Dulce hospedou Dario e Helena numo depósito da padaria, a pedido de Helena. Colchonetes no chão, água, cigarros e travesseiros, tudo o que ela pediu e como pediu. — O que vai ser amanhã? - Dario perguntou, ajeitando o corpo ao chão, desconfortável, nunca teve o traquejo que ela tinha de suportar coisas impensáveis. — Como chegamos ao abrigo onde me prestou socorro? - Helena considerava. Raciocinava na pouca luz que vinha de uma janela alta, do lado de fora. Dario a olhava, os olhos claros refletiam aquela iluminação parca, ela parecia uma feiticeira de conto de fadas. — Não é simples, mas dá pra chegar. - Ele disse. - Como quer fazer? — Vou dar meu jeito. Temos que esperar o filho da Dulce voltar. Ele tem instruções específicas. Não é uma alternativa voltar para os Estados Unidos agora. Toma. - Ela entregava seu colchonete para ele. - Estou acostumada a falta de conforto, durmo até em pé. Você está desconfortável demais, está me incomodando. — Cabe dois. - Dario disse, aceit
Dario e Helena passaram algum tempo juntos depois do jantar, em silêncio, no sofá. Helena se aninhou ao abraço dele, apenas para ouvir seu coração. De modo inexplicável, aquele som, ritmado e baixo, o calor morno da pele, o cheiro. Tudo a acalmava nele. Nem em suas melhores bebedeiras se sentiu tão relaxada e livre das contendas íntimas que seu coração a encurralava constantemente. Ele a sentiu suspirar, suave e longamente. — Amor, o que vai ser de nós quando isso tudo acabar? - Ele perguntou, apreensivo, acariciando as costas dela, levou a mão ao cabelo e percebia uma cicatriz, uma falha, alongada e grosseira. "Eu não consegui." Ele arregalou os olhos, lembrando do pranto doloroso dela e, naquele instante, se surpreendendo com a verdade: ela realmente tentou. — Você realmente está ansioso com o futuro, não está? - Ela perguntou, baixinho, com a paz imperando sobre ela. — Estou. - Dario confirmava, se sentia ansioso sem aquela visão de futuro. — Olha, vai ser o que tiver que ser
— Amor, assim, como pensa em entrar em Monterrey? - Dario se interessava. — Silenciosa. - Ela sorriu para o alto. - Ainda sou boa com algumas coisas fora da vida militar. Cozinheiras, boleiras, cabeleireira, barbeiro, tem profissões que são universalmente preenchidas de gente invisível. É uma ação longa, não nego, mas tempo significa redução de riscos. Eu ainda sou um fantasma. - Ela suspirou. - Sabe? De repente, eu me vi livre, de verdade. Sem rumo. Não tinha ordens, nem contas, nem metas, nem identidade, sem propósito, sem destino. - Ela se expunha aos ossos. - Até ser atacada pelos "meus". - Ela gesticulou as aspas, ironizando a situação. - Não entendo o que me torna tão peculiar a ponto de ser um risco. Eu só.... - Ela se acanhava. - Eu só queria morrer, mas não assim, não como morri, ficando desamparada. — O que a machucou tanto ao ponto de a morte ser uma opção viável, meu coração? - Ele se virava para ela. Era difícil entender como uma pessoa tão vigorosa e intensa consider
— Estrategicamente falando? - Dario ponderou, segurando a toalha diante do corpo. O olhar faminto de Helena o intimidava. "Não era tão fogosa." Ele pensou, tentando manter a postura de confiança. — Pode ser. - Ela respondeu, cobrindo o rosto com as mãos, percebia Dario desconfortável. — Subúrbio. Se estou livre e vivo, isso indica que sou bom em me esconder. - Ele afirmou, Helena reconhecia isso. — Ok. - Ela respondeu, a voz abafada pelas mãos diante do rosto. — Está desconfortável, Maria? - Ele entrava na brincadeira, se forçando, apesar do dilema. Priorizava aquele momento que, eventualmente, poderia não se repetir. Ele a sentia nebulosa, não conseguia decifrar aquela nova mulher. — Não, mas acho que estou fazendo cara de lambisgoia. - Ela riu, divertida. — Fato. - Dario se aproximou dela, pegando a roupa sobre a cama, perto demais. - Só que, se começarmos, nenhum de nós dois come até amanhã cedo. Não é um hotel com serviço de quarto. - Ele informou. Haviam escolhido um
