III - IV - V

- Bom dia Jaque! Como foi no passeio?

- Nem brinca. Bom dia! Foi como sempre... Odeio esses tipos de viagens. Trabalhar com crianças é muito difícil. Vê o de sempre para mim, por favor.

- Sim. Aquele moço teve aqui essa semana e perguntou por você.

- E você?

- Falei que estava na Índia. Só isso.

- Paquistão!

- Tudo parecido...

Eu apenas ri. Parecido? Então tá! Peguei meu café e fui ao trabalho... Puxando minha mala devagar até chegar na frente da loja de roupas masculinas, olhei a vitrine e fiquei pensando no tal moço... Não consegui ficar quieta por muito tempo. Yamina saiu de dentro da sala ao meu encontro com a sutileza de um lutador de box. Sua doce e frágil aparência, esconde um gênio forte e atitudes marcantes, as quais não condizem com suas características físicas.

- Aqui, olhe!

- Calma, eu nem cheguei ainda.

- Chegou sim e está fazendo hora aqui na frente.

- Mina, sabe quantas horas eu viajei para chegar aqui? Estou pensando.

- E pelo olhar não é em trabalho...

- Me dê isso!

Entreguei minha mala para ela e comecei a ler o papel que ela quase enfiou em minha órbita ocular. Fui lendo até chegar à minha sala. Dei um breve suspiro.

- Largue minha mala em um canto, quando chegou isto?

- Ontem de manhã. Não consegui te enviar. Nem te ligar. A propósito, o mocinho bonito esteve aqui essa semana. Ele parece bem interessado...

Levantei a cabeça.

- Interessado?

- É, isso. Querendo saber quando você voltava, se costumava viajar muito.

- E você não falou, né?

- Claro que não, né, Jaque! Se o Henrique descobre é capaz de tocar fogo no aeroporto.

- Não fale da minha vida para ninguém!

- Eu sei doutora Jaqueline. Você deixa isso explícito a cada ameaça! Não conhecemos o bonitinho... Você acabou de voltar de uma audiência por tráfico infantil. Não sou ingênua!

- Desculpe Mina, eu fico meio paranoica. Quando eu vim para cá não imaginei que teria que fazer esse tipo de coisa, achei que fosse, sei lá. Onde eu morava era mais fácil, sabe? Não nos apegávamos nesses detalhes. E o atrevimento era menor também. Aeroporto é quase um luxo, o tipo de tráfico é diferente, eles vendem as crianças e não pedem autorização para embarcar. Simples assim...

- Eu te entendo, eu já venho de um lugar onde as crianças são enfiadas dentro de caminhões em meio à carga, como se fossem animais, ou pior, animais ainda ganham comida e água. São vendidas pelas famílias por pouco mais que uma cesta básica, muitas vezes para rituais. Você está vivendo a metade do que conheço Jaque...

- Yamina!

- Não pergunte Jaque. Já sabe a resposta! Dei sorte. Sou uma das poucas crianças que conseguiu uma família descente...

- Desculpe. Eu sei, você já falou.

- Por isso te admiro, você luta para as coisas serem corretas. Não pode se culpar se algo saí errado. Você tenta.

- Às vezes acho que meu lugar não é aqui.

- Está brincando? Onde seria seu lugar? Naquele mundo do Henrique?

- Uma pessoa pode começar a mudar o mundo.

- Não se iluda, a podridão começa lá! Você não conseguiria mudar nada, pior, iria se frustrar e desistir. O Henrique sabe lidar bem com tudo isso, deixe ele lá, e você aqui, onde conseguem impedir muita coisa juntos.

- Você te razão!

- Aconteceu mais do que uma audiência, né?

- Não quero falar sobre isso! Deixe-me resolver isso aqui. É o melhor que posso fazer no momento.

- E o bonitinho?

- O Mark?

- Isso, esse mesmo!

- Você o viu por último, como ele estava?

Yamina riu.

- Bem, Jaque, ele estava bem!

                                              IV

- Onde a Jaqueline foi?

- Bom dia, Henrique! A Jaque não chegou ainda, ela avisou que iria tomar café com um advogado, aquele do processo de adoção do menino do Paquistão.

- Era hoje?

- Não, é mentira, ela ficou em casa dormindo!

- Como eu queria...

- Me demitir, que pena! Não pode.

- Por que ela não me falou.

- Não sei Henrique, pergunta para ela. Acredito que umas dez ela já estará aqui.

- Você pelo menos tem uma coisa de bom, é muito eficiente no seu trabalho, e na cumplicidade.

- Obrigada senhor!

Henrique saiu bravo, principalmente por não saber que eu me encontraria com aquele advogado, os dois não se dão muito bem, e foi por esse motivo que eu não falei, não queria que meu trabalho fosse perturbado por discórdias entre os dois. Cheguei um pouco antes da dez. Já fui fuzilada de informações antes de entrar na porta.

- Espera Mina! Deixe-me sentar.

Sentei na poltrona da recepção e fiquei olhando ela falar.

- Entendeu?

- Aham! Agora me passa tudo por e-mail, separados por assunto. E onde o Henrique disse que iria mesmo?

- Não disse! Não ouviu nada do que te falei, né?

- Não! Não ouvi.

- O que aconteceu?

- Vão m****r o menino de volta para a família.

- Sério?

- Sim... Cheguei a me oferecer para ficar com a tutela provisória, mas não! Pior, essa criança irá chegar lá e irão vendê-lo de novo. Arrumei uma boa família para ele, com todos os requisitos solicitados. Ele parecia estar gostando do meu desespero...

- Não fica assim! Quanto tempo temos?

- Uma semana Mina! Ele me deu uma semana, mas eu. – Suspirei fundo. – Não queria envolver ninguém neste caso.

