveiro e saí, me enrolando na toalha.
Realmente, era uma noite fria. E no porão deveria estar pelo menos uns dois graus abaixo.
De repente, me peguei pensando em como estaria a fêmea.
Balancei a cabeça, ignorando o pensamento.Ela era uma inimiga. Se eu baixasse a guarda, não evitaria ser eliminado desse mundo.
Depois que me vesti, fui até o escritório olhar no livro do clã.
Tínhamos o hábito de registrar todos os nossos ataques, vitoriosos ou não. Hailey disse que meu povo dizimou seu clã, mas eu não lembrava da história completa ou onde viviam. Talvez o lugar onde habitassem hoje fosse um dos muitos empreendimentos do meu clã — um shopping ou um conjunto de apartamentos.Folheei as páginas antigas, o cheiro de couro e sangue seco impregnando minhas narinas. Cada linha daquele livro era uma cicatriz da nossa história — datas, nomes, territórios conquistados, alcatéias massacradas. A caligrafia mudava com os anos, mas o peso era sempre o mesmo: vitória ou destruição.
Meus dedos pararam em anotações datadas de quatorze anos atrás. A época do reinado do meu pai. Silverstar. Pequena alcatéia, registrada como rebelde. Conspiração com caçadores humanos e uso de magia lunar proibida. A sentença: execução em massa.
“Sem sobreviventes.”
A nota em rodapé cortou como uma lâmina.Hailey só podia ter escapado porque estava fora da vila… ou porque alguém a escondeu. Ou — pior — porque um dos nossos a protegeu.
Na época, devia ter o quê? Cinco, seis anos?Fechei o livro com força, o estampido seco ecoando pelo escritório silencioso. Agora fazia sentido o ódio que queimava nos olhos dela. Fazia sentido ela me odiar.
Mas não explicava o vínculo.
Não explicava por que a Lua, cruel e caprichosa, teria me condenado a sentir o cheiro dela como se fosse o néctar mais viciante.“Você já sabe a resposta, Hunter…”
rosnou Blade dentro de mim, áspero, impaciente. “ Ela é nossa fêmea.”Joguei a cabeça para trás e soltei um suspiro que mais parecia um rosnado preso na garganta.
Droga. Pior do que admitir era reconhecer que Blade tinha razão.Por mais que minha mente gritasse que ela era uma impostora, cada fibra do meu corpo clamava o contrário. Cada instinto me dizia que aquela mulher — aquela loba amaldiçoada — era a fêmea pela qual eu havia esperado a vida inteira.
Eu já tive muitas fêmeas. Lobas e humanas. Corpos que aqueceram minha cama, bocas que sussurraram meu nome com devoção ou medo. Já possuí mais de uma ao mesmo tempo, me satisfazendo em excesso, como o predador que sempre fui.
Mas nenhuma… nenhuma jamais despertou em mim essa fome. Essa necessidade visceral de marcar, possuir, reivindicar.E Hailey… a maldita Silverstar… fazia meu sangue ferver como nenhuma outra.
Saber que ela estava enjaulada num lugar frio e escuro me corroía por dentro. Cada vez que tentava ignorar, Blade rosnava dentro de mim, impaciente, lembrando-me de que nossa fêmea merecia estar em nosso leito, e não em uma jaula.
Quando dei por mim, meus pés já me guiavam pelo corredor estreito até o porão. O ar ali era mais denso, impregnado pelo cheiro metálico de grades e pela essência dela, medo, raiva, mas também algo doce que me enlouquecia.
Desci as escadas devagar, sem acender as luzes. Meus ouvidos captaram a respiração acelerada dela, o coração disparado como o de uma presa acuada.
— Quem está aí? — a voz dela quebrou o silêncio, trêmula, carregada de pavor.
Não respondi. Permaneci imóvel por alguns segundos, apenas ouvindo o som delicioso da ansiedade dela, sentindo sua energia vibrar contra as barras. Queria saborear aquele controle, a sensação de que tinha o poder absoluto sobre cada batida do coração dela.
Deixei escapar um rosnado baixo, só o suficiente para arrepiar sua pele.
— Hunter? Se está tentando me assustar, não está conseguindo. — ela disse, mas o vacilo em sua voz me contou outra história.
Um riso baixo escapou da minha garganta. Aproximei-me das grades, deixando que o som ecoasse pelo espaço fechado.
— Mesmo? — perguntei, os olhos fixos na sombra dela. — Porque, daqui, parece que está apavorada.
Ela respirou fundo, tentando recuperar o controle.
— O que você quer, Hunter?
Deslizei a mão no bolso e tirei as chaves, deixando que o metal tilintasse de propósito. O som se espalhou pelo porão como uma promessa sombria.
— Tive um lapso de piedade. — disse, girando as chaves entre os dedos. — Talvez eu não devesse deixar a minha… prisioneira… congelar essa noite.
A corrente do trinco gemeu quando encaixei a chave. Olhei para ela através das grades, mantendo minha voz grave, carregada de algo que nem eu mesmo sabia se era ameaça ou desejo.
— Mas se eu abrir essa porta… vai me atacar, Hailey Silverstar?
— Com certeza. — ela disse baixinho, a voz trêmula mas firme.
Sorri, mostrando os dentes como um lobo prestes a morder.
— Ótimo! Uma luta é… uma ótima preliminar.Ela recuou de repente, como se o ar entre nós tivesse se tornado tóxico.
— Não vou sair daqui.Inclinei a cabeça,a avaliando. Girei a chave entre os dedos, fazendo-a tilintar de propósito.
— Então eu entro.Seus olhos brilharam na penumbra, assustados, mas havia raiva também.
— Você não ousaria.Me aproximei das grades até quase sentir o calor do corpo dela, e deixei minha voz cair num sussurro rouco:
— Meu corpo pode aquecer o seu. Mas lá em cima há uma cama quente, um chuveiro e roupas limpas. Aqui embaixo… só o frio e alguns ratos.Vi a respiração dela acelerar, mesmo que tentasse disfarçar. Sorri satisfeito.
— A escolha é sua, Hailey Silverstar. Mas não demore muito, preciso dormir. Tenho reunião logo cedo.— Prefiro morrer a deixar você me tocar. — ela rosnou, e o som, ainda que frágil, arrancou um arrepio da minha pele. O rosnado dela era adorável.
Senti Blade se agitar dentro de mim, ansioso, encantado como um filhote. Idiota. Ele estava caidinho por ela, e para um assassino sanguinário como ele… aquilo era inesperado até para mim.
Respirei fundo, mantendo o olhar fixo nela.
— Não se preocupe. Não vou tocar em você. — minhas palavras saíram firmes, carregadas da autoridade de um juramento. — Eu te prometo como Alfa.Vi os olhos dela se arregalarem por um instante. O choque. A dúvida. Talvez até um lampejo de… confiança.
Mas dentro de mim, o silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Eu nunca prometia nada a ninguém. E, ainda assim, ali estava eu, quebrando uma das minhas próprias regras.
Blade riu, baixo, satisfeito.
"Mentiroso. Você já a toca sem encostar nela."