Cap 02. O começo do precipício

O caminho até a sala da presidência nunca pareceu tão longo. Milena caminhava devagar, com a mochila pesando nos ombros. Ela parou diante da porta de madeira escura e respirou fundo antes de bater.

— Entre. — A voz grave atravessou a porta como uma ordem.

Milena abriu devagar. Marcelo De Valliére estava de pé, de costas, observando o campus pela parede de vidro. O terno impecável, a postura firme, o ar de alguém que nunca ouviu um “não” na vida. Quando ele se virou, o olhar frio a atingiu de cheio.

— Sente-se. — Ele disse sem expressão.

Milena obedeceu, tentando controlar as mãos trêmulas.

Marcelo se sentou também, cruzando os braços sobre o peito. Seus olhos percorreram a tela do computador por alguns segundos, antes de retornar a ela.

— Vou ir direto ao ponto. — Sua voz saiu baixa, porém firme. — Suas mensalidades estão atrasadas há meses. Quero saber quando vai decidir pagar?

Milena estremeceu, o que ela mais temia estava acontecendo.

— Senhor De Valliére... por favor não me expulse... eu...

Ele ergueu uma das mãos, pedindo silêncio.

— A minha universidade não é uma instituição de caridade. — disse, seco. — Se não pagar até o final da semana, você será desligada. Sem direito a recurso.

As palavras cortaram como faca. Milena se inclinou para a frente, desesperada.

— Por favor… eu estou tentando. Trabalho em dois lugares, cuido do meu pai sozinho, ele está muito doente… eu só preciso de mais tempo. Só isso. Eu não posso perder a faculdade. É tudo o que me faz ter esperança de sair dessa vida de miséria.

Marcelo a observou sem piscar, analisando cada tremor de vinha dela.

— Seu pai precisa de cuidados constantes, não? — Ele perguntou já sabendo a resposta.

Milena assentiu, a voz ficou presa na garganta.

— Sim.

— E você não tem condições de pagar médico, remédio… nem sequer o transporte que usa para vir até aqui.

Ela arregalou os olhos. Ele sabia demais para alguém que nunca teve contato direto com ela.

Marcelo apoiou os cotovelos na mesa e entrelaçou os dedos, inclinando-se um pouco para frente. O gesto, simples, aumentou a tensão no ar.

— Está claro que você não vai conseguir manter tudo sozinha. Quem me garante que conseguirá pagar as mensalidades atrasadas?

Milena apertou a barra da camiseta, tentando segurar as lágrimas, mas era inútil, elas ardiam em seus olhos sem permissão.

— O senhor quer dizer... que eu vou ser desligada?

Ele se levantou. A sala pareceu ficar menor.

— Quero dizer que existe uma forma de você resolver todos os seus problemas de uma vez.

Milena franziu o cenho, confusa.

Marcelo deu um sorriso imperceptível, caminhou até ela, parando a poucos passos.

— Vou ser ainda mais direto porque não gosto de perder tempo. — Seus olhos escuros pousaram nos dela com firmeza, tão intensos que Milena prendeu o ar.— Como sabe. Eu preciso de um herdeiro. Minha noiva está em coma há seis anos e minha família está me pressionando.

Milena ficou imóvel.

— Desculpa... mas não estou entendendo onde quer chegar.

— Simples. Preciso de alguém que finja ser minha noiva perante a sociedade e minha família. E, também, que seja a barriga de aluguel. Você, Carlson, é perfeita para isso.

Milena arregalou os olhos assustada, suas pernas tremeram e chão pareceu desapareceu sob seus pés, ela segurou com força na lateral da cadeira.

— Eu… não… — Milena balançou a cabeça rápido. — Isso é absurdo. Está completamente fora de questão.

Marcelo deu um pequeno sorriso, quase imperceptível, mas cheio de provocação. Ele já esperava por isso.

— Eu ofereço o suficiente para você manter sua faculdade até o final do curso, pagar o tratamento do seu pai e ainda viver com dignidade pelos próximos anos. Pense bem. Você só tem a ganhar.

— Você só pode ter perdido o juízo. Quem pensa que eu sou? — Ela interrompeu, firme apesar da voz trêmula. — Eu nunca faria algo assim. Nunca.

Ele arqueou a sobrancelha, cada vez mais interessado.

— Tem certeza? Pense bem antes de responder. Algumas portas só se abrem uma vez.

Milena se levantou tão rápido que a cadeira fez um ruído seco. O corpo inteiro tremia, mas ela manteve a cabeça erguida.

— Eu não vou me arrepender. Não desse tipo de coisa.

Marcelo deu um passo à frente, aproximando-se o suficiente para que ela sentisse o perfume amadeirado envolver o ar ao redor dela.

Milena engoliu seco. O coração acelerou, o peito subia e descia rápido. O avanço dele foi tão firme e inesperado que, no reflexo de recuar, suas pernas bateram na cadeira atrás e ela caiu sentada de novo, com um grito preso na garganta.

Antes que conseguisse se recompor, Marcelo colocou as mãos no encosto da cadeira, uma de cada lado, fechando-a entre os braços tornando impossível escapar. A madeira rangeu levemente sob a força dele. O corpo dele não encostava no dela, mas a presença era sufocante o suficiente.

Milena tentou manter o olhar desafiador, mas os olhos dele estavam com uma intensidade escura, quente e totalmente perigosa. Algo que fez um arrepio subir pela espinha dela.

— Não costumo repetir ofertas, Milena. — falou baixo, a voz carregada de advertência. — E quando eu fecho uma porta… ela não volta a abrir.

Milena por um momento sentiu medo do que ele poderia dizer ou exigir, mas, mesmo assim, não recuou. A coragem veio misturada ao pânico, levantou a cabeça e inclinou o corpo um pouco para frente, seus olhos se fixaram nos dele.

— Então feche, senhor De Valliére. Eu não quero nada que venha de você!

Ela apoiou as mãos na cadeira e se levantou devagar, passando por debaixo do braço dele. Seu braço tocou no dele quando ela se endireitou.

Ela virou as costas e caminhou até a porta. As pernas pareciam não obedecer ao seu comando, mas não pararam. Antes dela sair, parou imóvel ao ouviu a voz dele com uma calma cortante, marcando cada sílaba:

— Espero, por seu bem, que você continue tão certa dessa resposta quando o mundo começar a cobrar o preço. E, no dia em que perceber que esse acordo que rejeitou é sua única saída, eu decidirei se você ainda vale a pena.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App