Cap 03. A escolha forçada

Milena saiu tão rápido da sala que não teve coragem de olhar para trás. Apenas caminhou quase correndo, enquanto tentava respirar. A imagem de Marcelo parado em sua frente, com o olhar que ela não sabia descrever, não saía da sua cabeça.

Ela queria arrancar aquela voz da mente, mas era impossível. A humilhação, o medo, a raiva, tudo se misturava dentro do peito. Ela só queria ir para casa, tomar um banho frio, respirar, fingir que nada daquilo tinha acontecido.

Mas como se o mundo estivesse rindo dela, seu celular vibrou dentro da mochila, insistente. Milena atendeu sem olhar o número.

— Alô?

A voz do outro lado saiu trêmula, com ruídos de hospital ao fundo.

— Moça… desculpa incomodar. Estou aqui acompanhando minha mãe e… acho que seu pai está passando mal sozinho no corredor. Ele caiu da cadeira de rodas… e está tossindo sangue. Ninguém veio ajudar ainda. Vi seu número no cartão que estava no bolso dele. Acho que você deveria vir rápido.

Milena parou no meio do corredor. Tudo girou.

— Meu Deus… ele está consciente? — perguntou, a voz quase não saindo.

— Não muito. Chamaram alguém, mas está lotado aqui. Achei melhor ligar.

O coração dela parecia ter parado de bater por alguns minutos.

— Eu... já estou indo.

Ela desligou com as mãos tremendo. A mochila escorregou do ombro, e ela quase caiu ao pegá-la de volta. Saiu da faculdade tropeçando nos próprios pés. Esbarrou em alguém, ouviu um xingamento, mas nem processou.

O ar queimava os pulmões, o chão parecia fugir sob seus passos. Pegou o primeiro ônibus que apareceu, empurrou a catraca com pressa e se segurou no ferro enquanto tentava controlar a respiração. As mãos tremiam tanto que ela mal conseguia segurá-las juntas.

O ônibus balançava, as pessoas conversavam, o motorista reclamava do trânsito. Tudo parecia longe. Distante. Sem importância.

Quando o ônibus parou, ela desceu antes mesmo da porta abrir por completo. Correu os últimos metros até o hospital. Sentiu o coração bater tão forte que parecia um soco dentro do peito.

Assim que entrou, o cheiro de desinfetante, o barulho de vozes e gemidos, o movimento, a pressa, tudo a atingiu como um golpe. Enfermeiros passando correndo, pacientes apoiados em familiares, gente chorando esperando por ajuda.

E no meio daquele caos Álvaro estava exatamente onde o desconhecido havia dito. Jogado em uma maca encostada na parede, esquecido como um objeto qualquer.

— Pai! — gritou, correndo até ele.

Álvaro estava curvado para o lado, o rosto muito pálido, os lábios secos. O lençol que cobria seu colo tinha manchas de sangue fresco. Ao lado, um balde de metal ainda sujo de vermelho escuro. Ele respirava lentamente como se lutasse para puxar o ar.

Milena se ajoelhou ao lado dele com os olhos derramando lágrimas.

— Pai… pai, eu estou aqui… — ela segurou a mão dele, fria, trêmula. — Vai ficar tudo bem. Tá bom...

Ele abriu os olhos por um segundo. Os olhos dele estavam perdidos, vidrados, como se a dor estivesse roubando tudo ao redor. Milena sentiu o pânico subir por todo seu corpo.

Uma enfermeira passou apressada, e Milena levantou o rosto num sobressalto.

— Por favor! Meu pai... Ele precisa de ajuda! — gritou, a voz falhando.

A mulher mal olhou.

— A médica foi chamada. Estamos sem leito, ouve um acidente com um ônibus, já muitos feridos. Aguarda um pouco, querida.

Milena queria gritar, agarrar aquela enfermeira pelos braços e arrastá-la ali. Mas não conseguia. Só apertou a mão do pai.

— Fica comigo… por favor… não me deixe sozinha…

Os minutos se arrastaram como horas. Finalmente, um médico se aproximou. Rápido, direto, sem olhar muito para ela.

