A mente de um psicopata
Lily se aproximou da cama depois de se instalar, e olhou para a mão direita do seu paciente. Ela iria pensar nele daquela maneira para tornar as coisas mais fáceis para ela. Na sua mente, eles eram enfermeira e paciente. Acima de tudo, ela seria uma profissional. - O que aconteceu? Os olhos verdes se fixaram na camiseta branca que ela usava. Pouco à vontade naquela posição desconfortável, ele passou a língua pelos lábios carnudos e avermelhados. - Eu me soltei. Lily não prestou atenção na resposta. Ela se inclinou sobre a grade e pediu: - Abre a boca. Leonardo passou a língua pelos dentes da frente, ainda sentindo o gosto de sangue. Ele não se preocupou em escovar os dentes enquanto estava fora das algemas. O gosto metálico era agradável ao seu paladar. Ele obedeceu sentindo o calor da proximidade de Lily, e o seu cheiro de hidratante caro. A enfermeira franziu a testa negra e levou a mão direita no queixo do seu paciente, para melhor examinar os seus dentes. Ela arfou. - Isso é sangue e pele?! Por razões desconhecidas, Leonardo ficou desconfortável com o olhar cético de Lily. Ele era uma aberração. - Foi um acidente terrível. A orelha do monitor caiu dentro da minha boca e eu fiz um lanchinho. Atônita, Lily afastou a mão e olhou para os dois seguranças na porta. Ela voltou a encarar Leonardo e perguntou séria: - Cadê o monitor? - Só o Lennox sabe. O meu irmão tem o estranho hábito de colecionar corpos. Lily deu um passo para trás. Aquilo estava ficando bizarro demais. Que Deus a perdoasse, mas ela gostaria de voltar para o Hospital Hopkins na época em que pessoas morriam por causa de uma pandemia. Rapidamente, ela balançou a cabeça por ter tido um pensamento ridículo e infantil. Ela ergueu a cama até sentar Leonardo, pegou a nécessaire de couro preto que estava em cima da cômoda, e retirou pasta de dente, escova e o fio dental. Ela também pegou um copo com água e colocou entre os lábios dele. Sem saída, Leonardo fez bochecho. Ao cuspir em outro copo descartável, a mão de Lily tremeu ao ver a água rosada. Ele tinha comido lasanha e bebido coca cola, mas ainda estava com cartilagem entre os dentes. Em silêncio, ele teve a melhor higiene bucal da vida que terminou com o uso de enxaguante. Cuidadosamente, ele teve os lábios secos por uma toalha. Ela era tão meiga e delicada, exceto pelo brilho de raiva em seus olhos negros, quando colocou o copo de plástico entre seus lábios ao descobrir que ele tinha matado o monitor banana. - Como está a fralda? - Seca. Tirando as luvas, Lily disse olhando para as mãos esbranquiçadas pelo talco bioabsorvível, feito de amido de milho, que tem a função de facilitar o calçamento e a retirada das luvas: - Eu não gostaria de encontrar uma ereção na próxima troca de fralda. Com os olhos fixos em Lily, Leonardo tinha uma expressão sombria. Ele viu o corpo dela nu com riqueza de detalhes. E ele viu sua mão a enforcando, e ela lutando para se soltar, enquanto seu lindo rosto era uma máscara de pavor. Ele fechou os olhos e cerrou os punhos até a visão desaparecer da sua mente. O uniforme impecavelmente branco, a camiseta colada ao corpo magro mas com curvas suaves, a calça jeans branca revelando uma bunda redonda e durinha, coxas afastadas e a virilha bem marcada, fizeram Leonardo ficar zonzo. O branco realçava a pele negra de Lily, e aquilo o fez arder igual ao fogo do inferno. Ao falar, desdenhou melancólico: - Isso é constrangedor para mim, mas eu fico de pau duro com qualquer estímulo. Como minha enfermeira, não seria sua função não deixar minha porra acumular? Não é saudável. Seus olhares se encontraram de forma intensa e Lily se virou para descartar as luvas no lixo do banheiro. Toddy já estava alimentado e brincava com o osso de borracha. A enfermeira voltou a se aproximar da cama com um edredom preto. Leonardo vestia a camisola da clínica particular que era branca com bolinhas verdes, fechada na frente e aberta atrás. Lily não reparou nas suas pernas musculosas, tatuadas e peludas. Ela também não sentiu uma onda de calor