O celular só dava sinal de linha ocupada. Quando tentei de novo, Matheus já tinha me colocado na lista de bloqueados.
Ele sabia que o tal casamento arranjado era só mais um truque da Júlia pra arruinar a cerimônia. Mas mesmo assim, ele se divertia. Brincava com ela como se fosse um jogo. E não admitia nem um pingo da minha presença nesse teatro.
Os olhares da plateia me atravessavam como montanhas — pesados, sufocantes.
Mordi os lábios com força, engoli a mágoa, empurrei as lágrimas de volta.
As pessoas estavam indo embora uma a uma. Tudo indicava que essa seria mais uma cerimônia que acabaria em fiasco.
Tomei o microfone de supetão, tentando ao máximo conter o tremor na voz.
— O casamento ainda não acabou. Por favor, todos sentem-se.
Houve um murmúrio de espanto.
— Será que a Rafaela Almeida surtou de vez? Já tá falando coisa sem sentido.
— Que mulher cara de pau! O Matheus nem liga pra ela e ela ainda fica se humilhando!
— Como ela acha que vai se casar sem noivo? Será que acredita que só porque organizou tudo sozinha, o Matheus vai voltar e aceitá-la como esposa? Ele só tava brincando com ela. Nunca quis casar de verdade!
Inspirei fundo, segurei o microfone com firmeza.
— O noivo foi embora. Então troquemos de noivo.
— Quem quiser casar comigo, case agora!
A plateia explodiu num burburinho. Mas mesmo depois de um longo silêncio... ninguém se mexeu.
— Depois de dez anos correndo atrás do Matheus, só se for muito corajoso pra assumir essa!
— Esse tipo de mulher até dá pra brincar, mas pra casar? Nem pensar!
As palavras vinham como facadas. Eu estava prestes a desmoronar quando uma mão arrancou o microfone da minha.
— Eu quero.
Levantei o olhar. Era Thiago Castro — amigo do Matheus. Sempre frio comigo.
Hesitei.
Teve um tempo em que, só pra agradar a Júlia, Matheus mandava os amigos espalharem que ele estava doente. Eu, preocupada, pegava o carro e corria até lá... só pra acabar trancada a noite inteira numa câmara frigorífica.
Até hoje, toda vez que chove, meu joelho ainda dói.
Me forçaram a entrar no rio durante o meu ciclo.
Em acampamento, me deixaram sozinha no meio do mato sob tempestade.
Thiago nunca participou dessas coisas. Às vezes até dizia algo em minha defesa.
Mas mesmo assim, eu não conseguia conter o medo. E se fosse mais uma armação do Matheus?
Ainda mais difícil que o medo, era aguentar o escárnio nos olhos da multidão.
— Alguém ainda quer isso? Até essa 'vadia' já serve agora?
— Aposto que ela tá blefando. Se o Matheus der um assovio, volta abanando o rabo feito cachorrinha!
Quanto mais falavam, mais doía. Olhei para Thiago, cerrei os dentes:
— Se você se casar comigo, eu caso.
De manhã fizemos a cerimônia. À tarde, fomos registrar o casamento.
Quando vi a foto na certidão, fiquei tonta por um instante.
Nunca na vida a separação com Matheus pareceu tão real.
Thiago olhou pra mim, a voz tranquila:
— Se você se arrepender, a gente pode se divorciar.
Aspirei com força, engolindo a dor que queimava por dentro.
— Não me arrependo. Vamos pra lua de mel, marido.
Ele se surpreendeu, como se não esperasse que eu fosse tão firme.
Afinal, ele tinha me visto correndo atrás do Matheus como uma cachorra por dez anos.
Eu sabia muito bem como era vista entre os amigos dele:
Grudenta, rebaixada, barata...
Já ouvi todo tipo de ofensas. Eles nem faziam questão de disfarçar.
E Matheus? Nunca se importou com meu constrangimento.
Só se preocupava se os drinks estavam do jeito que Júlia gostava.
Se o ar-condicionado não estava gelado demais pra ela.
Talvez eu devesse ter desistido há muito tempo. Não valia entregar a vida inteira por um favor de infância.
Uma notificação chegou no celular. Era da Júlia.
— Rafaela, vou pegar o Matheus emprestado por uns dias, tá? Já já eu devolvo, viu?
— Hoje não consegui ir ao seu casamento. Mas no próximo eu juro que mando meus parabéns!
Era a terceira vez que ela me anunciava a própria vitória.
E, mais uma vez, deixava claro: na próxima cerimônia, ela viria roubar o noivo de novo.
Eu já chorei, já gritei, já me humilhei por cada fuga do Matheus.
Mas ele sempre respondia com a mesma frieza:
— A Júlia é a pessoa mais importante da minha vida. Ela é como uma irmã pra mim. Se você não aceita isso, podemos terminar.
Eu não conseguia soltar. Então engolia todas as mágoas.
Mas agora, olhando pra foto que a Júlia mandou, movi o dedo, digitei uma última frase e a bloqueei.
— Srta. Barbosa, não precisa mais se dar esse trabalho. O Matheus não me interessa mais. Pode ficar com ele.