Capítulo 7 - Linha Cruzada

O sol da manhã filtrava-se pelas cortinas de linho, lançando feixes de luz sobre a cama perfeitamente desfeita. Isadora despertou antes do despertador, como sempre. A rotina era sua fortaleza. Levantou-se, ignorando o espelho, o corpo ainda sensível pela presença constante e invisível de Lorenzo durante a noite.

Ele havia dormido do outro lado da divisória. Não a tocou. Não falou mais nada. Mas sua existência parecia ocupar o quarto todo, como se ele fosse uma presença esculpida no ar.

Na mesa do café da manhã, havia um novo bilhete. Sem assinatura, como de costume.

— "Encontro no saguão em trinta minutos. Reunião com os investidores. Leve o casaco bege. Não esqueça de sorrir."

Ela amassou o papel entre os dedos, mas obedeceu. Parte da estratégia era manter a imagem de casal unido, funcional, admirável. Mesmo que o que os unisse fosse apenas um contrato.

Vestiu-se com elegância calculada. Rosto limpo, olhos marcados, cabelo preso com firmeza. Nenhuma brecha. Nenhuma concessão.

Quando desceu, Lorenzo já a aguardava no saguão, de pé, tão impecável quanto irritante. O terno escuro abraçava seu corpo com precisão, o olhar verde analisando cada centímetro dela com aquele ar de quem não precisava elogiar para marcar território.

— Casaco perfeito. — ele disse, sem sorrir.

— Eu visto o que quero. — ela rebateu, erguendo o queixo.

— Claro. Mas às vezes... eu quero o mesmo.

O carro os levou até o prédio da revista, onde um brunch com os investidores ocorreria em clima descontraído. Isadora manteve a postura de empresária calculista, falou pouco, sorriu nos momentos certos e evitou qualquer aproximação corporal com Lorenzo.

Mas ele estava em todos os detalhes. Corrigia discretamente sua mecha de cabelo, pegava sua taça antes que ela pedisse, dizia frases como:

— Isadora prefere champanhe, não vinho branco. — com a segurança de quem conhecia cada nuance dela.

Mesmo que não conhecesse.

E aquilo a irritava profundamente. Porque ele tinha razão. Sobre o champanhe. Sobre a mecha. Sobre os pequenos detalhes que nem ela percebia.

Quando voltaram para o hotel, Isadora caminhou até a varanda assim que entrou na suíte. Precisava de distância. Mas Lorenzo a seguiu.

— Não cansa? — ela perguntou, olhando o mar — Esse jogo de provocação contida, de domínio disfarçado?

— Cansa. — ele respondeu, aproximando-se — Mas o resultado me interessa mais do que o cansaço.

Ela se virou.

— E o que você espera como resultado, Lorenzo? Que eu desista? Que eu me renda?

— Que você me permita atravessar a linha. Aquela que você insiste em traçar com os olhos, mas já apagou com os gestos.

Isadora foi atravessar o espaço, mas ele a interceptou. Com o corpo. Sem toques. Apenas presença.

— Você me observa quando pensa que eu não vejo. — ele murmurou — Não é amor. Eu sei. Mas é algo. E não é indiferença.

Ela tentou passar. Ele deu um passo para o lado. E, no processo, seus dedos roçaram os dela. Foi um toque breve, um segundo apenas. Mas ela sentiu como se uma linha tivesse sido puxada por dentro.

— Não se acostume. — ela disse, finalmente.

— Eu não me acostumo. Eu conquisto. E depois... mantenho.

Isadora o empurrou de leve, atravessou para o banheiro, e bateu a porta.

Lorenzo permaneceu ali, sozinho na varanda.

E sorriu.

A linha foi cruzada.

E não havia volta.

O som da água do chuveiro abafava os pensamentos de Isadora. Cada gota quente que escorria sobre sua pele parecia querer apagar a lembrança do toque de Lorenzo. Mas não conseguia. Não era o toque que a atormentava, e sim o que ele significava. A sensação de que ele estava vencendo um jogo que ela nem queria jogar.

Ao sair do banheiro, envolta em um roupão branco, encontrou a suíte vazia. Ele havia saído. Alívio e frustração se misturaram no peito. Precisava daquela distância, mas o vazio que ele deixava era tão incômodo quanto sua presença.

O celular vibrou.

— "Sala de reuniões, andar executivo. Em quinze minutos. Pontualidade é um charme seu. — L."

Ela soltou um suspiro baixo, entre a raiva e a exasperação. Aquela informalidade calculada a irritava profundamente. Lorenzo escrevia como se fosse íntimo dela. Como se compartilhassem mais do que um acordo.

Vestiu-se com sobriedade. Terno feminino cinza claro, saltos médios, cabelo solto. Um visual de comando, não de sedução.

Quando chegou à sala de reuniões, ele estava sozinho, sentado à cabeceira da mesa, analisando documentos. Ao notar sua entrada, ergueu os olhos e ofereceu um leve aceno de cabeça.

— Precisei ajustar o plano de fusão. — disse ele, estendendo uma pasta — A imprensa descobriu parte do acordo. Vão explorar cada gesto nosso. Precisamos parecer ainda mais próximos. Mais reais.

— E o que exatamente significa "mais reais", Lorenzo?

Ele levantou-se. Veio até ela. Pousou a pasta sobre a mesa com cuidado. Estava muito próximo. Outra vez.

— Significa que, além dos olhares e gestos públicos, teremos que mostrar intimidade fora das câmeras também. Estar nos mesmos lugares, sair juntos à noite, até mesmo...

Ele parou. Observou a forma como ela o fitava. Como se desafiasse cada palavra.

— Até mesmo dormir no mesmo quarto. — completou, baixo.

Isadora cruzou os braços.

— Isso não estava no contrato.

— Mas a imprensa não segue contratos. E nem o conselho. Se querem acreditar nesse relacionamento, teremos que alimentá-lo. Ou os dois caem.

Ela respirou fundo. Sabia que ele estava certo. Mas odiava cada vírgula da lógica dele.

— Certo. Mas durmo no sofá. Ou você dorme. Escolha.

Lorenzo arqueou uma sobrancelha.

— Sempre tão rígida, Isadora.

— Sempre tão invasivo, Lorenzo.

Ele sorriu, mas não respondeu.

Enquanto ela folheava os documentos, sentiu o olhar dele em si. Não era um olhar de desejo bruto. Era um olhar de estudo, de cálculo. Como se decifrasse cada brecha emocional que ela tentava esconder.

Quando terminaram, ele acompanhou Isadora até o elevador. Durante o trajeto até a cobertura, ela manteve o olhar fixo no painel.

Ao chegarem ao corredor da suíte, ele parou diante da porta e disse:

— Hoje, vamos jantar na varanda. Não negociarei isso.

Ela o encarou.

— Está tentando me amolecer?

— Não. Estou tentando te lembrar que, mesmo os contratos mais rígidos... têm cláusulas de exceção.

Ela abriu a porta, entrou sem dizer nada. Mas, por dentro, uma linha tênue havia tremido outra vez.

E ela odiava admitir: Lorenzo estava cada vez mais perto de romper sua barreira, até então, indestrutível.

E o problema é que ela também queria saber até onde conseguia manter-se inteira.

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