Ele levantou o lençol, observou o balde, tocou o abdômen do pai com cuidado. Álvaro gemeu alto, a dor clara demais para ser ignorada.

— Ele está com hemorragia digestiva. Provavelmente causada por uma úlcera que perfurou. — disse o médico, de forma seca. — É grave.

Milena sentiu as pernas ameaçarem ceder.

— Mas… mas o que precisa fazer?

— Cirurgia. Urgente. — Ele retirou as luvas. — Sem isso, ele pode não resistir.

Milena engoliu seco, o coração disparado.

— Então… então faça. Por favor. Façam agora.

O médico observou a prancheta e depois fixou os olhos nela.

— O problema é o custo. Não é um procedimento simples. Envolve equipe completa, transfusão, internação na UTI. Precisamos de autorização.

— Quanto custa?

Ele sem hesitar falou.

— Algo em torno de trinta mil. Talvez mais, dependendo das complicações.

Milena ficou em silêncio, as palavras ficaram presas na garganta.

— Trinta mil...— repetiu. Era mais do que ela ganharia em anos. Mais do que ela poderia sonhar em conseguir. — Mas… mas meu pai vai morrer se não fizer… — sussurrou, quase sem voz.

O médico apenas baixou o olhar.

— Eu sinto muito. A decisão precisa ser rápida. A hemorragia pode piorar a qualquer momento.

O médico saiu, deixando Milena imóvel. Seus dedos tremeram e buscaram automaticamente a mão do pai, ela piscou lentamente sem saber o que fazer, sentindo o mundo desabar todo em cima dela. As contas atrasadas, a faculdade, os remédios e agora corre o risco de perder a única pessoa que a ama de verdade.

Ajoelhada ao lado da maca, o acordo de Marcelo voltou em sua mente. A proposta era absurda, ia contra tudo que ela acreditava. Mas agora era a única saída.

— Não... eu não posso fazer isso.— murmurou.

Milena fechou os olhos. Respirou fundo, tentando não chorar. Ela precisava pensar. Precisava decidir. Mas a verdade é que não havia escolha alguma. O desespero empurrava todas as decisões dela em aceitar ser um objeto nas mãos de um desconhecido.

O pai gemeu novamente, mais fraco. Milena beijou a mão dele, um gesto pequeno e delicado.

— Eu vou resolver, tá? Prometo. Eu… eu vou dar um jeito. O senhor vai voltar pra mim. — sussurrou, mesmo sem acreditar nas próprias palavras.

Milena se levantou, ajeitou a calça jeans e correu para fora do hospital. Pegou o primeiro ônibus de volta, sem nem lembrar de pagar direito. Sentou no banco, segurou a mochila contra o peito e chorou em silêncio, tentando não chamar atenção.

Quando chegou à faculdade, o prédio parecia maior. Mais frio. Mais ameaçador do que antes. Cada passo até a sala parecia pesar uma tonelada.

Ela parou diante da porta. Respirou fundo. Deu apenas um toque.

— Entre. — a voz de Marcelo soou firme, impaciente.

Milena abriu a porta. Ele levantou o olhar do computador e a encarou sem surpresa.

— Parece que mudou de ideia? — perguntou, quase afirmando.

Ela não tentou disfarçar o tremor, não tentou fingir uma força que não tinha. Marcelo parecia conhecer suas fraquezas, então fingir já não fazia o menor sentido.

— Meu pai… — sua voz falhou, então ela recomeçou. — Ele vai morrer se não operar. Eu não tenho dinheiro. E ele não tem muito tempo...

Marcelo não esboçou reação alguma. Apenas a observou com aquela calma calculada que irritava e assustava ao mesmo tempo.

Milena sentiu o resto da força fugir do corpo, ele parecia desinteressado no assunto.

— Se ainda tiver interesse... se achar que eu ainda valha a pena, eu aceito fingir ser sua noiva e gerar o seu filho. Eu só imploro, por favor, salve meu pai.

Marcelo se recostou na cadeira, entrelaçando os dedos um no outro. Um sorriso lento, discreto, vitorioso, surgiu no canto de sua boca.

— E o que te faz pensar que ainda quero algo com você, Milena? — disse com a voz baixa e cortante.

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