Capítulo Um - 2

Parte 2...

Júlia é uma menina muito ativa e uma coisa que ela ama, é puxar meu cabelo. Depois de uns dias cuidando dela, aprendi que se quero manter meus fios, a melhor coisa é fazer uma trança que dificulta mais pra ela.

Sorri olhando meu reflexo no espelho. Eu gosto muito de cuidar da Júlia, mas não quero ser babá por muito tempo. Esse foi o melhor emprego que consegui, diante da situação que o país está. E não reclamo, Célia paga muito bem e também é uma ótima patroa. Ela não me trata mal e nem como se eu fosse inferior.

Graças a Deus, de vez em quando eu encontro pessoas pelo meu caminho que me fazem acreditar que ainda existe esperança para o ser humano.

Torci a boca. Minha mente insiste em me puxar de volta a algumas cenas de meu passado que gostaria de esquecer, mas que ao mesmo tempo é importante que me lembre, para não cair de novo em um erro como aquele.

— Carol! - escuto Nilce me chamando da cozinha.

— Já estou indo - gritei de volta. Peguei a bolsa e fechei o armário — Só vou querer mesmo o café. Quero ver se chego mais cedo hoje porque aí compenso a saída.

— Tenha cuidado - ela me entregou a xícara — Essa hora tem pouca gente na rua.

— Pode deixar - soprei o café quente e bebi um pouco devagar, para não me queimar — Eu presto atenção.

Conversei um pouquinho e saí. Encontrei com um vizinho que também estava saindo para o trabalho e até a metade do caminho ele me fez companhia, depois seguiu para outro lado.

Quando chegeui no ponto dei uma geral em volta. Ainda não tinha ninguém e o ônibus ainda iria levar mais uns quinze minutos para chegar.

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Enquanto o ônibus balança, seguindo seu trajeto, eu fico olhando pela janela a paisagem da cidade. Mesmo sendo cedo já tem muita gente abrindo seus comércios, passando com farda escolar, de empresas. O agito da cidade é sempre grande.

E isso me puxa para o dia em que tudo aconteceu.

Eu tinha só cinco anos. Não lembro de detalhes, mas algumas coisas ficaram marcadas em minha mente. Outras eu acabei apagando de minha memória porque é muito duro para mim relembrar certas passagens de minha vida.

Eu lembro de tossir muito e me sentir sufocada com a fumaça em cima de mim. Ainda hoje tenho aversão a cigarros, de tanto que essa parte ficou marcada em mim, nesse dia e também em outra época. Sei que o homem no banco da frente era meu pai e que o garoto ao meu lado era meu irmão.

Mateo era alguns anos mais velho do que eu. Ele estava sentado ao meu lado dentro do carro, lendo uma revista de carros. Meu pai aumentou o volume da música que tocava na rádio.

Não me lembro que música era, mas tenho a recordação que era algo muito barulhento e que me desagradava. Eu queria ir para a escolinha, mas ele não me levou nesse dia. Fiquei triste porque eu queria brincar com minhas amiguinhas.

— Pai.. - ele olhou para mim pelo espelhinho — Eu quero ir para a escola - perguntei com minha voz calma.

Eu sempre fui calma, até devagar, como os meninos diziam. Mas no fundo eu sempre tive esse espírito mais tranquilo.

— Hoje não - ele disse e olhou para fora, observando os carros que passavam.

— Mas eu trouxe minha mochila - bati em cima da minha mochila cor de rosa, com um desenho de uma porquinha na frente.

— Não seja chata - ele se virou rápido para mim e jogou uma baforada de fumaça em meu rosto, me fazendo tossir mais e minha garganta arder — Hoje você vai ficar aqui.

Eu franzi a testa, abanando a fumaça. Olhei em volta e tudo o que eu vi foi uma esquina. Vários carros passando de um lado para outro, alguns moleques vendendo balas e água mineral no semáforo e na esquina.

— Aqui não é minha escola - eu comentei sem entender.

Ele encostou o carro perto da calçada e me mandou sair. Eu olhei para o Mateo que continuava lendo sua revista.

— Saia logo, menina - ele disse com voz forte e aí sim, Mateo levantou os olhos da revista — Vá até a esquina e sente ali.

— Mas... Pai, aqui não tem... - Mateo começou a falar e meu pai pegou a revista da mão dele e lhe bateu na cabeça.

— Cala a boca, garoto - ele brigou com Mateo.

Então meu pai abriu a porta do carro, pegou minha mochila rosa e me mandou sair de novo. Eu fiquei sem ação, olhando a porta aberta, então ele fez uma som esquisito com a boca e abriu a porta dele.

Mateo apertou minha mão com os olhos arregalados. Eu não sabia o que ia acontecer, mas acho que de certa forma, Mateo tinha uma ideia. Vi que ele tinha uma expressão de medo.

Meu pai me puxou com força pelo braço e me empurrou na direção da calçada.

— Você fica aqui - apontou para o muro de uma casa — E não fale com ninguém, entendeu?

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