Capítulo 5 – Invasão Silenciosa

A mansão Salvatori tinha uma arquitetura impecável: mármore italiano, janelas panorâmicas, corredores silenciosos que ecoavam o som dos saltos de Isadora como se quisessem lembrá-la, a cada passo, de que aquele lugar não era dela.

Era cenário.

Era palco.

Era o covil do lobo, e ela, a convidada forçada.

Isadora morava ali há pouco mais de uma semana, desde que o contrato foi selado. Um andar inteiro havia sido reservado para ela. Um quarto amplo, suíte privativa, closet vazio para que ela ocupasse com suas próprias roupas.

Parecia respeito. Mas já na segunda-feira, ela percebeu: era só fachada.

Às sete da manhã, ela abriu os olhos com o toque do celular. A agenda eletrônica, cuidadosamente organizada por ela mesma, havia sido atualizada. Três reuniões canceladas. Duas adiadas. Uma nova aparição pública incluída no lugar.

Evento de gala beneficente. Salvatori + Mancini. Início da fusão social.

Código: “OBRIGATÓRIO”.

Ela franziu a testa. Saiu da cama. Vestiu o robe de seda e desceu para o andar térreo.

Lorenzo já estava no jardim de inverno, tomando café. Camisa branca dobrada nos cotovelos, terno escuro sobre a cadeira, o jornal em mãos. Tranquilo. Como se o mundo fosse um tabuleiro, e ele o jogador invicto.

— Bom dia, esposa. — disse ele, sem levantar os olhos.

— Mudou minha agenda?

— Otimizei. Sua imagem precisa circular. E estamos atrasados quanto a isso.

Ela se sentou devagar.

— Acordos não incluem controle da minha vida profissional, Lorenzo.

Ele pousou o jornal. Olhou para ela com a calma cortante que lhe era tão natural.

— Incluem, sim. A cláusula 7.3 fala sobre atividades conjuntas que reforcem a legitimidade do contrato. E reforçar sua presença na mídia me ajuda... e te devolve visibilidade. Estou fazendo um favor.

Ela cerrou os dentes.

— Cuidado com os favores, Salvatori. Eles costumam sair caros demais.

Ele sorriu, cortando um pedaço de fruta.

— É por isso que você me intriga. Você morde como uma gata selvagem, mas tem medo de cair nas garras do dono da casa.

Ela se levantou sem responder.

Sabia que discutir com ele era como tentar atravessar areia movediça correndo. Quanto mais reagia, mais afundava.

Ao retornar para o quarto, notou a primeira mudança. Sutil. Insistente.

A poltrona junto à janela não era mais a mesma. Agora era de couro escuro, igual às dos escritórios de Lorenzo.

E sobre ela, dobrado com precisão cirúrgica, havia um casaco masculino. O cheiro do perfume dele tomava o ambiente. Ela tocou o tecido com dois dedos, como se aquilo pudesse queimá-la.

— Ele entrou aqui.

Ela não ouviu. Não foi avisada. Nenhum funcionário ousaria contradizê-lo. Aquele quarto não era dela. Era só mais uma extensão dele.

Isadora passou o resto da manhã tentando se concentrar em seu projeto de design, sentada à escrivaninha que havia pedido para instalar. Mas não conseguiu.

Era como tentar trabalhar enquanto uma presença invisível lhe roçava os ombros.

Mais tarde, já se preparando para o evento que ele havia “inserido”, entrou no closet e encontrou mais uma surpresa.

Seis novos vestidos. Modelos de grife. Cores sóbrias. Caimento impecável. E etiquetas ainda presas. Entre eles, um bilhete preso com alfinete:

— “Escolhi com base nos tons que você usava antes de fugir do mundo.” – L

Ela sentiu o sangue ferver. Era como se ele não estivesse apenas vigiando seus passos.

Estava escavando sua história. Tomando posse das camadas mais íntimas dela.

E o pior? Ele fazia isso sem tocá-la. Sem quebrar uma única cláusula. Mas o efeito era o mesmo de uma invasão total.

Naquela noite, ela vestiu o mais simples dos vestidos. Preto, liso, reto. Quase monástico.

Se ele esperava espetáculo… teria recato.

Quando desceu, Lorenzo estava no saguão, ajustando os punhos da camisa. Ao vê-la, ergueu o olhar com apreciação.

— Discreta. Elegante. Quase intocável.

— E é assim que pretendo continuar.

Ele se aproximou devagar, como se o toque fosse apenas uma formalidade que flutuava entre eles.

— Não se preocupe, Isadora. Ainda não quebrei o contrato. Nem uma linha.

Ela manteve o olhar frio.

— Mas já entrou no meu quarto.

— Entrei na casa que agora é nossa. E cuidei da imagem da minha esposa.

— Não sou sua. Nem objeto da sua coleção.

Ele a observou por longos segundos. Depois, inclinou-se levemente, falando baixo, voz macia, grave, quase sedosa:

— Ainda não é minha, Isadora. Mas você mora aqui. Dorme no quarto ao lado. Usa o meu sobrenome. Você só esqueceu de uma coisa… — Ela não respondeu. Ele deu o último passo até que suas respirações se misturassem — …essa casa tem muros. Mas os meus desejos não têm fronteiras.

Na manhã seguinte, o clima estava mais tenso do que o habitual. A mansão continuava silenciosa, mas havia um peso nos corredores, como se os quadros nas paredes observassem cada passo de Isadora, à espera da próxima jogada de Lorenzo.

Ela tomava café no solário, sozinha, quando o celular apitou.

Notificação: Atualização de agenda.

Atividade obrigatória: Viagem a Porto Fino – Evento beneficente + ensaio para capa de revista.

