A madrugada seguia densa e silenciosa, o céu coberto por nuvens pesadas. Dentro do quarto, Darian permanecia imóvel na poltrona, olhos semicerrados mas alerta a cada som, a cada movimento sutil.
Foi então que ele sentiu. Um arrepio subiu pela sua nuca. O ar ficou denso, como se a atmosfera tivesse ficado elétrica. Ele abriu os olhos de vez, e no mesmo instante, o chão tremeu levemente. — Merda… — murmurou. Lyanna, adormecida, se contorcia no colchão. O rosto, antes sereno, agora franzido em agonia. Seus lábios murmuravam coisas sem sentido, os dedos agarrando o lençol com força. Darian se levantou num salto silencioso, indo até a beira da cama. Foi então que as luzes piscaram. As paredes do quarto emitiram um rangido agudo e a mobília tremeu. Um vaso de vidro tombou na cômoda, estilhaçando no chão. Ela estava liberando energia. No sonho, Lyanna via novamente a floresta, a névoa, os olhos vermelhos, sua mãe a chamando. Mas dessa vez, os monstros avançavam, as garras quase tocando sua pele. Ela gritou no pesadelo, e no mundo real, o abajur estourou, a cama sacudiu. Darian aproximou-se e, com cuidado, pousou a mão sobre a testa dela. — Calma, Ly… calma. Tô aqui. Tá tudo bem. Ao toque, uma onda de energia percorreu seu braço. Ele sentiu a força da esfera dentro dela se agitando, respondendo à ameaça que só existia nos sonhos, mas que agora transbordava para o mundo físico. — Você tá despertando… cedo demais. Com um esforço, Darian recitou em voz baixa palavras na antiga língua dos guardiões. Uma aura suave se formou entre sua mão e a testa dela, e a vibração na casa começou a cessar. As paredes pararam de ranger, os objetos ficaram imóveis. Lyanna relaxou no colchão, os murmúrios cessando. O quarto voltou ao silêncio. Darian se afastou devagar, sentindo o suor frio na própria nuca. A esfera estava reagindo. Ela começava a chamar coisas que não deveriam mais saber onde ela estava. O tempo dele estava acabando. Ele olhou pela janela para a noite carregada, e jurou em silêncio: — Quem tocar nela… morre. Voltou para a poltrona, fingindo dormir novamente. Amanhã, ela acordaria sem se lembrar do que causara. Mas logo, logo, isso não seria mais possível. O sol filtrava seus primeiros raios tímidos pelas frestas da cortina. Um feixe dourado atravessou o quarto e pousou direto no rosto de Lyanna, que despertou devagar, franzindo o cenho. Sentia o corpo cansado, como se tivesse corrido quilômetros durante a noite. Virou-se de lado, esticando o braço e notando algo estranho: o abajur estava no chão, em pedaços. Franziu a testa. — Ué…? — murmurou. Levantou o olhar e percebeu a poltrona próxima à janela. Darian estava ali, jogado de qualquer jeito, uma perna apoiada no braço da cadeira, a cabeça tombada para o lado, a respiração constante. Ele ficou aqui a noite toda. Sentiu as bochechas esquentarem sem controle. Foi só então que reparou melhor no quarto: o tapete estava torto, a cortina fora da argola, a cômoda um pouco deslocada da parede. Como se… como se tudo tivesse se movido. Mas ela não se lembrava de nada. Levantou-se devagar, esfregando os olhos, e caminhou até a poltrona. — Darian…? Ele fingiu acordar com um susto, ajeitando-se. — Ah… bom dia. Dormi aqui. Espero que não se importe. Lyanna sorriu sem graça. — Claro que não… é que… — olhou em volta — teve algum terremoto essa noite? Porque meu quarto tá… estranho. Darian olhou rápido em volta, como quem só percebe naquele instante. — Sério? Não notei nada. Eu apaguei aqui. Acho que você teve uma noite agitada, deve ter sonhado e derrubado o abajur e o vaso sem perceber. Ela fez uma careta, coçando a nuca. — Pode ser. Tive uns sonhos… bem bizarros. Mas já tô acostumada. Ele forçou um sorriso calmo, mas por dentro o alívio e a preocupação travavam um duelo. Ela não lembrava. Ainda bem. Mas isso estava ficando perigoso. — Bom… vou descer, fazer um café. Quer? — perguntou ele, tentando soar casual. Lyanna assentiu, sorrindo de canto. — Aceito. E… obrigada por ficar aqui. — De nada, anj… — ele se corrigiu rápido — Lyanna. Ela franziu o cenho, intrigada com a palavra cortada, mas antes que pudesse perguntar, Darian já estava saindo pela porta. Algo nele mexia com ela de um jeito estranho. Como se o conhecesse há anos. Mas isso… ela deixaria para tentar entender depois.