Dario parou a van, acomodando Helena no banco do passageiro, estava fria e tremia muito. As lágrimas cessaram em algum ponto depois que ela adormeceu, respirava com dificuldade, como se estivesse gripada. Os pulmões pareciam cheios, ela precisava de alguma paz. Tempo para se recuperar, longe daquela loucura toda de disputas entre aqueles chefões da fronteira. Quatro horas e um bom contorno até passarem pela fronteira. Estavam de volta ao abrigo do deserto. Dario a levou até seu médico de confiança, ela tinha sinais de afogamento. Ele preferia não presumir nada, mas se vingaria se descobrisse que o marido tinha sido responsável por aquilo. Estava tão frágil, tão drogada, que tirá-la do torpor seria a beira do inviável. Dario não queria deixá-la na cidade, mas o isolamento poderia ser cruel. Ele tinha várias propriedades em Piedras Negras, optou por uma com dois quartos, em um bairro antigo e bem estruturado, tinha um parque onde ela poderia correr quando estivesse melhor. Com carinho
— Mais alguma regra? - Dario se interessava. — Algumas: as identidades têm que ter a mesma idade que nós, por erro de um ano no máximo, para cima ou para baixo, mas que não escape da nossa condição física. Os registros, virem de oficiais que incendiaram ou sofreram perdas por catástrofes naturais naquele ano escolhido. Não pode ser gente morta ou, se for, não devem estar registradas. Houve um tempo que as digitais não eram colhidas, a gente tem que se aproveitar disso. - Helena tinha uma estratégia precisa. — Fez muito esse serviço? - Dario se interessava.— Bastante. Nem sempre fui Major. - Helena sorria, ainda que amargamente. - Vamos ver mais perto das bordas internas do deserto, as cidades que atendam esses requisitos. Pode ser uma linha local, descartável, a princípio.— Por que quer uma linha de Detroit, coração? - Dario perguntou. O apelido carinhoso lhe causava certa náusea, conseguia ouvir a voz de Gregory.— Preciso resolver pendências com o General. Fiquei magoada por ser
O deserto era implacável. O vento soprava a poeira douradas, fazendo parecer que o tempo congelava. No oásis, Helena relaxava lentamente, os olhos já não estavam tão pesados, a respiração, ainda que fraca, não era tão dolorosa. Agora, o toque frio da água fresca lhe dizia que estava, verdadeiramente, viva.Dario estava ali, ao lado dela, observando cada pequena reação. O homem que Helena acreditava ser seu inimigo, a quem deveria procurar e destruir, aquele que deveria capturar, agora cuidava dela com paciência infinita. Ele trocou tantos curativos, manteve-a segura, ofereceu seu melhor e mais dedicado carinho. Era meticuloso, como se cada gesto significasse algo maior do que apenas salvar uma vida, era como se estivesse resgatando algo que havia perdido há muito tempo.Helena, fragilizada, não resistia aos pensamentos selvagens que a empurravam de volta para seu dilema. Pela primeira vez em anos, permitia-se ser cuidada. Seu corpo, ainda exausto e ferido, buscava recobrar a força. Er
O beijo silencioso, gentil, era o bálsamo que acalmava as feridas de um passado doloroso, enchia a alma de algo poderoso, leve e morno, invadia-os, conectava as almas de Dario e Helena como há décadas, o sofrimento e a distância, a memória daquela conexão havia se perdido e os reivindicava agora. Aquele instante era a expressão de um amor que era atemporal, que não se importava com nada além de existir. Não havia luxúria, era um toque sereno, adorável, que docemente os resgatava do caos, formava certezas. Ambos estavam ali, por si, um pelo outro e por um plural, o coletivo de uma só alma que expressava o único que eram, juntos. — Eu ainda te amo. - Dario ouvia a prece de Helena, sussurrada como um segredo, na voz de um anjo, que apenas ele ouvia, com o coração batendo, fortemente, emocionando o duro bandido, que o deserto, silencioso, forjou em penas e caos. Aquele momento precioso, único, se tornava algo além de corpos, eram todos que se uniam, sob o milagre pelo qual ele tanto esp
