Fiquei em choque.
— O que você quer dizer com isso?
— O Círculo dos Anciãos investigou. — O olhar de Kellan era afiado como lâmina. — A base do totem foi serrada pela metade. Se não foi você, quem mais teria tanto interesse em machucar a Josia?
Um arrepio congelou minha espinha.
— Vou repetir. Não fui eu! Da primeira vez não fui eu, da segunda não fui eu, nunca fui eu! Você confia em mim? Kellan, jura pela lua e pelo lobo dentro de você. Sua conexão com a minha alma está dizendo que eu menti?
Minha voz saiu como um grito desesperado no final.
— Ainda tenta negar! — Os olhos dele se tornaram gelo. — Sempre quer que eu acredite em você... mas olha o que você faz! Tentou prejudicar Josia, ferir a filhota. Já falei tantas vezes, eu só faço isso por causa do herdeiro! Por que insiste em provocar? Se ela perdesse o bebê, do que isso nos adiantaria?!
O peito subia e descia rapidamente. A dor e a raiva entupiam minha garganta.
Eu queria perguntar. Queria berrar que nunca toquei em ninguém. Queria o lembrar de que ele prometeu acreditar em mim para sempre...
Que disse que jamais duvidaria.
Mas, no fim, só consegui olhar para ele, cansada, esgotada e falar, tremendo:
— Está bem. Já que você não acredita em mim, então acabou. Você pode romper nosso vínculo de companheiros quando quiser. Eu deixo vocês em paz. Sejam felizes, você, Josia e as crianças.
Kellan travou. As pupilas douradas se contraíram.
— O que você disse?!
Um rosnado baixo escapou da garganta dele.
— Eu não fui clara? — Os meus olhos ardiam. — Eu abro mão do nosso vínculo. Deixo você livre para ficar com a Josia.
PÁ!
A mesa ao lado se estilhaçou sob o soco dele. Fragmentos de madeira voaram pelo chão.
Ele agarrou meus pulsos, a fúria queimando no olhar.
— Iris! Não diga isso! Eu sempre amei você! Como pode dizer que vai me entregar para outra?!
Mantive os olhos vermelhos fixos nos dele, teimosa, sem dizer uma palavra.
Depois de um longo tempo em silêncio, Kellan respirou fundo.
Ele tentou conter a fúria e me puxou para um abraço, tão forte que parecia querer me unir ao próprio corpo.
— Acabou esse assunto. — Murmurou, rouco. — A Josia já... perdoou você. Eu também não vou falar mais disso.
Ele apertou ainda mais meus ombros.
— Mas lembre. — A voz dele se quebrou — Nunca mais vai dizer que quer romper nosso vínculo... ou ir embora! Nunca! Tudo o que eu fiz foi pelo nosso futuro!
Eu não respondi. Eu já decidi deixar esse futuro ir para o inferno.
— Ela me perdoou tão fácil assim? — Perguntei, sem emoção. — Não pediu nada em troca?
O corpo dele ficou tenso. Depois de alguns segundos de silêncio, Kellan me soltou devagar.
— Ela quer fazer o Voto da Luz Lunar. Ela disse que a filhota precisa saber que os pais foram um dia abençoados pela Deusa da Lua... que são uma família legítima.
Ele parou e virou o rosto para mim.
— Mas a cerimônia é falsa. Só para a alcateia ver. e para as crianças terem uma história. Não significa nada. Você não precisa se preocupar.
Meus lábios tremeram, mas nenhum som saiu.
Parecia que uma mão fria segurava meu coração com força, cada batida doía como se fosse rasgar tudo por dentro.
"Kellan. Você já tem filhos com ela. Agora até o juramento sagrado da lua vocês vão fazer juntos.
Tem alguma coisa que ainda não seja de verdade?
Eu... sou o quê nessa história?"
Kellan continuou falando, a voz distante.
Explicava a necessidade do ritual, prometia que depois iríamos embora juntos.
Eu apenas olhava os lábios dele se movendo, sentindo um cansaço profundo, sufocante.
Fechei os olhos devagar. Deixei todas aquelas palavras caírem, como poeira inútil. Sobre o coração que já estava morto há muito tempo.
Do começo ao fim, eu não disse mais nada.
...
Kellan ficou no hospital comigo por três dias inteiros. Durante esses três dias, cuidou de mim em cada detalhe.
Quando me dava o remédio, ele sempre soprava primeiro para esfriar e só depois encostava o copo nos meus lábios.
À noite, qualquer movimento meu fazia ele despertar assustado, segurando minha mão até ter certeza de que eu estava bem. Quando o médico aplicava a injeção, ele me abraçava com força, cobria meus olhos com a mão e sussurrava baixo:
— Não olha. Vai passar rápido...
Mas assim que me deu alta, ele voltou toda a atenção para os preparativos do Voto da Luz Lunar.
Com medo de que eu "causasse problemas", ele tomou meu celular e colocou guardas na porta para me vigiar dia e noite. Naquela casa enorme, sobrou apenas uma empregada para me vigiar e servir comida.
Eu não lutei. Apenas comecei a arrumar minhas malas em silêncio.
No dia da cerimônia, meu celular foi devolvido. A tela estava cheia de fotos enviadas pela Josia.
Kellan de terno, colocando um anel no dedo dela com um sorriso gentil. Os dois se beijando sob aplausos e bênçãos. Os quatro juntos, cortando um bolo como uma família perfeita.
Cada foto era uma nova facada num coração que já não sabia mais onde ainda doía.
Eu estava prestes a desligar o celular quando a porta foi aberta.
O Velho Alfa estava ali.
— Já está tudo pronto. — Ele falou, firme.
Me entregou uma passagem de avião.
— Eu prometo que, se você for embora, ele nunca mais vai conseguir te encontrar.
Peguei a passagem em silêncio. Peguei a mala que já estava pronta fazia dias.
Quando saí da casa, o sol brilhava forte.
Não olhei para trás. Dei cada passo rumo ao carro parado na rua.
Eu não me despedi de Kellan.
Porque, no resto desta vida, neste mundo tão imenso, nós nunca mais iremos nos encontrar.