Depois de três dias ardendo em febre, a temperatura finalmente baixou.
No dia em que saí do quarto, coincidentemente, era o dia do Batismo do Orvalho Lunar, a cerimônia que marcava o reconhecimento oficial da filhota da Josia pela alcateia.
A cerimônia acontecia no santuário dos lobos: a clareira da lua, cercada por antigos carvalhos, onde a luz prateada escorria entre as folhas.
As chamas das fogueiras rugiam, o cheiro de veado assado dominava o ar, e os lobisomens brindavam com hidromel, rindo alto, celebrando.
O Ancião Supremo, Lucien e outros anciãos sorridentes seguravam a bebê enrolada em panos finos, recebendo os votos e bênçãos dos membros da alcateia.
Joias delicadas, brinquedos caros e presentes simbólicos formavam uma pequena montanha ao lado da fogueira principal.
— Kellan, este é para a Josia. — Disse o Ancião Supremo, entregando a ele uma caixa de madeira escura.
Dentro, repousava um anel com uma pedra branca translúcida, embutida com o brilho pulsante da lua, a Lágrima da Deusa da Lua.
— Ela merece, por trazer ao clã dos Wolf um sangue tão forte e saudável.
Kellan pegou o anel e o colocou com cuidado no dedo de Josia.
— Obrigado. Você foi incrível. — Disse ele, num tom cheio de ternura.
Josia se aninhou no peito dele, com um sorriso tímido, feliz. A família inteira parecia banhada em harmonia. Os convidados rodeavam a filhota, elogiando sem parar:
— Que choro forte! Com certeza será uma guerreira poderosa!
— Tem os olhos da Josia, brilham como luz de lua!
— Uma união perfeita de linhagens nobres! Viva o Alfa e sua Luna!
Fiquei ali, no canto, vendo tudo acontecer.
As unhas enterradas na palma da mão. Mas eu não sentia dor.
— Senhorita Iris. — Josia se aproximou com uma taça de hidromel nas mãos, sorrindo. — Vamos tirar uma foto juntas, sob a luz da lua?
Balancei a cabeça.
— Não precisa.
— Não seja tímida. — Ela agarrou minha mão e me puxou para perto da câmera. Encostou-se a mim e sussurrou, provocando. — Está vendo como o Kellan me trata bem agora? Ele dorme comigo todas as noites e usa o feromônio de Alfa para me acalmar.
Fechei os olhos, cansada. Não queria ouvir. Só queria que acabasse logo.
Click.
No instante em que a câmera capturou a imagem, o grande totem da história dos lobos atrás de nós soltou um estalo seco.
— Cuidado!
O totem desabou. Kellan correu como um raio, puxando-me pelos ombros. O tronco gigantesco passou raspando pelas minhas costas, atingindo o chão com estrondo.
Josia, do outro lado, foi atingida pelos estilhaços e pela onda de impacto. Caiu no chão, gritando, e o sangue se espalhou rapidamente sob seu corpo.
— Josia! — Kellan largou meu braço e disparou até ela, desesperado.
...
Do lado de fora da sala de cirurgia, Kellan andava de um lado para o outro, inquieto.
Aquela imagem me atravessou. As lembranças de quando eu me machucava colhendo ervas e ele passava a noite inteira ao meu lado, sem piscar.
A cortina se abriu de repente.
— Alfa! — O médico quase tropeçou para fora. — A situação é grave! Josia está perdendo muito sangue! O banco de sangue não tem o tipo dela. Precisamos de uma doação agora!
— Usa o meu sangue! — Kellan se adiantou.
— Não pode! — O médico balançou a cabeça, aflito. — O corpo dela está fraco demais para suportar a energia selvagem do sangue de um Alfa. Tem que ser sangue humano!
Naquele momento, Kellan virou o olhar para mim.
Como se um raio tivesse atravessado meu peito. Dei um passo para trás, trêmula.
— Eu não vou doar.
O sangue que corre em mim. A única coisa que eles consideram "especial" nesse corpo humano que desprezam... agora era a salvação da herdeira dele?
Kellan agarrou meu pulso com força.
— Iris! — O olhar dele era afiado como aço. — Não é hora de fazer birra! Ela carrega o futuro da alcateia! Se algo acontecer com ela, nunca mais poderemos ir embora! Você entende?!
Meu coração se contraiu com força.
Ele tinha medo de não poder ir embora. Ou tinha medo de que o filhote dele e da Josia sofressem?
— E se eu não quiser? — Minha voz saiu quase em um sussurro.
Kellan ficou com o rosto sombrio.
— Eu te salvei. E por isso a Josia se machucou. Você é quem se beneficiou nessa história. Dar um pouco de sangue é tão difícil assim?
O olhar dele ficou cheio de decepção.
— Iris, como você pôde se tornar assim?
Uma pontada mais profunda atravessou meu peito.
Eu mudei?
No começo, foi ele quem insistiu. Foi ele quem disse que sua companheira só poderia ser eu...
Foi ele quem prometeu que jamais olharia para outra. Foi ele quem implorou, sob a tempestade, que eu acreditasse nele...
E agora. Ele dizia que eu mudei?
— Então. — Minha voz tremia — Você se arrependeu de me salvar? Se pudesse voltar atrás, você teria corrido primeiro para salvar Josia e a filhota de vocês, não é?
Kellan ficou paralisado.
— Que absurdo é esse?!
— Alfa! — O médico surgiu novamente, aflito. — A situação da senhora Josia está piorando! Se demorarmos, podemos perder as duas! O senhor precisa decidir agora!
O olhar de Kellan endureceu. Sem mais hesitar, virou-se para os guardas.
— Levem ela para a sala de coleta!
Fui forçada a sentar na cadeira. A agulha penetrou minha veia. O sangue começou a sair, lento, pesado, como se arrancasse algo mais que vida.
Kellan ficou de costas para mim. Não olhou nem por um segundo.
Quando chegaram a 400 ml, o médico hesitou.
— Alfa, a senhorita Iris está muito fraca. Se continuarmos, vai...
— Continuem. — Kellan não virou o rosto.
Aos 600 ml, tudo escureceu. As lembranças se confundiram.
Vi o Kellan do passado. Na porta da loja de ervas... Sorrindo:
— Meu nome é Kellan. Amanhã, eu volto...
Depois disso, desmaiei.
Quando acordei, ele estava sentado ao lado da minha cama. Por um instante, acreditei que ele fosse me segurar a mão pedir perdão, implorar como antes.
Mas, assim que abri os olhos, encontrei apenas o gelo no olhar dele.
— Você derrubou o totem? — Perguntou.