Helena tratava a estrutura das operações de forma corporativa e militar. Havia um certo conforto com aquilo, a identidade dos grupos por suas tarefas, a descentralização. Ela arquitetava com base em conhecimentos conjuntos e Dario se satisfazia. Em pouco tempo, tanto as perdas quanto as falhas diminuíam, Helena blindava operações. Dario acompanhava, aprovando ou não as modificações, sempre cuidando que tivessem um "horário comercial". A quem os visse, na rua, eram só um casal que trabalhava em escritórios, gente comum, a quem não se dava atenção efetiva, passavam despercebidos e conseguiam sair para coisas simples, como um passeio na rua e um sorvete em uma tarde qualquer. — Cinema? Pipoca? Namorar? - Dario sugeria, fagueiro, da porta do escritório dela. — Topo. - Ela disse. Havia uma espécie de pacto silencioso entre eles: Dario a buscava todos os dias quando era hora de parar e trabalhavam em pontos diferentes da cidade, pela discrição e pela segurança. Ela cuidava dos negócios
— Prefiro que me morda se for gritar, ok? - Johnson entregava a mão para Maria. - Ouvi a voz de Helena hoje. - Maria o mordia, dolorosamente. Johnson aguentava, firme. - Se puder respirar fundo e soltar, terá um homem agradecido aos seus pés. - Ela relaxou e o soltou. — Como, quando e onde? - Maria definia.— Maria, não são respostas fáceis. Não sou um exemplo de ética, querida. - Ele respirou fundo, massageava a mordida. — E isso quer dizer que? - Ela sentia algo estrangular a garganta.— Não é algo tão aberto ou necessário agora. Ela está envolvida com Mictlán. - O homem afirmou. - Eu só sei e está na linha de frente, mas do outro lado agora. — E o que fazemos com essa informação? - Maria, às vezes, surpreendia Johnson de forma inusitada.— São dois caminhos, informo e sou julgado por traição ou convido vidas de amigos a um banho de sangue. Ela não sabe brincar de caçar. Ou mata ou cala. - Ele respirou fundo. O vinho era servido. - Enfim, há uma terceira margem: informar o marido
— Preciso submeter o Gregory, sem que ele perceba. - Helena disparou no café da manhã, paralisando Dario no lugar. Ela tinha os cabelos presos em um rabo de cavalo, usava roupas esportivas e tinha o rosto corado, com a xícara de café na mão. Parecia pensar. - Está aí. Vou sequestrar ele dele mesmo. - Ela se levantou. Dario sentia o frio percorrer suas entranhas. Ela iria brincar com uma vida a troco de nada. — Helena, pare! - Dario ordenou, sério. - Brincadeira tem hora. Vai caçar o cara à toa? Saudades? - Ele se enciumava. — Você acha que eu faria com você o mesmo que já ousou fazer comigo, Dario? - Ela respondeu, afiada. - Me poupe. — Helena! - Ele aumentou o tom. A mulher simplesmente o ignorou e seguiu para o quarto. Ele saiu em seu encalço. - Helena. - Ele a segurou pelo braço. - Estou... - Dario sentiu o tapa, pesado, no rosto. Ela retaliou, sem piedade.— Escuta. Me solta para não dar briga. - Ela ordenou. Dario a obedeceu, perplexo, ela não era tão reativa. - Eu vou atrás d
O celular de Gregory enlouquecia de notificações, sendo impossível abrir o aparelho, travado com a avalanche de mensagens. Helena passou a tarde dedicada a operações financeiras. Não houve conta que não fora esvaziada. Fosse dele, das empresas, da mãe ou dos irmãos, todas convergiam a uma única conta de Scarlet, de onde os fundos evaporavam, sem mais rastreabilidade, para algum lugar. Gregory, descrente, via a lista de saldos zerados e irrecuperáveis. No departamento de pessoal, Helena informava uma conta pessoal, na Jamaica, para onde seus fundos eram direcionados, ao mesmo tempo que ele recebia a documentação do divórcio, vindo de algum lugar no Alaska. Sua existência desmoronava em um prazo de quatro horas. Uma devassa acontecia em quatro horas. Um contato, no Havaí, fazia uma ligação. — Alô? - Gregory ouvia a voz de Helena, depois de meses. — Helena! Onde você está? O que significa isso? - Ele olhava, descrente, para z proposta de divórcio, simples, sem pedidos de nenhum tipo de