“Ettore Bianchi” Estaciono o carro no lugar reservado, quase batendo no carro ao lado. Meus dedos continuam tensos ao redor do volante, mesmo após desligar o motor. De todas as coisas que poderiam ter permanecido esquecidas no carro, tinha que ser justamente aquele brinco. O mesmo que dei a ela no nosso primeiro mês juntos, quando éramos apenas dois idiotas apaixonados dividindo cafés pela universidade. Atravesso o saguão da empresa, retribuindo os cumprimentos de maneira tão falsa que nem eu acredito. Quando finalmente entro no elevador, encosto a cabeça na parede espelhada. Solto um suspiro pesado ao lembrar da expressão de Liz ao ver o brinco. Aquela mistura de surpresa e… esperança? A ideia me irrita ainda mais. Que direito ela tem de esperar qualquer coisa de mim depois do que fez? As portas se abrem e saio do elevador. Passo direto pela minha assistente sem responder seu “bom dia”, finalmente entrando na minha sala. — Dia difícil, e ainda nem são nove da manhã — a voz d
“Véspera do casamento. Liz Montesi” O cerimonialista continua falando, mas suas palavras se perdem em algum lugar entre nós e minha mente exausta. Os últimos três dias se resumiram em fingir entusiasmo enquanto escolhia flores, vestidos, cardápio… e, sinceramente, isso me esgotou mais do que eu esperava. Ao meu lado, Ettore interpreta o papel do noivo atencioso, fingindo empolgação por faltarem apenas algumas horas para a cerimônia. Ele demonstra real interesse enquanto o homem gesticula animadamente sobre as posições de cada arranjo de flores. — Então, está tudo acertado para amanhã — ele conclui, fechando a pasta. — A cerimônia às 16h, seguida da recepção. A previsão do tempo está excelente. — Isso é ótimo — Ettore responde com um sorriso educado, tão perfeito que quase consigo acreditar que é genuíno. — A senhorita tem alguma dúvida de última hora? — o cerimonialista me pergunta. Dúvidas? Tenho milhões delas. A principal é onde posso encontrar uma sósia para fazer tudo iss
O tecido branco desliza por minhas mãos enquanto encaro meu reflexo no espelho. O vestido, delicado e inegavelmente lindo, cai perfeitamente sobre meu corpo. Cabelos presos em um coque alto, maquiagem impecável. Uma noiva perfeita. Só falta a parte de estar feliz. — Você está deslumbrante, Liz — Giulia comenta, ajustando a barra do vestido. — Ninguém diria que esse vestido foi escolhido às pressas. Forço um sorriso, sem conseguir desviar os olhos do espelho. — Um sonho, né? — murmuro, irônica. — Ainda dá tempo de desistir — ela brinca, mas o olhar pelo espelho entrega que, no fundo, está falando sério. — Podemos pegar um avião para qualquer lugar. Sumir. Recomeçar. Por um segundo, a ideia me atrai com força. Consigo me ver numa praia distante com Giulia, livres, sem contratos, sem obrigações, sem fantasmas do passado. Mas então penso na minha mãe, imóvel em um quarto de hospital. Nos funcionários da Montesi, muitos dos quais me viram crescer. No legado do meu avô, construído co
Dou as costas para Chiara, determinada a encontrar Ettore e finalmente contar a verdade que guardei por tanto tempo. Mas, quando minha mão toca a maçaneta da porta, a voz dela me detém. — Vai mesmo contar para ele? — pergunta num tom baixo, quase casual. — Parece que você está se esquecendo do que assinou, não é? Congelo com suas palavras. Meus dedos ainda seguram a maçaneta enquanto viro lentamente para encará-la. A dúvida ainda brilha em seus olhos, mas é o sorriso que ela esboça que faz meu estômago revirar. — O acordo de confidencialidade — murmuro, sentindo a raiva e o desespero subirem juntos. Ela sabe mais do que imaginei. Sabe do contrato que assinei. E também sabe da multa absurda que eu teria que pagar se quebrasse o silêncio. Um valor que eu, claramente, não tenho. Ou não estaria prestes a me casar com Ettore como última alternativa. — Ao menos sua memória continua boa — diz, com um sorrisinho venenoso. Chiara percebe minha hesitação e, com toda sua arrogância, se
