O encontro (quase) silencioso

POV RYAN

Assim que abri os vidros do carro, percebi que o cheiro de eucalipto ainda era o mesmo, fazendo-me voltar no tempo. Apertei o volante quando a estrada de terra me levou àquele velho portão enferrujado. Rancho Palmer: as letras desbotadas na madeira balançavam com o vento, como um aviso: você não devia estar aqui.

O celular vibrou no banco traseiro, mas não me importei. Ravena abriu os olhos e preguiçosamente o pegou, me entregando e voltando a dormir.

“Fique o mínimo de tempo possível”, alertou meu empresário através de uma mensagem.

Eu ri, com desdém. Ele falava como se fosse possível ficar o mínimo de tempo possível com a minha vó, a pessoa que eu mais amava na vida, que estava em seus últimos dias.

Me passou pela cabeça uma coisa. E se Nona estivesse mentindo? Se tudo não passasse de uma armadilha para promover um encontro em Tayla e eu?

Não! Aquela senhorinha linda, doce, que fazia as melhores comidas do mundo e me amava sem nenhum tipo de barreira jamais faria algo daquele tipo: unir novamente Tayla e eu num mesmo lugar, sabendo o quanto nos odiávamos.

Lembrei da ligação dela, dias atrás, quando pediu que eu passasse o verão inteiro no Rancho Palmer. Claro que a primeira coisa que eu disse era que não podia.

- Por que não pode? – Perguntou, como se não soubesse.

- Porque preciso trabalhar, vó.

- Então venha, fique o verão todo aqui e eu lhe pago.

- Eu não preciso de dinheiro, vó! – Ri.

- Se não precisa de dinheiro, logo não precisa trabalhar para tê-lo. – Constatou.

Gargalhei:

- Eu quis dizer que não preciso do “seu” dinheiro.

- Hum, sei... Agora se acha um homem rico. – Pareceu chateada.

- Bem, digamos que sim.

- Você não é rico, Ryan.

Sério que ela queria discutir meu patrimônio?

- Vó, eu tenho dinheiro... O suficiente para viver bem e ter e fazer tudo que eu quero.

- Você não pode comprar tudo, Ryan. É pobre de amor... E de sinceridade e verdade. Todos ao seu redor são mentirosos e bajuladores. Só falam o que quer ouvir porque precisam de você.

- Está acabando comigo, vó! – eu ri – Acha realmente que ninguém e sincero comigo? Não posso ter amigos de verdade? E uma namorada que goste de mim?

- Você só teve uma amiga de verdade... E coincidentemente ela foi a única namorada que gostou de você.

Suspirei, sentindo o sangue ferver dentro de mim. E eu sabia que não era só por ela estar defendendo Taylice, mas pelo simples fato de ouvir o nome dela através de alguém que a via, que falava com ela, que sabia como ela estava, onde vivia, o que fazia, se ainda estava casada, como se saía enquanto mãe...

- Eu dispenso o “gostar” de alguém que for igual ao dela.

- Não faça drama, Ryan.

- Drama? Por que sempre a defende?

- Não, eu não a defendo. Para mim vocês dois são culpados, na mesma proporção. A única coisa que quero é que venha passar o verão comigo... Todo ele.

- Vó, é muito tempo!

- Pois saiba que Tayla virá.

Engoli em seco:

- Agora mesmo que eu não vou.

- Não quer saber o que fez com que Tayla aceitasse vir passar o verão no Rancho Palmer mesmo sabendo que provavelmente você também estará presente?

Senti meu coração acelerar. Taylice havia aceitado passar um verão inteiro junto de mim, em Solidão? Ela tinha jurado que jamais voltaria. E teria coragem de olhar para todos, depois de tudo que aconteceu? Ela sabia que Davis, assim como Ísis, ainda moravam em Solidão? E que praticamente ninguém além de nós dois havia ido embora?

O retorno dela implicava ver todos novamente. E voltar ao passado, tendo que enfrentar tudo do que sempre fugiu: a vergonha, a humilhação, a verdade.

- Vó...

- Então vou confirmar aqui na minha agenda que este verão você virá passar no rancho Palmer.

- Vó, você não tem uma agenda – eu ri - Mas por que está pedindo isto? Está se sentindo solitária? Está doente? Quer que eu peça para mamãe ficar aí um tempo?

- Sempre estou sozinha e carente de você e Tayla.

Suspirei:

- Um verão inteiro é muito tempo.

Houve um silêncio demorado do outro lado da linha até que ela dissesse:

- Ryan, eu estou com câncer. Tenho pouco tempo de vida!

Engoli em seco, sentindo um frio percorrer minha espinha. Aquilo só podia ser brincadeira. Ela era Nona Sans Palmer. Ela não podia morrer. Era a dona do Rancho Palmer, a minha vó, a pessoa mais especial do mundo inteiro.

- Não pode ser! – Minha voz mal saiu.

- Sim, pode. Chegou a minha hora. E meu último desejo é você e Tayla aqui comigo.

Não houve nenhum pedido meu que ela atendesse: nem que procurasse outro médico, que fizesse um tratamento, que lutasse por mais tempo conosco.

Nona era o tipo de pessoa que quando tomava uma decisão, nada a fazia mudar de ideia. E parecia que ela já havia decidido: queria que seus últimos dias fossem como no passado, quando Tayla e eu preenchíamos todo o vazio que meu avô e meu pai deixaram nela.

Talvez ela sentia falta do mesmo que eu: a casa cheia de risadas divertidas, do cheiro de doce vindo do fogão à lenha, do som dos animais do lado de fora, do cheiro de terra molhada, das conversas ao pé do ouvido diante da lareira... De vida!

Não precisou muito para vovó me convencer a deixar tudo para ir para Solidão, mesmo sabendo que teria que dividir o espaço com Taylice e sua família de comercial de margarina.

Segurei-me para não chorar só de saber que minha vó não estaria mais no mundo em breve. Foi quando ela me perguntou, ainda na linha:

- Ryan, o seu pinto é torto?

Me engasguei com a própria saliva:

- Vó, isto é uma brincadeira?

- Eu ouvi umas garotas falando no mercado. E aposto que disseram em voz alta para que eu ouvisse. E quer saber? Eu disse para elas que mesmo que você tivesse um pinto torto, elas dariam tudo para vê-lo... E dormir com você! O defendi!

- O meu pau não é torto! – Quase gritei, furioso – Maldita garota do podcast! – Bati na mesa, com força.

- Não fique tão irritado, meu amor! As garotas garantiram que dormiriam com você, mesmo se tivesse um pintinho torto. Uma delas até mostrou-me a foto de um ensaio seu, dando um zoom nos seus “documentos”. Querido, não tem vergonha de mostrar suas partes íntimas o tempo todo, para o mundo?

- Vó, eu não mostro minhas partes íntimas. Uso cuecas, que inclusive pagam o meu salário. Iniciei como modelo de cuecas, lembra?

- Claro que lembro, meu querido.

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