inoportuna. - A minha função será te alimentar e te limpar. Infelizmente, eu não posso te ajudar com esse problema. Talvez, se você se comportar, Doutor West pode retirar uma das algemas. Só depende de você. Leonardo tentou se soltar e soltou um rosnado baixo quando as algemas se apertaram ainda mais. - Eu não quero ficar nessa posição! Lily tinha experiência com pacientes difíceis, e não seria Leonardo que iria desgasta-la com rebeldia. Mesmo sendo angustiante ver ele lutando para se soltar, ela disse séria: - Dorme. A cama foi abaixada, Leonardo foi coberto e com a possessividade à flor da pele, ele avisou por entre os dentes: - Cuidado como você fala comigo. Se eu decidir que você é uma inútil, eu corto a sua garganta até esse uniforme branco ficar vermelho carmesim. Bastante assustada, Lily levou as mãos ao pescoço, arfou e ficou de olhos bem abertos, encarando seu psicopata. Toddy sentiu a tensão, foi para perto da sua dona e rosnou para Leonardo. Da porta, Romeo alertou Lily. - Afaste-se da cama. Ela deu passos para trás com as pernas bambas. Um olhar intenso de puro ódio, a acompanhou com firmeza. Dominic se aproximou com a arma de choque em punho. Leonardo desdenhou. - Não aponte isso para mim, Dom. E muito menos, se atreva a usar isso em mim. Todos vocês, cretinos, sabem que eu vou me soltar. Dominic levantou o edredom e checou as algemas. Como estavam todas ok, ele colocou a arma na cintura e disse sério: - Você é grande, mas não é dois. Leonardo fechou os olhos após dar uma boa olhada em Lily. - Você tem razão, Dom. Eu sou apenas um homem, que carrega uma horda de demônios enfurecidos dentro de mim. Lily sentiu o cansaço vencer o medo, e do jeito que estava, ela deitou na cama confortável com Toddy ao seu lado. Os seguranças trocaram olhares e a luz permaneceu acesa até o dia clarear. Após o banho, Lily desceu para tomar café no refeitório e conheceu os outros pacientes. Nenhum era tão perigoso quanto o seu. Ela ajudou um dos enfermeiros a achar veia em uma senhora que se recusava a se alimentar, e teve que ser colocada no soro. Por causa da desidratação, as veias eram mais difíceis de serem achadas. Lily encontrou o Doutor West na sala de enfermagem fazendo curativo em um garoto de doze anos que estava com depressão, e já tinha tentado suicídio duas vezes. Christian perdeu toda a família para a pandemia, e um amigo o deixou na Clínica Hope. - A morte não existe, Chris. Você sabe que a verdadeira vida é a do espírito, não sabe? Nós vivemos muito melhor fora dessa matéria perecível. Porém, o paraíso é somente para quem espera e crê. Nada de abreviar as coisas. O garoto negro, alto e magro, balançou as pernas que estavam para fora da cama. Ele estava sentado e Doutor West enfaixava seu pulso esquerdo. - O senhor não pode me obrigar a partilhar das suas loucuras. A morte é real e ela doe. Negar a morte e banalizar o luto, é extremamente ofensivo. Eu não sei como o senhor conseguiu publicar aqueles livros. O Doutor West fingiu ficar magoado. - Eles são best-sellers! - Decisões questionáveis, assim como as premiações do Oscar. Lily ficou fascinada com a forma leve e descontraída como o Doutor West arrancou risos de Christian, quando os dois iniciaram um debate saudável sobre as maiores injustiças do Oscar. Independente de crenças, era possível segurar alguém pela mão e dizer: "Ei, vai ficar tudo bem. Volte a sorrir." O sorriso de Lily se desfez quando seu paciente acordou e gritou por ela. O Doutor West gracejou ainda sorrindo: - Força guerreira. O Oscar de heroína do ano é seu. Christian riu. - E com todas as honras. Eu ouvi dizer que Leonardo matou mais gente do que a Covid-19. Lily entrou na brincadeira e zombou sorridente: - Enfermagem por amor. A enfermeira subiu para o quarto. Ao entrar, ela estancou com a cena diante dos seus olhos. Leonardo estava sem as algemas. - Bom dia, minha linda e doce, Lily. Pronta para pagar pela forma como você falou comigo? Eu espero que você seja tão linda gemendo no meu pau, quanto é quando me deixa duro. Lily perdeu o chão sob os seus pés.