— Coração, qual sua relação com Gregory Stuart? - Dario perguntou, lavando a louça. — Antes ou agora? - Ela perguntou, enxugando os utensílios. — Ambas. Temos tempo para nos reconhecer. - Ele disse, precisava ouvir-la. — Ele foi meu instrutor na academia, era amigo meu e do meu finado esposo. Depois que fiquei viúva, se tornou um grande amigo e apoiador, uma das poucas pessoas que eu podia chamar de família. Sempre cuidou de mim, foi meu médico, meu comandante. - Ela respondeu, tranquila, se esticando na ponta dos pés para guardar algo. — Amantes? - Dario tentava conter os ciúmes. Helena o olhou de canto de olhos, sorria, travessa. — É, tivemos um lance, mas ele se emocionou e eu, bom, preferi ir embora. Estava lá quando levei Scarlet para abortar. - Ela disse, como quem conversa com uma amiga confiável. — Qual a relação? - Dario investigava, ajudando-a. — Filha dele. O pai a quem ela referia que eu não amava era Gregory. - Helena respondeu, saindo debaixo de Dario e ganh
Helena chegou em casa, a sensação de estar sendo seguida a atormentava, mas não encontrava motivos para estar sendo seguida, Gregory não chegaria até ali. Ela tinha seu próprio protocolo para sumir e voltar, o qual nunca contou a ninguém. Dario ouviu a porta se abrir com alegria. Helena chegava, suada. — Tome um banho enquanto sirvo. - Ele ordenou, gentilmente. Helena apenas obedeceu, consentindo com um gesto. Ela voltou pouco tempo depois, a mesa servida, a comida preparada como gostava. Acomodaram-se. - Me desculpa. Fiquei enciumado. - Dario disparou assim que ela levou o primeiro bocado à boca. Helena sempre foi mais fácil de lidar enquanto comia. — Estou ouvindo. - Ela o olhou, mastigando. — Bom, tive notícias que o tal Gregory está procurando você como uma alma no inferno. - Ele suspirou. - Eu fiquei enciumado e não reagi bem. Me perdoe. — Tudo bem. - Ela deu de ombros. Continuando a comer e aquilo estava delicioso. — Só isso? Tudo bem? - Dario se ultrajava. — Você
Cinco da manhã. Dario acordava com Helena saindo da cama e se vestindo para correr. "Impossível. De onde tem tanta energia?" Ele não se conformava, fingia dormir. Ela apenas saiu. O homem do café já parecia estar esperando por ela, ela apenas passou por ele. Já era o terceiro dia, começava a se acostumar com aquela presença pela manhã. Apenas correu, sem dizer nada, sem o repelir. Ele desistiu da corrida com coisa de vinte minutos, deixando-a em paz. Helena seguiu com seu treino, conhecendo o parque, encontrou senhoras praticando um exercício lento e relaxante, orientais. Helena sorriu, se juntando ao grupo que a ignorou, deixando-a ficar. Ela caminhava até em casa. Dario, uma pilha de nervos, ela já estava atrasada e não respondia às chamadas ou às mensagens. — Onde estava? Eu estava morto de preocupação! - Dario disparou, agitado.— Bom dia. - Ela respondeu. - Correndo, me exercitando. Enfim. - Helena passou por ele, seu café já estava servido. - Obrigada por isso. É muito delicad
— Não deseja saber nada sobre mim? - O homem se atrevia a perguntar, a Helena, algo. Avançava sobre a muralha de desinteresse dela. — Senhor, não me leve a mal. - Ela suspirou. - É um homem bonito, atraente certamente, mas preciso do emprego e não posso me dar ao luxo de me envolver com clientes. Meu patrão se sentiria desconfortável e cheguei há pouco na cidade, preciso da misericórdia dele. - Ela baixou o olhar. - Agradeço pelo flerte, mas... - Ela se acanhava. - É um elogio, mas não é apropriado em minha posição. Lamento. - Helena jogava com as informações que tinha. Homens da lei costumavam ter um certo "Complexo de Herói". Se fosse policial, ela ganharia alguém muito importante para sua operação. "Vamos jogar, bebê." Ela pensava, mantendo a expressão humilhada em seu rosto e o sorriso sádico em sua mente.— Ninguém precisa saber, querida. - Ele se interpôs no caminho dela. - Aqui, me ligue quando quiser. - Ele entregou um cartão para ela. "Rafael Cervantes." Havia um número. Ele