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Consequências de Uma Traição
Consequências de Uma Traição
Por: Gabriel Lima
Capítulo 1 — O Silêncio Antes da Tempestade 

O cheiro do café recém-passado se espalhava pela casa, misturado ao som distante da televisão ligada na sala. O relógio da cozinha marcava 7h32 quando Clara desceu as escadas, ainda vestindo seu roupão branco de algodão, os cabelos castanhos presos em um coque frouxo e os olhos inchados de sono. A casa onde vivia com os pais e os dois irmãos mais novos era espaçosa, mas os sinais de desgaste nas paredes e nos móveis já denunciavam os tempos difíceis que vinham enfrentando.

Clara havia completado 22 anos no mês passado. Cursava Letras na faculdade pública da cidade, mas há quase um semestre havia trancado a matrícula para ajudar nas contas de casa. Trabalhava meio período em uma livraria no centro, e passava o resto do dia entre panelas, roupas para lavar e a tentativa de manter alguma ordem na rotina dos irmãos adolescentes, Lucas e Henrique.

A voz de sua mãe, Irene, veio da cozinha, como um sussurro carregado de cansaço:

— Bom dia, filha. Dormiu bem?

— Mais ou menos — respondeu Clara, abrindo a geladeira e pegando o leite.

Os olhos da mãe estavam fundos. Ultimamente, mal dormia. As preocupações com o pai, o sumiço do dinheiro da conta, os telefonemas estranhos durante a madrugada... Tudo parecia escorrer por entre os dedos da família como areia seca.

Clara percebeu a ausência do pai. João Carlos não estava sentado à mesa como de costume. Ele era um homem imponente, de voz grave e gestos firmes, dono de uma pequena empresa de importação que herdara do próprio pai. Pelo menos, até poucos meses atrás. Desde que os negócios começaram a afundar, ele se tornara um estranho em casa: calado, amargo e ausente.

— Ele saiu cedo de novo? — Clara perguntou, tomando um gole de café.

Irene apenas assentiu com a cabeça, como se evitasse dizer em voz alta algo que já pesava sobre todos. Clara sabia que o pai estava envolvido com jogos de azar. Tinha descoberto por acaso, ao ver mensagens no celular dele enquanto o carregava na sala. Dívidas. Apostas. Um vício que começara com inocência e terminara em promessas quebradas e olhares evitados.

— A gente vai conseguir sair dessa — disse Clara, mais para si mesma do que para a mãe.

Mas Irene apenas suspirou. Era difícil acreditar quando os cobradores já haviam batido à porta duas vezes naquela semana. O último empréstimo que o pai fizera colocava a casa como garantia, e agora estavam todos à beira do colapso.

O dia seguiu arrastado. Clara saiu para o trabalho às 9h e retornou por volta das 15h, caminhando sob o sol quente com passos lentos. Ao chegar em casa, encontrou o pai sentado na sala, com o paletó sobre o encosto da cadeira e o olhar vidrado para a televisão desligada.

— Oi, pai — disse, tentando parecer natural.

Ele levantou os olhos para ela, mas não respondeu. Apenas acenou de leve com a cabeça. Clara estranhou a quietude. Havia algo diferente em sua expressão. Menos tensão, talvez. Ou alívio. E foi então que ele se levantou e falou, pela primeira vez naquele dia:

— Clara, preciso conversar com você.

Ela gelou por dentro. O tom de voz era sério, mas não agressivo. Ainda assim, algo naquela frase a fez sentir que o mundo ao seu redor estava prestes a ruir.

— Claro, pode falar.

Ele caminhou até o sofá e fez sinal para que ela sentasse ao lado dele. Quando Clara se acomodou, ele começou:

— Eu... Eu cometi muitos erros. Erros graves. Estou afundado em dívidas que não consigo mais pagar. Já tentei de tudo. Vendi carros, tirei dinheiro de onde não devia, fiz promessas... Mas agora chegou num ponto em que não há mais saída.

Clara ficou em silêncio. A garganta apertada.

— Hoje de manhã — continuou — encontrei um antigo conhecido dos negócios. Um empresário... um homem muito poderoso. Um CEO de uma das maiores holdings do setor financeiro do país. Ele me ofereceu ajuda. Disse que pode pagar todas as minhas dívidas, salvar nossa casa e nossa empresa. Mas em troca...

João hesitou.

— Em troca de quê? — Clara perguntou, com o coração disparado.

— Ele quer se casar com você.

Clara riu, achando que era uma piada de mau gosto. Mas quando olhou para o pai, viu nos olhos dele a verdade amarga.

— Isso é loucura! — ela exclamou. — Eu nem o conheço!

— Ele... ele conhece você. Disse que já te viu uma vez, em um evento. Ficou impressionado. E agora quer unir as famílias, segundo ele. Um acordo. Um contrato.

— E você aceitou?

João não respondeu. Mas o silêncio falou por ele.

Clara se levantou, revoltada, lágrimas nos olhos.

— Você quer me vender como moeda de troca?

— Não é isso! — ele se ergueu também, tentando alcançá-la. — Eu não tenho escolha, Clara. Se não aceitarmos, vamos perder tudo. Literalmente tudo.

Ela saiu correndo para o quarto, batendo a porta com força. Encostou-se à madeira fria e desabou em lágrimas.

O silêncio voltou a dominar a casa. Mas agora, era o tipo de silêncio que precede uma tempestade.

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