Duração: três dias. Hospedagem: suíte presidencial. Salvatori & Esposa.

Ela largou a xícara. Três dias. Com ele. Na mesma suíte.

O sangue ferveu.

Subiu os degraus com pressa, atravessou o corredor até o escritório principal, e abriu a porta sem bater. Lorenzo estava ao telefone, mas ao vê-la, interrompeu imediatamente a ligação.

— Bom dia, Isadora.

— Você atualizou minha agenda de novo?

Ele recostou-se na poltrona de couro, as mãos cruzadas sobre o peito.

— Atualizei nossa agenda. Somos uma dupla agora, lembra?

— Isso não estava no contrato.

Ele estendeu o braço até a gaveta lateral, puxou uma cópia do contrato em uma pasta preta de couro, e folheou calmamente.

— Cláusula 11.2. “A parte envolvida deverá acompanhar o parceiro em eventos sociais e empresariais que contribuam para a manutenção da aparência do casamento.”

Ela cruzou os braços, os olhos em fúria.

— Três dias? Sozinha com você? Em um hotel?

— Com suíte compartilhada, jantares a dois e ensaio fotográfico exclusivo. Exatamente como os casais fazem quando se amam… ou fingem amar.

— Isso é um abuso do contrato.

Ele sorriu de lado, suave.

— Não estou quebrando nada. Estou cumprindo. Você aceitou viver esse papel. E os holofotes exigem coerência. Um casal que nunca aparece junto é um escândalo pior que um divórcio.

Ela inspirou fundo, tentando acalmar o coração que batia como um tambor de guerra.

— Isso não vai me amolecer, Lorenzo. Nem um milímetro.

— Ótimo. Eu gosto de desafios. O gelo torna o fogo mais intenso quando finalmente derrete.

Ela deu meia-volta e saiu, mas a certeza do domínio dele a seguia como perfume, impregnado, impossível de ignorar.

No fim da tarde, já em seu quarto, Isadora arrumava a mala com raiva contida. Escolheu roupas neutras, nada que parecesse sugestivo ou delicado demais. Camisas fechadas, calças de alfaiataria, vestidos com cortes retos.

Não daria espaço para mal-entendidos.

Mas ao abrir a gaveta do closet… encontrou mais um vestido. Este não estava ali pela manhã.

Vermelho.

Seda.

Alças finas.

Tecido que escorria como provocação.

O bilhete ao lado dizia apenas:

— “Para o jantar com o editor da revista. Precisa ser memorável.”

Sem assinatura.

Sem necessidade.

Ela arrancou o vestido da gaveta, jogou sobre a cama e o ignorou. Mas ele parecia olhar para ela. Como se dissesse: Você pode lutar… mas está aqui. E vai usar.

Horas depois, no carro que os levava ao aeroporto particular, o silêncio entre eles era denso. Isadora mantinha o olhar fixo pela janela, mas sentia Lorenzo observando cada movimento seu.

— Já esteve em Porto Fino? — ele perguntou.

— Não. E prefiro que não transforme isso em uma lua de mel fake.

— Não preciso fingir nada, Isadora. Nem você. Está tudo nos seus olhos.

Ela se virou lentamente para ele.

— O que exatamente você acha que está vendo?

Ele se inclinou, os olhos cravados nos dela.

— A faísca da mulher que ainda não se permitiu arder. Mas eu sei… uma hora vai queimar. E quando isso acontecer, não será possível apagar.

Ela recostou-se, engolindo o desconforto. Não era o medo do toque. Era o medo do não toque.

Do jogo psicológico. Da maneira como ele a fazia se sentir vigiada mesmo em silêncio. E da raiva que sentia por seu próprio corpo reagir.

O avião decolou suavemente. Dentro da cabine luxuosa, tudo era impecável. Mas o ar parecia carregado.

Durante o voo, Isadora tentou revisar algumas propostas que levaria à fusão da Mancini com novos investidores. Mas Lorenzo estava a centímetros, lendo relatórios que ela já havia enviado, como se quisesse confirmar se cada linha era confiável. Ou, pior: se ela mesma era.

Quando o avião pousou, a recepção foi típica da alta elite: fotógrafos, seguranças, flashes.

Ela desceu com os óculos escuros no rosto e a pose de quem dominava o mundo. Mas, por dentro, sentia-se como uma peça de xadrez sendo movida sem controle.

Lorenzo pegou sua mão, e mais uma vez, o mundo acreditou que havia amor ali.

Mas só havia tática.

O hotel era deslumbrante. A suíte presidencial, um espetáculo arquitetônico com vista para o mar.

— Só há uma cama. — ela disse, assim que os dois entraram.

— Um detalhe pequeno para uma mulher que dorme a cinco portas de mim todas as noites.

— Eu dormirei no sofá.

— Como quiser. — Ele largou a mala e se aproximou — Mas já que estamos aqui… amanhã temos uma reunião com o editor. Depois, jantar com investidores. E no domingo, um brunch a dois no iate da família Lefèvre.

Ela piscou lentamente.

— Você programou cada instante, não foi?

— Eu não perco tempo com improviso, Isadora. Cada segundo contigo é investimento. E eu quero retorno.

Ela o encarou com firmeza, mesmo que por dentro sentisse os muros deslizarem pouco a pouco.

— Você não vai me quebrar, Lorenzo.

— Não. — Ele sorriu, parando perto da porta — Mas vou desmontar cada parte sua… até que peça para ser montada de novo, do meu jeito.

E então, com a serenidade de quem já venceu, ele se virou e saiu para tomar banho. Deixando-a sozinha. Na suíte onde o jogo não estava apenas começando… estava consumindo.

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