“Ettore Bianchi” Quando Adeline me contou que viu minha mãe entrando no quarto de Liz, soube que isso significava problemas. Minha mãe nunca aceitou Liz, especialmente quando soube que eu estava disposto a largar tudo por ela, anos atrás. Agora, parado à porta do quarto, vendo Liz e Giulia trocarem olhares tensos, tenho a confirmação: meus instintos estavam certos. — Sua mãe não ficou muito feliz com o casamento — Liz diz, cortando a amiga antes que ela possa falar. — E fez questão de deixar isso bem claro. Fecho a porta atrás de mim, sentindo o maxilar travar com a raiva. — Foi minha mãe quem fez isso com você? — pergunto, encarando o que restou do vestido da minha noiva. Ela apenas assente, desviando o olhar. O silêncio dela me irrita mais do que o próprio ataque da minha mãe. Por que essa nova versão entediante de Liz nunca se defende? — O casamento ainda vai acontecer? — Giulia pergunta, se levantando com um suspiro pesado. — Porque não tem como a Liz subir ao altar assim
“Liz Montesi” Novamente encaro meu reflexo como quem observa uma estranha. Giulia prende o último grampo no meu cabelo, mas nada consegue segurar a bagunça que está aqui dentro. — Pronto, perfeita — Giulia diz, ajeitando uma mecha rebelde. — Ninguém diria que trocamos o vestido às pressas. — Obrigada por tudo, Giu — agradeço, olhando no espelho uma última vez. O vestido rosa-claro, quase branco, cai suavemente ao redor do meu corpo. Uma ironia do destino que me faz sorrir com amargura. Desenhei esse vestido para uma festa da Montesi. Elegante demais, solene demais… quase como um vestido de noiva. E hoje ele vai cumprir exatamente esse papel. — Amiga… — ela me chama quando me afasto para pegar o buquê. — Você vai mesmo engolir tudo calada? — É melhor assim — respondo, pegando o arranjo de lírios-brancos. — Se algum dia eu voltar a ver o antigo Ettore, talvez eu tenha coragem de contar. Mas essa nova versão dele… — hesito, respirando fundo para não chorar. — Essa não merece out
O trajeto até o local da recepção é feito em um silêncio sufocante. Nenhum de nós ousa mencionar o beijo perigosamente próximo da realidade, mas meus lábios ainda formigam com a lembrança. Desvio o olhar para Ettore, que mantém os olhos fixos na paisagem lá fora. Sua mandíbula travada revela que seus pensamentos estão tão tumultuados quanto os meus. — Chegamos — ele anuncia quando o carro para diante do Villa Reale, um dos salões mais prestigiados de Milão. O motorista abre a porta e Ettore desce primeiro, estendendo a mão para me ajudar. O marido atencioso para os paparazzi que nos esperam. — Pronta para mais um ato? — ele murmura enquanto subimos os degraus de mármore, envolvendo seu braço na minha cintura. — Tão pronta quanto deveria estar — respondo com um sorriso falso. As portas do salão se abrem e somos recebidos por aplausos educados. O espaço foi transformado em um paraíso em tons de branco e dourado, com as mesmas flores da cerimônia. Os convidados se aproximam para
Sua respiração quente contra minha pele provoca um calor que sobe pelo meu pescoço e, com o sorriso malicioso de Giulia, sei que estou corada. — Nos falamos amanhã, amiga — Giulia murmura, ainda sorrindo. — Aproveite sua… noite. Estreito os olhos em direção a ela, me levantando lentamente. Ettore contorna a mesa e estende a mão, esboçando um sorriso. — Vamos, querida? — Claro — respondo, aceitando sua mão. De braços dados, atravessamos o salão enquanto nos despedimos de algumas pessoas, recebendo abraços e votos de felicidade que parecem piadas cruéis diante da nossa realidade. Quando estamos quase chegando à saída, Isabella surge à nossa frente, bloqueando o caminho. — Os noivos já estão indo? Mal tive tempo de parabenizar a noiva — diz, num tom doce demais para ser sincero. — Me desculpe por isso, Liz. Sabe como é, Ettore e eu temos tantos assuntos que acabei me esquecendo. — Obrigada, Isabella — respondo, forçando o sorriso mais sincero que consigo, repetindo o que disse v