Já eram sete da manhã. Finalmente, todos estavam reunidos no auditório para dar continuidade ao julgamento iniciado no dia anterior.
Mas o que muitos ainda não sabiam era que o julgamento havia se desdobrado em dois. Um para resolver a questão do meu vínculo com Lucius. Outro para decidir como eu seria punida por agredir uma mulher grávida, não uma qualquer, mas a filha do Alfa.
Na prisão, tive tempo suficiente para me acalmar. Aceitei meu destino. Não vou demonstrar medo, muito menos pedir misericórdia. Prefiro que minha cabeça role a me humilhar diante de Elise e Lucius novamente.
O Alfa Líder levanta o braço, sinalizando silêncio. O julgamento vai começar.
Ao lado dele estão Lucius e Elise. Dessa vez, estou sozinha na área dos julgados.
Olho ao redor e me surpreendo ao ver minha mãe e meu irmão entre os presentes. O olhar afiado da loba que me criou transborda desafio. Ela sabe exatamente o que se passa na minha cabeça, e não teme. Afinal, eu aprendi com a melhor.
Já meu irmão, apesar do semblante frio e distante, deixa escapar uma ponta de nervosismo. Ele nunca foi tão bom quanto nós duas em fingir indiferença.
— Artemísia Goldryn! — a voz do Alfa Líder ecoa. Seus olhos azuis escuros são inquisidores e impiedosos, seu rosto carrega marcas de experiência e tempo. O que o torna implacável e amedrontador. Sua voz arrepia todos os meus pêlos ao dizer meu nome, que foi evocado como uma ordem silenciosa. — Você está aqui como foi combinado anteriormente para julgarmos a quebra do vínculo de casamento com seu ex parceiro escolhido, Lucius Lounge. Mas também, por ter cometido um ato de extremo desrespeito para com a família Alfa ao agredir minha filha mais nova, Elise Benedict.
As pessoas no salão ficam agitadas e burburinhos começam a surgir, porém logo cessam com o silêncio demorado do Alfa Líder, seguido das suas próximas palavras.
— O que diz em sua defesa, Ômega?
— Bom dia, Alfa Líder! — ajo de forma cordial. O Alfa não parece confortável. — Em minha defesa, eu só posso dizer que sua filha mereceu, eu só parei porque descobri que ela estava grávida. — todos os presentes pareciam sobressaltados com a minha audácia, o Alfa Líder perdeu um pouco da compostura e deixou transparecer a raiva que começava a criar forma.
— Então você confessa o crime e afirma que não se arrepende? — ele rebate com um tom impaciente dessa vez.
— Se me defender for um crime, então, sim, senhor, eu sou culpada. Afinal, quem foi bater em minha porta e estapear minha bochecha primeiro foi madame Elise.
— É mentira! — a voz aguda e irritante de Elise ecoa em protesto. O Alfa faz um gesto com a mão para ela, pedindo para ficar fora disso.
— O que chegou ao meu conhecimento foi que Elise foi respeitosamente conversar com você para entrar em acordo com uma resolução pacífica e justa acerca da quebra de vínculo. A qual você negou e reagiu de forma desproporcional. — o Alfa continua.
— Claro, se eu fosse a filha do Alfa eu também daria essa versão dos fatos. Mas como só sou uma Ômega, de que adianta eu tentar falar em minha defesa quando minha sentença já está decidida? Vamos poupar tempo, vossa excelência, apenas diga a decisão que foi tomada. — após minhas palavras o ódio e desconforto do Alfa Líder era ainda mais perceptível, ninguém nunca havia falado assim com ele antes, muito menos uma Ômega.
— Pois bem. Já que a ré confessa o crime e se abstém de estender o julgamento em sua defesa, direi o que foi decidido:
Quanto ao vínculo de Artemísia Goldryn e Lucius Lounge, declaro que está oficialmente quebrado. Ambos não possuem mais nenhum laço de parceria diante da matilha e da Deusa da Lua. E todos aqui presentes são declarados testemunhas.
Essas palavras teriam me dilacerado um dia atrás. Agora, causam apenas um leve desconforto.
Lucius parece aliviado. Finalmente livre de mim.
O Alfa continua:
— Quanto à sentença pela agressão feita à Elise Benedict, concedo a ela o direito de retaliação. Ela poderá exercer, neste momento, um dano físico que julgue suficiente contra Artemísia Goldryn.
Ele gesticula para Elise. Ela se levanta, pronta para exercer sua punição.
Confesso: foi uma sentença muito melhor do que eu esperava. Não tenho medo de apanhar.
Mas então vejo Elise empunhar uma peça metálica. Parece um espeto, com a ponta moldada como uma flor de seis pétalas. Nunca vi nada parecido.
Isso me deixa inquieta. O que ela pretende fazer com aquilo?
Ela caminha até a lareira lateral do salão. Mergulha o espeto no fogo aceso e o deixa lá por um tempo. Seu rosto permanece inexpressivo.
E então eu entendo. E confesso: não esperava por isso.
— Você disse que não era justo carregar a marca de Lucius após a quebra do vínculo. E eu concordo plenamente, por isso decidi te ajudar com isso. — Elise diz ao se colocar à minha frente, seu rosto agora expressando satisfação pura.
Ela ergue o espeto ardente. Aponta na direção do meu ombro, perto do pescoço, onde a marca de reivindicação ainda pulsa.
Eu estremeço. Mas não entro em desespero. Esse gostinho ela não vai ter de mim.
Então ela crava a ponta em forma de flor na minha pele. Afunda sem hesitar. Como quem marca gado.
A dor me atravessa inteira. Grito. As lágrimas escorrem sem controle pelo meu rosto.
O metal ainda quente continua pressionando minha pele. Elise se inclina até meu ouvido e sussurra:
— Marcada como uma vaca. Pois é isso que Ômegas são. Gado no meu quintal, gerando estrume e carne barata.
A queimadura eu podia aceitar. A dor física, eu aguentava.
Mas a humilhação... O desaforo nas palavras de Elise... Isso já estava fora de questão.
— Elise… — eu falei com a voz rouca e fraca devido a dor da queimadura.
— O quê? Não consigo ouvir. — ela debocha, inclinando o ouvido para mim. Eu aproximo a boca bem perto da orelha dela e digo:
— Sabia que vacas também sabem morder? — após isso, eu dou uma mordida com toda a força na orelha de Elise, arrancando um pedaço e o cuspindo no chão.