- Eu concordo, mas aquela coisa pode te ajudar nisso.

- Não fala assim do Henri.

- Não, estou falando do pai dele, na verdade!

Levantei meu rosto e olhei Yamina, pensei em como ela era inteligente, mas ele não. Não posso.

- Isso, nem pensar.

- O futuro desse menino depende de você passar por cima desse orgulho, Jaque!

- Escuta Jaqueline!

Levamos um susto quando aquela voz grave chegou dando a sentença. Yamina se retirou.

- Concordo, escuta Jaque!

- Oi Henri, o que você ouviu?

- Um pouco antes de você achar que o monstro era eu.

Comecei a rir.

- Desculpe querido, mas vocês dois vivem brigando, achei que ela estava, sabe?

- Sei amor. Olha só, eu odeio aquele cara, faço qualquer coisa por você. Irei falar com meu pai em meu nome. Me passa o caso. Eu refaço ele com o pedido, sei quantas noites ficou sem dormir por causa disso querida. Agora, arrume suas coisas e vamos almoçar, essa criança irá ficar. Quanto tempo eu tenho?

- Uma semana.

Ele saiu da minha sala e foi até Yamina.

- Tudo! Eu quero tudo dele, desde a primeira foto do arquivo até a última avaliação. No final da tarde eu passo para pegar, tudo impresso e arquivado em uma pasta por ordem de data.

- Sim Henrique, estará tudo pronto.

Ele virou para mim.

- E nós dois, vamos comer e você me conta tudo em detalhes, como se eu não tivesse acompanhando o caso.

- Mina! Antes de começar, vai almoçar.

- Posso ir um pouco mais tarde Jaque? Irei tirar as cópias primeiro e arquivar no servidor. Só para garantir. Acho que em uma hora eu termino.

- Certo, mas vá comer! Não gosto que fique lanchando, sabe disso. Tem que se alimentar, comer comida de verdade.

- Tá Jaque eu sei, já disse que irei...

                                              V

- Bom dia! Que carinha é essa?

- Bom dia. Não quero ir para o Japão, você sabe disso! Tem tantas outras opções, mas não, você insiste em me colocar nestas situações!

- Ai meu docinho, você é tão querida e consegue tudo que quer, preciso que vá. Prometo que irei diminuir suas viagens, senta aqui no meu colo. Eu amo você!

- Isso não me compra Henri! Estou chateada...

- Eu já notei amor, mas pensa nas crianças.

- Tudo bem, deixo novamente meu protesto. Vamos, quero ver a Mina antes de ir, ela ficou dois dias sem comer essa semana. Quem colocou no meu lugar?

- Não importa amor!

- Ai não! - Peguei minha bolsa, minha mala e fui andando.

- O que tem contra ela? Me dá sua mala.

Não me dei o trabalho de responder. Passei correndo, falei com a Yamina e fui para o embarque. Fui, nessas longas horas de voo, intercalando entre dormir e pensar que eu queria matar meu namorado, ódio. Muito ódio... Parece que estou vendo, serei transferida para aquele lugar e não iria demorar muito... Queria AAAAAAAAA! Aproveitei para ler e estudar um processo de adoção que está em tramitação. Eu não sei bem o que pensar neste caso, não levo fé nos futuros pais, mas deixar a criança sofrendo em um abrigo...  Estou com dois corações!

- Jaque, quer alguma coisa? - Comissária Layen, namorada da Yamina

Não preciso dizer que por trabalhar no aeroporto conheço mais da metade das pessoas que trabalham por ali. Ainda mais eu que amo me comunicar.

- Não obrigada, estou bem!

- Está?

- Não quero falar sobre isso.

- Tudo bem, se quiser algo me chama.

Recostei minha poltrona e dormi um pouco. Senti um toque na minha mão, leve quase como uma seda fina e delicada. Abri meus olhos.

- Desculpa, não quis te acordar!

- Mas acordou, quem é você?

- Sou o Sebastian, iremos trabalhar juntos nos dois casos!

- E por que estava me acariciando?

- Estava tão linda dormindo!

- Sabe que seu superior é meu namorado?

- Não! Isso eu não sabia...

- Mesmo assim, com que direito você ... Ai esquece! Sai daqui, por favor!

- Já estamos chegando...

Fiquei em silêncio, ele tentou puxar mil assuntos e eu estava cada vez mais brava, só queria desembarcar. Quase pulei para o banco da frente. Saí o mais rápido que pude. Minha mala foi uma das primeiras, peguei, fui correndo desesperadamente, e cuidando para ele não me seguir, ainda estava com alguns documentos na mão, nem quis parar para guardar, queria pegar um táxi logo. Minha cabeça, para quem ainda não percebeu, sou um pouco afobada e atrapalhada. Imagina, a possibilidade da pessoa, fazer duas vezes a mesma coisa, mas eu consegui, dei um esbarrão, eu não derrubei meus papéis, mas ele sim... Olhei-o.

- Desculpa. - Vontade de chorar nesta hora. – Te machuquei? Ai de novo, deixa eu te ajudar...

- Espero poder ser atropelado assim mais vezes, e veja, hoje você não me molhou, estamos progredindo nosso relacionamento.

Dei um sorriso para ele. – Desculpe mais uma vez, tenho que ir.

- Não, vamos tomar um café!

- Não posso estou com pressa.

- Não Doutora, espere...

- Não posso, e meu nome é Jaque!

- Que menina doida! Linda, muito linda, mas doida! O que foi aquilo? - Ele continuou seu caminho rindo.

Entrei no táxi e fui para o hotel, não para o da reserva, fui para outro, ainda bem que tinha quarto... Sentei ainda com os papeis na mão. Fiquei olhando aquele processo, mas eu só conseguia lembrar daquele sorriso. O que estava se passando comigo?

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